Selma Barcellos
“Tunica, eu tô apagando” foram as últimas palavras de Sérgio Porto, nosso Stanislaw Ponte Preta, em setembro de 68, vítima de infarto e possivelmente excesso de trabalho, uma vez que a amigos próximos andara se queixando de “levantar o olho da máquina de escrever só pra botar colírio”.
Forte, bonito, elegante, simpático, inteligente, Porto era um privilegiado sem exibicionismos, a quem “só faltava dinheiro, como de resto ao grupo todo,” ─ escreveu Paulo Mendes Campos, amigo de décadas ─ “que mesmo mal pagos, tínhamos de aceitar as ofertas que a imprensa nos fazia como um favor, bicando aqui e ali, sofrendo na carne os atrasos do caixa, brigando pelo dinheirinho de cada dia. Mas o clima não era de miséria nem de tristeza: bebíamos crepuscularmente nosso uísque escocês no Pardellas da Rua México, dançávamos no Vogue, andávamos de táxi. Já que o dinheiro era pouco, o jeito era gastá-lo no essencial: o apartamento próprio que esperasse.”
Dono de tentações irresistíveis ─ “passear na chuva, rir em horas impróprias, dizer ao ouvido de mulher besta que ela não é tão boa quanto pensa” ─ e medos absurdos ─ “qualquer inseto taludinho (de barata pra cima)”, Porto se aborrecia quando o julgavam um cínico; era apenas um sentimentalão que não “aguentava uma gata pelo rabo” . Em poucas palavras traçou o retrato de uma época dourada, mas repressiva em matéria de sexo, em que as praças e cantinhos escuros eram o desafogo: “Se peito de moça fosse buzina, ninguém dormia nos arredores daquela praça.”
Numa chegada a Buenos Aires, ainda segundo Paulinho Mendes, “avião estacionado, entrou nele um médico da saúde pública, um homem ruivo e bastante calvo. Pedindo aos passageiros que exibissem o atestado de vacina, o médico estendeu a mão para Sérgio, ao mesmo tempo que dizia em tom cavo e impessoal: “Vacunación, señor.” Como se estivesse recebendo um cumprimento de boas-vindas, Stanislaw (aí era ele), muito grave, apertou a mão do médico, falando claro e efusivo: “Vacunación para usted también?” O médico, rubro de indignação, expulsou-nos do avião, sem mais exigir o documento sanitário e, enquanto eu explodia de rir, ele sussurrava-me entre os dentes: “Aguenta a mão, se não a gente acaba em cana.”
Lembro-me da comoção que a notícia da morte prematura (45!) de Stanislaw e, com ele, de Tia Zulmira, Primo Altamirando e Rosamundo, causaram em mim e no pai. Líamos e ríamos juntos daquelas tantas delícias.
Lan dedicou ao amigo a genial caricatura que ilustra o post. Admiravam-se em suas artes. Ainda que Stanislaw o entregasse em alguma coluna:
Como tem bamba lá em cima. Já pensaram Stanislaw, Millôr, Braga e Drummond no uisquinho crepuscular? Se tiver primavera então…