Posts from abril, 2012

Odiar o odiável, amar o amável

 

 

 

 

 

            Ótima entrevista feita por Paulo Werneck com Caetano Veloso, publicada na edição deste domingo da Folha de S. Paulo (Caetano Veloso e os elegantes uspianos, Ilustríssima, 4/5).

            Caetano sempre rende boas entrevistas, mas a maturidade (completa 70 anos em agosto deste ano) lhe fez muito bem: “Gosto do atrito. É a base do sexo. Mas não rejeito o antagonismo. Sou nitidamente contra o Brasil ter devolvido os atletas cubanos. Sou nitidamente contra o manifesto dos militares reformados. Sou nitidamente contra Luta ter apoiado a eleição de Ahmadinejad antes de o próprio Irá decidir se as eleições tinham sido fraudadas ou não”, diz ele no final da matéria.

            Noutra resposta, anota: “Toda cartilha ideológica, pode ser — e frequentemente é — obstáculo à inteligência” (essa vírgula depois de “ideológica”, que me parece equivocada, é da edição).

            Identifico-me muito com esse pensamento. Não abro mão de pensar livremente (ou tão livremente quanto consiga), e hoje sou radical apenas no repúdio a todo e qualquer tipo de tirania e ditadura, seja de direita, de esquerda, de centro, cristã, islâmica, das elites ou do proletariado.

            Grande parte da entrevista, e o seu próprio móvel, é o recente ensaio de Roberto Schwarz (Verdade Tropical: Um percurso do Nosso Tempo) sobre o livro de Caetano (Verdade Tropical), quinze anos depois da publicação deste.

Schwarz, com sua assumida condição de crítico marxista, é exemplo típico do engessamento ideológico a contaminar tudo o que escreve e pensa, como é o caso dos seus ensaios e artigos sobre Machado de Assis, em especial do incensado Um Mestre na Periferia do Capitalismo (que não deixa de ser um bom livro).

            Eis um trecho significativo da entrevista de Caetano:

 

“Schwarz critica o “amor aos homens da ditadura” expresso por Gil ao tomar ayahuasca e comenta os seus elogios à letra de “Aquele Abraço”: “A lição aplicada pelos militares havia surtido efeito”. Como vê essa avaliação severa?”

“Esse parágrafo de Schwarz é cruel e tolo. A prisão me pôs mais profundamente em inimizade com o projeto dos militares de direita que tomaram o Brasil. A descrição dos solavancos por que passamos não poderia ser desinfetada para agradar aos revolucionários de gabinete. Sou muito franco e apaixonado pela clareza e pela luz.

Gosto mais do esclarecimento do que da Dialética do Esclarecimento, que tanto obscurece. (Aliás, desconfio dessa escolha da palavra “esclarecimento” em lugar de “Iluminismo”.)

A lição aplicada pelos militares surtiu efeito em mim: me fez mais realista, mais conhecedor dos pesos concretos da vida. Foi sob a ditadura, sobretudo na prisão, que aprendi a odiar o odiável em nossa sociedade.”

 

            Odiar o odiável, e também amar o amável, pois afinal, como dizem os versos de Chico Buarque na maravilhosa Futuros Amantes, “amores serão sempre amáveis”.