Annibal Augusto Gama

Moisés, os escritores, com Deus, ou por ele, precisaram de cinco livros para dar início à Bíblia, o Pentateuco. Um deles, o primeiro, tem o título de Gênesis, quer dizer, a criação. Pode ser uma meditação de como se faz o mundo, ou de como se deve fazer um livro.
Cinco livros são um bom número para um escritor escrever, ou para um leitor começar a ler. Infância, adolescência, mocidade, maturidade, velhice. O caminho de uma vida.
Depois do fiat lux, o homem e a mulher são criados e postos no Paraíso, juntos dos pássaros, dos outros animais, da água, das árvores. Deverão se virar, e Deus passeia na brisa da tarde. Irão encontrar, o homem e a mulher, a inocência, a malícia, a alegria, a dor, a morte. E se, mais tarde, são expulsos do Éden, não os expulsam das bibliotecas. Apenas, fazem a lista, o Index Librorum Prohibitorum, que, por isso mesmo, é muito percorrido pelos leitores vorazes. A proibição, a censura, são um convite à leitura. E afinal, os leitores leem aqueles livros condenados, e dizem: “Nem tanto assim…”
Os cinco primeiros livros, com os anos, podem ser multiplicados por cem, trezentos, mil. Mas, no geral, eles se repetem, ou completam-se uns aos outros.
O problema é o espaço. Mil livros já demandam um bom espaço, e é preciso deslocar outros objetos. Que se dirá de dez mil, vinte mil, cem mil livros, de uma biblioteca? E é necessário ainda abrir lugares para os leitores. E os cuidados que os livros exigem, catalogação, fichários, limpeza, conservação, encadernação, restauração, dão ocupação para centenas de pessoas.
Bota-se fogo na Biblioteca de Alexandria, porque o único livro verdadeiro é o Corão e, se todos os demais o repetem, ou divergem dele, são inúteis ou deletérios.
Não seria preciso isso: os ratos, as baratas, o mofo, os insetos se encarregam de destruir os livros.
E eles se dispersam: vão para os alfarrabistas, para os sebos. Tristes mendigos que se juntam ao acaso.
O colecionador de livros, o bibliófilo, é um maníaco inofensivo. Está ali, com os óculos a escorrer pelo nariz, as falripas brancas dos cabelos espetadas para cima, a espirrar e a percorrer as prateleiras. O pó dos livros cobre-lhe os ombros do paletó. Fecha as portas, para não ser perturbado. E as suas saídas são para buscar outros livros, raros, primeiras edições.
É, porém, longevo. Vive até os oitenta, noventa anos, porque não se aventura para as ruas, onde seria esmagado pelos carros. É magro, curvado, só se alimenta para sobreviver. É sagaz, sardônico, e celibatário.
É capaz de falar sobre um livro horas e horas. Sabe da sua história, dos seus descaminhos, da sua impressão, das suas ilustrações, das ideias que agitou, das controvérsias que provocou.
O livro é matéria inflamável. Se não é, não vale a pena.
