Posts from março, 2012

Rei Breve

 

 

 

 

 

                                                Já fui Rei.

                                                Hoje, não quero mais.

 

                                                Os súditos se curvavam

                                                e me abriam o caminho para passá-lo.

                                                Hoje, prefiro vassalo.

 

                                                Envergava meu manto de arminho,

                                                que todos aplaudiam e admiravam.

                                                Hoje, prefiro a nudez

                                                (do menino que me fez).

 

                                                Orgulhava-me da sapiência,

                                                que a todos encantava

                                                (ou enganava).

                                                Hoje, me apraz a paciência.

 

                                                Queria-me a todo custo adorado,

                                                mesmo que traído pelo costado.

                                                Hoje, basta-me ser gostável

                                                (e gosto que me enrosco).

 

                                                Já fui Rei.

                                                Hoje, serenei.

 

                                     

 

 

Em tempo

 

 

 

 

“Não basta ver uma mulher para a conhecer, é preciso ouvi-la também; ainda que muitas vezes basta ouvi-la para a não conhecer jamais.”

(Machado de Assis)

 

 

 

Num tempo da delicadeza

 

 

 

            Ontem à noite fui assistir, finalmente, ao filme “O Artista”.

            Saí do cinema literalmente sem palavras, com vontade apenas de sorrir um largo e contagiante sorriso, de dançar, sapatear, ter um cãozinho fiel e companheiro, um mordomo querido (que nem se importa em receber o salário), render-me, por fim, à sedução de uma pintinha no canto da boca (por incrível que possa parecer — e que deliciosa coincidência — uma das primeiras canções, se não a primeira, que Brenno e eu fizemos juntos chama-se “Cantiga para ninar menina com pintinha no canto da boca”, e nasceu logo após termos conhecido a encantadora dona dessa pintinha).

            O filme nos transporta para a época de ouro do cinema, e de um tempo da delicadeza que tanto falta faz, dos prazeres mais simples e essenciais.

            Como eram lindas as roupas das mulheres — e insinuantemente sensuais, com decotes fundos, franjas e aberturas, os vestidos já acima dos joelhos —, os chapéus! Com que elegância e charme se trajavam os homens!

            O roteiro reúne todos os clichês do cinema mudo — e tinha de ser assim —, mas sem cair jamais na caricatura ou no pastiche. Muito pelo contrário, além da fotografia (foi rodado em cores e convertido para preto e branco), da iluminação e dos enquadramentos primorosos, há diversas tomadas antológicas, como o pesadelo sonoro do astro George Valentin (que além da referência óbvia a Rodolfo Valentino, tem muito de Charles Chaplin e Errol Flynn, que igualmente penaram na transição do cinema mudo para o sonoro), o encontro dele, já no início da derrocada, com a nova estrela em ascensão Peppy Miller numa escadaria vazada, como um cenário de teatro, enquanto várias pessoas descem e sobem; ele em plena decadência, quase um vagabundo, visualizando-se vestido com o fraque da vitrine e a aproximação do guarda implicante (puro Chaplin); o final maravilhoso, com as câmeras abrindo para o estúdio, a revelar a realidade mágica do cinema (lembrou-me Fellini em “E la nave va”, e Truffaut, em “La Nuit Américaine”).

            Ah, a arrebatadora química de Jean Dujardin (George Valentin) e Bérénice Bejo (Peppy Miller)!

            Quando as luzes se apagavam para o início da sessão, contei exatamente doze expectadores, incluindo-me, na sala.

            Depois de alguns trailers barulhentíssimos — meu bom Deus, como as atuais salas tecnológicas têm o som ensurdecedor! —, foi reconfortante mergulhar no mundo onírico do cinema mudo, em que a música (na época executada por orquestras ao vivo) conduz a trama e o sonho.

            No final, tive a pachorra de voltar a contar: havia, comigo, vinte e oito gatos pingados. Parecia o filme fracassado de George Valentin, “Tears of Love”.

            Quem haverá de se interessar por delicadezas nestes tempos de grosserias e espertezas? (Aliás, um sujeito sentado próximo a mim passou o tempo todo teclando e afagando o precioso smartphone, o que me fez mudar para outro assento da sala vazia).

 

                         

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Parabéns, Rio de Janeiro a Janeiro

 

 

Para Selminha e Paulinho, privilegiados amigos queridos.

 

 

“No mar estava escrito uma cidade

no campo ela crescia, na lagoa,

no pátio negro, em tudo onde pisasse

alguém, se desenhava tua imagem,

 

teu brilho, tuas pontas, teu império

e teu sangue e teu bafo e tua pálpebra,

estrela: cada um te possuía.

Era inútil queimar-te, cintilavas.”

 

(Carlos Drummond de Andrade, Mas Viveremos, excerto)

 

 

 

            Hoje é o dia do aniversário do Rio de Janeiro, que completa 447 anos.

            Sou absolutamente fascinado pelo Rio ― sua gente, suas personagens, praias, bibliotecas e livrarias, o Corcovado, o centro velho, a Lapa boêmia, o Jardim Botânico, a Floresta da Tijuca, a inconcebível geografia, o samba que ressoa por todos os cantos ― e é nela que me refugio e refaço sempre que posso, e menos do que gostaria.

            O Rio tem problemas? Claro que sim, como todas as grandes cidades, como todo o Brasil e sua desigualdade afrontosa.

            Mas quando vou me achegando do Rio, encarno o Tom Gama, minha alma canta, sorrio e me acaba num instante com qualquer tristeza…

 

 

 

 

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