Esta recente viagem a Buenos Aires foi muito diferente das várias outras que fizera para lá.
Já conheço todos os pontos turísticos, e não adianta pensar que não se faça isso pelo menos na primeira vez ou nas duas primeiras vezes em que se vai a uma nova cidade.
Só depois é que se começa a conviver com ela, a conhecê-la de fato, e ela a você, como dois amantes que pouco a pouco se entranham e não mais se estranham.
Uma das coisas que mais me seduz numa cidade é caminhar por suas ruas e avenidas, enveredar por seus becos e suas vielas, seus bares, cafés, restaurantes, suas livrarias. E Buenos Aires, tal como Paris, é especialmente propícia a tudo isso.
Tenho lá alguns lugares especiais, onde sempre dou pelo menos uma passadinha, como a livraria El Ateneo Grand Splendid, na Avenida Santa Fé, o Café Tortoni, na Avenida de Mayo, a Plaza San Martín, o La Biela, na Recoleta, a Confitería La Ideal na Calle Suipacha e outros.
Todavia, graças aos amigos portenhos que a Bell havia feito na sua viagem anterior, há pouco mais de um mês, quando esteve lá a trabalho, pudemos conhecer lugares bem típicos, como o inacreditável Restaurant y Bar La Coruña, situado no mesmo edifício do Mercado San Telmo e incluído entre os Cafés Notables de Buenos Aires, cujos frequentadores são uma atração à parte.
Hospedados no hotel butique Esplendor Palermo Hollywood, aproveitamos também para explorar aquele bairro imenso e lindíssimo, onde dizem que Buenos Aires nasceu e que só conhecia superficialmente.
Na manhã de sábado, e até o meio da tarde, caminhamos e passeamos pelo maravilhoso Parque Tres de Febrero, uma espécie de Ibirapuera, onde os portenhos se exercitam e divertem com a família, passam horas deitados na grama, lendo ou apenas contemplando, sem nenhuma pressa. É lá que ficam também o deslumbrante Rosedal, com rosas de várias partes do mundo, o Jardín de los Poetas e o Pátio Andaluz, outros recantos paradisíacos.
No domingo almoçamos e passamos a tarde em Palermo Soho, Calle Serrano, Plaza Julio Cortázar e imediações, com bares, restaurantes e lojas com personalidade própria e diversificada.
Caminhamos pela extensão da Calle Serrano, que após a praça passa a se chamar Jorge Luis Borges, e encontramos a casa da avó inglesa de Borges, onde ele passou a infância, até os 13 anos. A casa está muito bem conservada e ao percorrer as cercanias, sob as árvores centenárias, emocionei-me quase às lágrimas ao pensar que o menino, que ficaria cego, certamente por ali também andava, corria e brincava.
A cerca de um quarteirão da casa da avó de Borges, há um velho estabelecimento, que o menino e a família provavelmente também frequentassem, denominado Antonito (quase xará do Antonico, um dos meus heterônimos).
No domingo anterior à nossa ida, como preparativo, Bell me convidou para assistirmos ao DVD de um filme argentino que, segundo ela, se tornou um cult lá.
Medianeras, dirigido pelo talentosíssimo Gustavo Taretto, é um filme genuinamente portenho, sobre a cidade de Buenos Aires e seus habitantes, sua solidão e a busca do amor nesta era virtual.
As medianeras são as paredes laterais obrigatoriamente cegas que dão para o prédio vizinho e de acordo com a legislação local devem permanecer assim para assegurar a privacidade.
Em cumprimento dessa postura, muitos apartamentos tornaram-se verdadeiras masmorras sombrias, até que um morador rebelde decida abrir sua janelinha na medianera. Outros o acompanham e assim a cidade vai ganhando paredões salpicados de pequenas janelas caóticas, de variados tamanhos e formatos.
Os protagonistas, Martin (Javier Drola) e Mariana (Pilar López de Ayala, linda, linda!), são dois fóbicos enclausurados no que aqui chamaríamos de quitinete. Seus prédios são vizinhos, eles transitam pelas mesmas ruas e pelos mesmos lugares, têm sentimentos, emoções e experiências semelhantes, mas nunca se encontram.
Logo na abertura, Martin diz: “Estou convencido de que as separações, os divórcios, a violência familiar, o excesso de canais a cabo, a falta de comunicação, a falta de desejo, a apatia, a depressão, o suicídio, as neuroses, os ataques de pânico, a obesidade, as contraturas, a inseguridade, a hipocondria, o estresse e o sedentarismo são responsabilidade dos arquitetos e da construção civil. Destes males, salvo o suicídio, padeço de todos”.
O filme é adorável, e durante nossas caminhadas por Buenos Aires Bell e eu ficamos a procurar e identificar as janelinhas abertas nas medianeras, bem como os locais por onde passavam Martin e Mariana (que moravam na longuíssima Avenida Santa Fé). Medianeras e janeletas encontramos muitas; Martin e Mariana, infelizmente não.
P.S. Meu especial agradecimento aos queridos Thiago Endrigo (brasileiro que já é confundido pelos próprios portenhos como um nativo) e seu papá argentino Fermin, sem os quais não teríamos conhecido essa mítica Buenos Aires.
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