DIFÍCIL SER FUNCIONÁRIO
João Cabral de Melo Neto
(Para Drummond)
Difícil ser funcionário
Nesta segunda-feira.
Eu te telefono, Carlos
Pedindo conselho.
Não é lá fora o dia
Que me deixa assim,
Cinemas, avenidas,
E outros não-fazeres.
É a dor das coisas,
O luto desta mesa;
É o regimento proibindo
Assovios, versos, flores.
Eu nunca suspeitara
Tanta roupa preta;
Tão pouco essas palavras —
Funcionárias, sem amor.
Carlos, há uma máquina
Que nunca escreve cartas;
Há uma garrafa de tinta
Que nunca bebeu álcool.
E os arquivos, Carlos,
As caixas de papéis:
Túmulos para todos
Os tamanhos de meu corpo.
Não me sinto correto
De gravata de cor,
E na cabeça uma moça
Em forma de lembrança
Não encontro a palavra
Que diga a esses móveis.
Se os pudesse encarar…
Fazer seu nojo meu…
Carlos, dessa náusea
Como colher a flor?
Eu te telefono, Carlos,
Pedindo conselho.
João Cabral e Drummond foram funcionários públicos exemplares ao longo de toda a vida, para que pudessem exercer “esse ofício do verso”, na expressão de Jorge Luis Borges.
Este poema é da primeira fase de João Cabral, em que confessadamente estava muito influenciado pela leitura da poesia de Drummond.
Muito bem escolhido esse poema. Que marca muito bem a vida de ambos poetas.
O livro do Borges também é imprescindível: Esse ofício do verso, que são palestras que ele fez em Harvard.
Algo fabuloso. Na minha modesta opinião.
Gama, esse poema retrata bem a vida dos mestres Cabral e Drummond, bem como Jorge Luis Borges (que também adoro).
Abraçaço.