Laços e enlaces

 

 

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Sempre intrigam os enlaces entre fatos aparentemente desconexos, como se regidos por uma lei que nos escapasse à compreensão.

A semana que se findou e a que se inicia nos apresentam mais um desses laços enigmáticos — chamemos assim, à falta de uma designação mais apropriada.

Nosso tradicional Dia da Mentira, 1º de abril (o que leva a pressupor que todos os demais dias sejam consagrados à verdade), cai na segunda-feira subsequente à Semana Santa em que se celebrou a Paixão e a Ressurreição de Cristo.

Mera coincidência? Simples datas delimitadas pelo calendário gregoriano, que é apenas uma convenção, entre muitas, para se contar o tempo? Talvez.

Já se disse — sem demérito algum — que a ciência lida com verdades provisórias. A física clássica de Newton concebia o universo de modo ordenado, e mesmo Einstein buscou durante sua vida toda a explicação ou a resposta definitiva. Hoje, uma forte corrente sustenta ou trabalha com a hipótese de que não haveria tal explicação, já que o universo seria caótico e assimétrico, e muito do que existe hoje, incluindo o próprio ser humano, resultaria de acasos ou mesmo desvios erráticos.

Será mesmo?

Que verdades científicas virão a seguir? A ciência só aceita fatos que possam ser testados e corroborados por evidências, mas tais comprovações têm variado e até se contraditado ao longo do tempo e com a evolução tecnológica. Como a existência de Deus não pôde ser testada até agora, não é admitida como verdade científica.

— O que é a verdade?, teria indagado ao Cristo Pôncio Pilatos, para em seguida se afastar, sem interesse pela resposta, e depois lavar as mãos, permitir a crucificação daquele nazareno e libertar Barrabás, atendendo à opinião pública da época, a chamada voz do povo, tida por muitos como a voz de Deus.

Anatole France, um escritor essencial, vencedor do prêmio Nobel de Literatura de 1921, mas que está fora de moda ou dos modismos, no seu livro L’Étui de nacre (O estojo de nácar, que infelizmente jamais teve uma edição brasileira), nos brinda com um conto tão primoroso quanto instigante, O procurador da Judeia.

Trata-se de um fugaz episódio de Pôncio Pilatos já na velhice, vivendo novamente em Roma. Um dia encontra nas colinas romanas um antigo amigo que também estivera na Judeia na mesma época e com o qual costumava conversar, para matar as saudades da terra natal. Recordam-se agora daqueles tempos e de diversas passagens na longíqua região, principalmente as condenações dos judeus presos.

— Ah, como davam trabalho aquelas condenações!, rememora Pilatos.

— E a condenação daquele Jesus de Nazaré, lembra-se?, pergunta-lhe o amigo. — Como foi complicada! 

Depois de pensar durante algum tempo, Pilatos responde:

— Jesus? Jesus de Nazaré? Não, não me lembro, não. 

O que explicaria o fato de Cristo ter nascido, vivido e pregado (e sido pregado) numa região distante e periférica do mundo de então, a ponto de nem mesmo ser lembrado pelo velho procurador que determinou a sua execução? Em razão disso há pouquíssimos e vagos registros históricos da sua existência (terá querido que assim fosse?).

Voltaire sustentava que se há o relógio é porque há o relojoeiro que o inventou e fabricou. Mas os relógios batem horas desencontradas, e cada um de nós tem a sua própria hora. Sem dizer que até mesmo os relógios parados estarão certos duas vezes ao dia.

Melhor então cantar com o grande Adoniran Barbosa:

 

                                               “Num relógio

                                               É quatro e vinte

                                               No outro é quatro e meia

                                               É que de um relógio pra outro

                                               As horas vareia.”

 

 “Tocar na banda”, Adoniran Barbosa

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=Gqi-iSliARQ[/youtube]

 

 

3 comentários

  1. Brenno
    01/04/13 at 19:20

    Os laços… os nós…
    e nós no meio
    desse emaranhado.
    A sós.

  2. 01/04/13 at 22:54

    Os nós desatados dos
    laços…
    E nós no meia da fita
    lassos…
     

  3. 01/04/13 at 23:20

    Leia-se “no meio”.

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