Posts from março, 2012

O italiano de Lisboa

 

 

 

  

 

          O escritor italiano Antonio Tabucchi, que afirmava sonhar em português, língua que amava e na qual escreveu grande parte de sua obra, morreu ontem na sua Lisboa, onde vivia nos últimos anos.

            Quando as pessoas morrem, principalmente se são famosas, só se dizem trivialidades.

            Prefiro ficar então com o Requiem que o próprio Tabucchi escreveu para Pessoa, sua outra grande paixão:

 

[…]

 Em rigor, um Requiem teria de ser escrito em latim, pelo menos é o que prescreve a tradição. Ora, acontece que eu, infelizmente, não me dou bem com o latim. Seja como for, percebi que não podia escrever um Requiem na minha língua e que precisava de uma língua diferente, uma língua que fosse um lugar de afeto e reflexão.

Este Requiem, além de uma “sonata”, é também um sonho, durante o qual a minha personagem vai encontrar vivos e mortos no mesmo plano: pessoas, coisas e lugares que precisavam talvez de uma oração, oração que a minha personagem só soube fazer à sua maneira, através de um romance. Mas, acima de tudo, este livro é uma homenagem a um país que eu adotei e que também me adotou, a uma gente que gostou de mim e de quem eu também gostei.

Se alguém observar que este Requiem não foi executado com a solenidade que convém a um Requiem, não posso deixar de concordar. Mas a verdade é que preferi tocar a minha música não num órgão, que é um instrumento próprio das catedrais, mas numa gaita de beiços, que se pode levar no bolso, ou num realejo, que se pode levar pelas ruas. Como Drummond de Andrade, sempre gostei de música barata, e como ele dizia, não quero Haendel para meu amigo, nem ouço a matinada dos arcanjos. Basta-me o que veio da rua, sem mensagem, e, como nos perdemos, se perdeu.

 

            A vantagem do escritor ─ se alguma vantagem há na morte ─ é que mesmo depois de morto ele permanece por aqui nos seus livros, como Tabucchi agora se acha aqui comigo no seu livro que tenho em mãos:

 

A quinta estava mergulhada o silêncio, tinha-se levantado uma brisa fresca que acariciava as folhas da amoreira. Boa noite, disse, ou melhor: adeus. A quem ou a quê estava a dizer adeus? Não sabia bem, mas era o que me apetecia dizer em voz alta. Adeus e boa noite a todos, repeti. Encostei a cabeça para trás e pus-me a olhar para a lua.