O SILÊNCIO
O silêncio é um lenço
que cai
num chão de algodão.
Mas se disso fazes alarde
já é tarde: ele partiu
como ave de arribação.
“The sound of silence) (Paul Simon), com Simon & Karfunkel
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Annibal Augusto Gama
Num conto de Vladimir Nobokov, leio a frase: “o silêncio caiu”. Suponho que a tradução do seu texto, do inglês para o português, seja correta. E, sabidamente. Nobokov era um estilista. Mas pergunto a mim mesmo: o silêncio cai?
Alguém, há muito, muito tempo, escreveu: “o silêncio caiu”. Depois disso, centenas, milhares de outros escritores, repetiram: “o silêncio caiu”. A frase torno-se um clichê.
Ora, o silêncio não cai. Não é um, saco de chumbo, para cair do teto. Depois, ao invés de cair, pode também levantar-se do chão. Expandir-se, envolver uma sala e as pessoas que se acham nela.
Também habitualmente se diz ou se escreve: “A noite caiu”. Pois bem: A mim me parece que a noite não cai. Ao contrário. ela parece brotar do chão. O que cai é o sol, no horizonte.
Admite-se que a chuva caia, ou que o vento uive na folhagem das árvores. Mas essas frases, de tão repetidas, viraram lugares comuns, que já não nos dizem nada.
Elas compõem o que se denomina “fraseologia” de um idioma. E quase ninguém escapa disso, que já nada significa.
Homero escreveu, na sua épica: “os dedos róseos da aurora”. Era poético, numa época em que os deuses e as deusas habitavam a Terra. O mundo estava cheio de ninfas.
Muitos, muitos séculos depois, aqui no Brasil, no parnasianismo, Raimundo Correa faria aquele verso: “Raia, sanguínea e fresca, a madrugada”.
E as pombas vão e vêm…
Para um verdadeiro escritor, ou poeta, escrever é de novo descobrir o mundo. Vê-lo com os olhos que nunca outro o viu.
Todavia, a maior parte deles, repete os clichês.
Por isso mesmo, Vallery dizia que não seria capaz de escrever um romance. Porque,.em alguma parte dele, teria de escrever: “Madame, comment allez vous?”