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Edição de José Márcio Castro Alves
Não, este não é o meu rosto,
meu verdadeiro rosto.
Olhem para mim, é assim que eu sou?
Onde está meu verdadeiro rosto?
Este rosto parece uma foto descorada
descolada do álbum de família.
Este rosto é do meu avô, do meu pai, do meu tio.
Onde está meu verdadeiro rosto?
Talvez tenha se perdido
na poeira das pradarias do Velho Oeste
nas matinês do Cine Theatro São Carlos,
nas noites de lua cheia,
nas serenatas da madrugada,
nos acordes das canções,
em alguma página de livro,
no corpo perplexo da primeira mulher.
Pode estar distraído
nas cantinas do Bixiga,
nos arcos da Lapa,
a andar pela praia até o Leblon
após o pôr do sol no Arpoador
enquanto a tarde não parte
na última barca para Niterói.
Quem sabe vagueie mano a mano
pelas calles de Buenos Aires
com o fantasma de Borges,
ou se deixou ficar em Alfama, Baixa e Chiado,
Óbidos ou Cascais, na Coimbra do Choupal,
no Escorial, na Plaza de Salamanca,
numa ponte de Veneza,
no Batistério de Florença,
nas colinas de Roma,
nos cafés da Rive Gauche,
naquele longo anoitecer
em que o céu pouco a pouco se tecia
com todos os azuis de Tintoretto.
Não, este não é o meu rosto.
Este é o rosto que eu terei um dia.