Posts from junho, 2012

Eu quero ter um milhão de amigos

 

 

 

 

 

               Um velho companheiro costumava dizer que o psicanalista é um amigo de aluguel, e ele preferia gastar seu dinheirinho com os amigos do bar e da vida.

               Faz algum tempo que não conversamos a esse respeito, embora continuemos a nos encontrar nos bares da vida.

               Vou perguntar a ele o que pensa sobre ter um milhão de amigos, ou muito mais, seguindo e curtindo tudo o que ele disser e fizer.

               E pagará por isso bem menos do que ao analista, ainda que a maioria desses milhares de amigos e seguidores possam ser fantasmas cibernéticos.

               Serviços como Popular Fans, Social Jump, Big Follow, Twitter King oferecem esquemas e preços dos mais variados para você se tornar um fenômeno de popularidade no Facebook, You Tube ou Twitter.

               Essa celebridade instantânea, com a compra de amigos, fãs e seguidores atrai muita gente, tanto simples mortais como agências de publicidade e políticos. Um empresário, presidente de ONG e postulante ao cargo de vereador em São Paulo pelo PSDB admite que comprou seguidores no Twitter para “se aproximar do eleitor”(?). Contratou um serviço VIP e sua conta saltou de 500 para mais de 44 mil seguidores em menos de seis meses! Um outro, comediante, pagou R$ 750,00 parcelados em 12 vezes e sua conta de 900 seguidores foi para quase 70 mil! Uma graça!!!

               Há ainda a possibilidade de uma espécie de escambo ou troca-troca em que os usuários aceitam ou combinam seguir-se e curtir-se mutuamente, bem no espírito do que é dando que se recebe da oração franciscana.

               Nada tenho contra a internet e as redes sociais. Muito pelo contrário. Difícil imaginar a vida hoje em dia sem elas. Graças à internet conheci nos últimos anos pessoas de grande afinidade comigo e que passaram a fazer parte do rol dos meus amigos mais queridos — poucos, mas verdadeiros — com os quais compartilho momentos muito especiais.

               Tenho também alguns amigos que se foram, mas continuam a me presentear com sua presença permanente.

               No passado, os reis costumavam manter por perto o bobo da corte, não apenas para diverti-los, mas também para que, com seus chistes, não os deixassem perder o senso da realidade.

               Agora, o fenômeno dos falsos amigos virtuais vai no sentido inverso: ter uma multidão, ainda que irreal, para ser aplaudido, seguido e curtido o tempo todo.

               Quem quer ser um milionário?

 

 

(Fonte: Folha de S. Paulo, caderno tec, f1 e f3, 26/6/2012, matéria de Fernanda Ezabella)

 

 

 

Hello world!

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Curriculum vitae

                                         

 

  

                                        A vida urge

                                        a vida ruge

                                        a vida range

 

                                        a vida exsurge

                                        a vida escorcha

                                        a vida escracha

 

                                        a vida arrosta

                                        a vida arrasta

                                        a vida enrosca

 

                                        a vida assola

                                        a vida assanha

                                        a vida assaca

 

                                        a vida cala

                                        a vida calha

                                        a vida colhe

 

                                        a vida falha

                                        a vida foge

                                        a vida fode.

 

 

 

 

Les feuilles mortes se ramassent à la pelle…

 

 

  

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=ZCToiC9GJsQ]

 

 

Oh, je voudais tant que tu te souviennes

Des jours heureux où nous étions amis

En ce temps-là la vie était plus belle

Et le soleil plus brûlant qu’aujourd’hui.

 

Les feuilles mortes se ramassent à la pelle

Tu vois, je n’ai pas oublié

Les feuilles mortes se ramassent à la pelle

Les souvenirs et les regrets aussi.

 

Et le vent du Nord les emporte,

Dans la nuit froide de l’oubli.

Tu vois je n’ai pas oublié,

La chanson que tu me chantais…

 

Les feuilles mortes se ramassent à la pelle

Les souvenirs et les regrets aussi,

Mais mon amour silencieux et fidèle

Sourit toujours et remercie la vie.

 

Je t’aimais tant, tu étais si jolie,

Comment veux-tu que je t’oublie?

En ce temps-là la vie était plus belle

Et le soleil plus brûlant qu’aujourd’hui.

 

Tu étais ma plus douce amie

Mais je n’ai que faire des regrets.

Et la chanson que tu chantais,

Toujours, toujours je l’entendrai.

 

C’est une chanson qui nous ressemble,

Toi tu m’aimais, moi je t’aimais

Et nous vivions, tous deux ensemble,

Toi qui m’aimais, moi qui t’aimais.

 

Mais la vie sépare ceux qui s’aiment,

Tout doucement, sans faire de bruit

Et la mer efface sur le sable

Les pas des amants désunis.

 

            Em 1945, Jacques Prévert escreveu o roteiro do filme “Les Portes de la Nuit”, dirigido por Marcel Carné, cujo título foi retirado dos dois primeiros versos de uma canção: “Les enfants qui s’aiment s’embrassent debout / contre les Portes de la Nuit”.

            Jean Gabin e Marlene Dietrich, que seriam os dois protagonistas, preferiram fazer outro filme (“Martin Roumagnac”), possibilitando que o jovem e até então pouco conhecido cantor francês Yves Montand, indicado por Edith Piaf, fizesse o melancólico personagem masculino e cantasse “Les Feuilles Mortes”.

            Lançado em dezembro 1946, logo após o término da guerra, o filme foi massacrado pela crítica, talvez por mostrar o que todos queriam esquecer: Paris aniquilada e miserável, o mercado negro, a desgraça humana e a colaboração dos parisienses com os nazistas.

            A música fora composta antes, por Joseph Kosma, para o balé “Le Rendez-Vous”, de Roland Petit, e Prévert escreveu especialmente para o filme a letra-poema, que só foi publicada depois da sua morte, no livro “Soleil de Nuit”, em 1980.

            Apesar de “Les Feuilles Mortes” ter se tornado um clássico na voz de Yves Montand, a esplêndida interpretação da holandesa Laura Fygi (que também canta, e muito bem, Tom Jobim em português) é de arrepiar.

 

 

 

Ex-caras-velhos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                                       Paul McCartney ontem,

                                                                       setentão!

 

                                                                       Chico Burque hoje,

                                                                       sessenta e oitão!

 

                                                                       Ex-caras-velhos

                                                                       mais moços a cada dia

 

                                                                       entornando poesia

                                                                       sopram as velhinhas

 

                                                                       e comem as mocinhas…

 

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=FUH05iJ3-Uo&feature=related]

 

 

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=21qVqKZxE3Y]

 

 

 

Recado aos surdos

 

 

 

 

 

               Ruy Castro, sempre oportuno e impecável, na sua coluna de hoje na Folha de S. Paulo (Recado em prosa) lembra ao nosso país e à nossa gente sem memória que Tom Jobim (que estaria agora com 85 anos) “teria sido recebido com clarins nos salões do Riocentro, na abertura da conferência Rio+20”, não apenas por ser autor de inúmeras canções que celebram a natureza, “Mas por ser um porta-voz da ecologia, desde a época em que, no Brasil, essa palavra tinha de ser procurada no dicionário”.

               Por causa disso, segundo ainda Ruy Castro, Tom era tratado até mesmo com “brutalidade” nas redações do Rio e de São Paulo, nos anos 70 e 80, onde costumavam debochá-lo: “Ih, lá vem de novo o Tom Jobim com aquela mania de ecologia.” “Tom Jobim é a coisa mais rançosa que existe!”.

               Tamanha era a paixão de Tom pela natureza e pelo Brasil que ele dizia:“Toda a minha obra é inspirada na mata atlântica.”

               Pois aí está a trôpega Rio+20 a gemer e urrar para parir um ratinho à guisa de documento final, que muito pouco ou nada valerá para as medidas sérias e consequentes que precisam ser tomadas e não podem esperar mais.

               O vídeo abaixo é um perfeito exemplo do que nos conta Ruy Castro: na parte final, Tom Jobim brinca com a letra que lhe fizera Vinicius em Carta ao Tom 74, para denunciar uma vez mais a degradação que vinha sofrendo o Rio de Janeiro. O outro vídeo é da magnífica Borzeguim.

 

 

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=sXYvPbgGjVc&feature=related]

 

 

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=AYMlw8b4Nl0]

 

 

 

A Buenos Aires dos portenhos

 

 

 

 

 

               Esta recente viagem a Buenos Aires foi muito diferente das várias outras que fizera para lá.

               Já conheço todos os pontos turísticos, e não adianta pensar que não se faça isso pelo menos na primeira vez ou nas duas primeiras vezes em que se vai a uma nova cidade.

               Só depois é que se começa a conviver com ela, a conhecê-la de fato, e ela a você, como dois amantes que pouco a pouco se entranham e não mais se estranham. 

               Uma das coisas que mais me seduz numa cidade é caminhar por suas ruas e avenidas, enveredar por seus becos e suas vielas, seus bares, cafés, restaurantes, suas livrarias. E Buenos Aires, tal como Paris, é especialmente propícia a tudo isso.

               Tenho lá alguns lugares especiais, onde sempre dou pelo menos uma passadinha, como a livraria El Ateneo Grand Splendid, na Avenida Santa Fé, o Café Tortoni, na Avenida de Mayo, a Plaza San Martín, o La Biela, na Recoleta, a Confitería La Ideal na Calle Suipacha e outros.

               Todavia, graças aos amigos portenhos que a Bell havia feito na sua viagem anterior, há pouco mais de um mês, quando esteve lá a trabalho, pudemos conhecer lugares bem típicos, como o inacreditável Restaurant y Bar La Coruña, situado no mesmo edifício do Mercado San Telmo e incluído entre os Cafés Notables de Buenos Aires, cujos frequentadores são uma atração à parte.

 

 

 

 

 

       

 

 

 

 

       

               Hospedados no hotel butique Esplendor Palermo Hollywood, aproveitamos também para explorar aquele bairro imenso e lindíssimo, onde dizem que Buenos Aires nasceu e que só conhecia superficialmente.

               Na manhã de sábado, e até o meio da tarde, caminhamos e passeamos pelo maravilhoso Parque Tres de Febrero, uma espécie de Ibirapuera, onde os portenhos se exercitam e divertem com a família, passam horas deitados na grama, lendo ou apenas contemplando, sem nenhuma pressa. É lá que ficam também o deslumbrante Rosedal, com rosas de várias partes do mundo, o Jardín de los Poetas e o Pátio Andaluz, outros recantos paradisíacos.

               No domingo almoçamos e passamos a tarde em Palermo Soho, Calle Serrano, Plaza Julio Cortázar e imediações, com bares, restaurantes e lojas com personalidade própria e diversificada.

               Caminhamos pela extensão da Calle Serrano, que após a praça passa a se chamar Jorge Luis Borges, e encontramos a casa da avó inglesa de Borges, onde ele passou a infância, até os 13 anos. A casa está muito bem conservada e ao percorrer as cercanias, sob as árvores centenárias, emocionei-me quase às lágrimas ao pensar que o menino, que ficaria cego, certamente por ali também andava, corria e brincava.

               A cerca de um quarteirão da casa da avó de Borges, há um velho estabelecimento, que o menino e a família provavelmente também frequentassem, denominado Antonito (quase xará do Antonico, um dos meus heterônimos).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

               No domingo anterior à nossa ida, como preparativo, Bell me convidou para assistirmos ao DVD de um filme argentino que, segundo ela, se tornou um cult lá.

               Medianeras, dirigido pelo talentosíssimo Gustavo Taretto, é um filme genuinamente portenho, sobre a cidade de Buenos Aires e seus habitantes, sua solidão e a busca do amor nesta era virtual.

               As medianeras são as paredes laterais obrigatoriamente cegas que dão para o prédio vizinho e de acordo com a legislação local  devem permanecer assim para assegurar a privacidade.

               Em cumprimento  dessa postura, muitos apartamentos tornaram-se verdadeiras masmorras sombrias, até que um morador rebelde decida abrir sua janelinha na medianera. Outros o acompanham e assim a cidade vai ganhando paredões salpicados de pequenas janelas caóticas, de variados tamanhos e formatos.

               Os protagonistas, Martin (Javier Drola) e Mariana (Pilar López de Ayala, linda, linda!), são dois fóbicos enclausurados no que aqui chamaríamos de quitinete. Seus prédios são vizinhos, eles transitam pelas mesmas ruas e pelos mesmos lugares, têm sentimentos, emoções e experiências semelhantes, mas nunca se encontram.

               Logo na abertura, Martin diz: “Estou convencido de que as separações, os divórcios, a violência familiar, o excesso de canais a cabo, a falta de comunicação, a falta de desejo, a apatia, a depressão, o suicídio, as neuroses, os ataques de pânico, a obesidade, as contraturas, a inseguridade, a hipocondria, o estresse e o sedentarismo são responsabilidade dos arquitetos e da construção civil. Destes males, salvo o suicídio, padeço de todos”.

               O filme é adorável, e durante nossas caminhadas por Buenos Aires Bell e eu ficamos a procurar e identificar as janelinhas abertas nas medianeras, bem como os locais por onde passavam Martin e Mariana (que moravam na longuíssima Avenida Santa Fé). Medianeras e janeletas encontramos muitas; Martin e Mariana, infelizmente não.

 

P.S.    Meu especial agradecimento aos queridos Thiago Endrigo (brasileiro que já é confundido pelos próprios portenhos como um nativo) e seu papá argentino Fermin, sem os quais não teríamos conhecido essa mítica Buenos Aires.

 

 

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Aiaia

 

 

 

 

 

                                                                 Meu haicai

                                                                 se esvai

                                                                 em três ais.

 

 

 

Doliente máquina

 

 

 

“Soñará un mundo sin lá máquina y sin esa doliente máquina, el cuerpo”

(Jorge Luis Borges, “Alguien soñará”)

 

 

 

 

 

            Coloca el pulgar derecho aquí, por favor.

            Coloquei.

            Más fuerte, más presión…

            Apertei.

            Cambie de mano, coloque el pulgar izquierdo.

            Troquei.

            Pressionei.

             ¡Vos non tiene impresión digital!

            Disse-me depois de algum tempo e em tom de reporovação a funcionária da alfândega argentina. 

            ¡Por supuesto que tengo!

            Respondi, exibindo-lhe as mãos com todos os dedos espalmados.

            ¡Pero no!  ¡La máquina non capta!

            Pensei em lhe perguntar se não era possível tentar o pneumotórax.

            Mas já sabia que a única coisa a fazer era tocar um tango argentino.

 

 

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Meu reencontro com Espinosa

 

 

 

               A última vez em que estive com Espinosa foi no início de 2010, quando passava férias no Rio de Janeiro e ele ainda se recuperava de um grave ferimento que sofrera.

               Contei a respeito daquele nosso encontro aqui. Mesmo em convalescença, Espinosa acabou se envolvendo, e também a mim, numa outra investigação sobre o súbito e estranho desaparecimento de um dentista de vida pacata e metódica.

               Depois daqueles dias, somente nos falamos esporadicamente por e-mail e telefone. Numa das vezes em que fui ao Rio cheguei a procurá-lo na 12 DP de Copacabana, mas ele estava em gozo de licença-prêmio e havia viajado para Lisboa e Paris, certamente para vasculhar livrarias e sebos, como ele tanto gosta.

               Apesar da distância física, nossa amizade nunca se abalou, basta nos reencontrarmos para a conversa seguir como se nunca tivesse sido interrompida. Creio que os verdadeiros amigos e camaradas são desse jeito, sem cobranças e recriminações.

               Mesmo assim, andava incomodado com o afastamento. Cheguei a comentar isso com minha filha Carolina outro dia. Longe de Espinosa, perdi também o contato com seu amigo Luiz Alfredo Garcia-Roza, que ele me apresentou e de quem gosto muito. Andei procurando novos livros de Garcia-Roza pelas livrarias, mas faz tempo que ele não publica.

               Quinta-feira passada, ao flanar pela Livraria da Vila, no Shopping Higienópolis, eis que dou de cara com Espinosa a remexer nas prateleiras.

               Infelizmente, ambos estávamos apressados e só tivemos tempo para um abraço, um café e conversar rapidamente. Ele tinha vindo a São Paulo em diligência numa de suas investigações e voltaria logo mais para o Rio, na ponte aérea de Congonhas. Eu também estava de saída para Guarulhos, onde embarcaria para Buenos Aires.

               Apesar do pouco tempo, Espinosa, além de me dar notícias de Garcia-Roza, que vai muito bem, contou-me sobre um novo caso que o anda assombrando e ao qual se dedicaria integralmente assim voltasse para o Rio.

               Trata-se de um assassinato a faca cometido de madrugada em plena Avenida Nossa Senhora de Copacabana. Espinosa tem certeza de que tudo foi presenciado por uma frágil moradora de rua, se não me engano conhecida como “Princesa”. Ela, porém, nega ter visto e, ainda segundo o feeling do meu amigo delegado, pode se achar em grande perigo.

               Tão logo regresse ao Brasil, vou entrar em contado com Espinosa para saber o que ele apurou. Tomara que já tenha solucionado o crime e que a pobre testemunha ocular não haja se tornado vítima também, não bastassem os males que a vida miserável lhe perpetra.