Dias Nublados

 

         Selma Barcellos

Selma (perfil)

 

 

 

SHAKE

 

 

Recentemente, em seu já antológico artigo “O Brasil está com ódio de si mesmo”, órica mutação. Segundo o cronista, espontaneidade e graça, que eram nossa marca, deram lugar à fúria inesperada, à perda da solidariedade primal, quase instintiva, a “dores nunca antes sentidas”.

Em “À flor da pele”, Joaquim Ferreira dos Santos retoma o assunto. Não mais que de repente, pondera, somos todos suspeitos, roda-se a baiana, puxa-se a peixeira, privadas caem na nossa cabeça, todo mundo “fuleco da vida”. Por onde andarão, pergunta, “o homem cordial, o gajo afável desta patriamada gentil, a namoradinha do Brasil, a velhinha de Taubaté, o Jeremias, o bom, os descendentes do Profeta Gentileza”…? E antevê: “Se Stefan Zweig, morto em 1942, baixasse num centro mediúnico da Vila da Penha, seria linchado por ter publicado o livro em que chamava o Brasil de ‘país do futuro’”.

Está feia a coisa, sim. Convém nos acalmarmos. Afinal, estão chegando os alquimistas e os convidados desta já insuportável Copa do Mundo. Urgem bom-humor e etiqueta. Certa décadence avec élégance, por que não? Nada de guardar cartão de visitas dado por asiáticos até que eles se despeçam, não puxar conversa nem cadeira para muçulmanas (só o marido pode), jamais estender a mão esquerda (tida como impura, a da higiene) para iranianos, não bocejar para colombianos, e por aí vai.

Não sei se vos contei. Há alguns meses, visitando o Marrocos, o filho da blogueira adentrou um banheiro público onde havia, bem no centro, uma espécie de cuba, imensa, retangular, com água escorrendo continuamente. Não teve dúvida. Engatilhou. Só sentiu uma mão no ombro e uma voz ao pé d’orelha: “Não faça isso. Esta é a pia onde lavamos as mãos e os cotovelos para as orações”. Jura que ouviu o sssip! da adaga. Está correndo até hoje.

Agora falando sério. Com o pote até aqui de mágoa e a irritação que nos une em torno da grande área, imagina se algo acontece na pia das nossas devoções?

Cantemos, irmãos. Cariocas são bonitos, cariocas são bacanas…

 

“Cariocas” (Adriana Calcanhotto), com ela

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