A resposta

 

 

 

          A Bell leu.

          E respondeu.

 

 

Olympia

 

Quando se tem dez anos em 1980 a imagem que temos do nosso pai trabalhando é de um homem de costas, de terno, batendo compulsivamente em uma máquina. O barulho das teclas ecoava em um escritório grande, com cheiro de loção pós barba, papel carbono e mimeógrafo. Aquilo para mim era sinônimo de sucesso.

Datilografar com todos os dedos era sinônimo de inteligência.

Ter uma máquina de escrever era sinônimo de poder.

Aos dez anos eu já queria tudo isso. Mas não sabia datilografar, muito menos escrever. É nesse momento que você puxa o paletó do seu pai e faz birra até ele deixar você usar a máquina. É nesse momento que o seu pai vira professor.

“Vai Isabella, Q,W,E,R,T… Sem olhar! Olho no papel. Nunca olhe para as teclas!”

Eu ficava incansavelmente repetindo os exercícios que ele me ensinava. Folha após folha, aqueles emaranhados de letras que nada significavam para os outros, tinham muito importância para mim. Era eu quem estava no comando de uma máquina, imitando o que o meu pai fazia.

Não é novidade que admiro meu pai. Muito menos que sempre quis ser ele. Aprender a manusear a velha máquina portátil era apenas uma desculpa para me sentir mais próxima dele, meio inteligente como ele e sem dúvida, mais poderosa que as minhas amigas. Nunca tive dificuldade de digitar com todos os dedos. Assim como meu pai, internamente zombo de quem digita “catando milho”.

Após aprender a digitar, chegou uma nova máquina em casa. Papai colocou na sala um 486 PCXT com tela verde. Nele, fiz papel de carta, escrevi homenagens a parentes e comecei a entrar no mundo da internet, que hoje é meu ganha-pão. De lá pra cá, vieram muitas máquinas. Mas nenhuma me ensinou tanto quanto a Olympia.

Vinte anos depois, voltei ao escritório do meu pai. O ambiente ainda cheira loção pós barba mas nem é mais tão grande. Tanto que para arrumar espaço, algumas coisas foram deixadas de lado, como as duas antigas máquinas: a IBM elétrica dele e a Olympia portátil (que eu já julgava minha).

Fiquei triste ao vê-la encostada no chão, cheia de umidade. Ao abrir a caixa, todas essas lembranças vieram a tona. Decidi libertá-la. Mais uma vez, puxei o paletó do meu pai e pedi a máquina. Mais uma vez, ele atendeu meu pedido. Carreguei a máquina e todo o seu peso para São Paulo, restauramos. Ao invés do verde discreto do papai, ganhou um fôlego com meu amarelão. Agora ela está aqui, no meio da sala, olhando para mim junto com esse texto, esses sentimentos e uma saudade danada de quando eu achava que só precisava digitar algumas letras para ter um bom texto.

 

 

 

PS: (Este texto foi escrito no meu iMAC após ter lido o emocionante texto do meu pai sobre a nossa Olympia. Pensei em escrevê-lo nela. Mas ainda tenho medo de errar).

Bell Gama (abril/2012)

 

 

6 comentários

  1. 30/04/12 at 15:02

    Ler o pai e a filha é uma emoção. Ela queria imitar o pai e acabou por se igualar e as vezes até superar (perdoe falar assim, pois adoro os dois). É que a Bell consegue ser tão boa em sua ainda juventude que me deixa surpreendida, mesmo sabendo do brilhantismo do pai desde muito tenro.
    É um orgulho gostoso sabê-los meus parentes próximos (o parentesco vai se distanciando mas o sentimento de carinho permanece).
    Também ainda mantenho saudade de minha IBM com esferas. Era uma delícia como sabia manejá-la e trabalhei por longos e longos anos em sua companhia.

    • Antonio Carlos A. Gama
      30/04/12 at 15:18

      Sonia, querida, nossos filhos são edições atualizadas, ampliadas e melhoradas.
      Como é bom quando conseguimos lê-los com nossos óculos de velho.

  2. 01/05/12 at 11:53

    Sônia querida, muito obrigada pelo carinho. Retribuo em dobro! beijo

  3. 01/05/12 at 13:19

    Três gerações inspiradas, unidas por laços de afeto: o presente é dos leitores.
    Belíssimos relatos.
    Parabéns, Bell, Antonio e, ça va sans dire, Dr. Annibal.

    Beijocas!

    P.S.: A Olympia ficou uma graça…

  4. Marcelo
    17/03/13 at 17:22

    Prezada Bell,
    Pesquisando sobre esta maquina na internet deparei-me com este belo texto. Gostaria muito de saber como foi o processo de restauraçao (talvez voce me indique onde o realizou), pois estou com uma maquina desta, tambem de familia, e gostaria de dar-lhe o mesmo destino.
    Muito obrigado pela atençao,
    Marcelo

    • Antonio Carlos A. Gama
      25/03/13 at 13:00

      Caro Marcelo,

       

      Bell me pediu para lhe transmitir o seguinte recado:

       

      Eu peguei o restaurador nesse site: 

       
      Fica no Centro de São Paulo, próximo a praça da Sé. Lá tem o telefone e tudo mais.”
       
      Obrigado pela participação, Marcelo, volte sempre.
      Abraços.

       

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