Annibal Augusto Gama
Num conto de Vladimir Nobokov, leio a frase: “o silêncio caiu”. Suponho que a tradução do seu texto, do inglês para o português, seja correta. E, sabidamente. Nobokov era um estilista. Mas pergunto a mim mesmo: o silêncio cai?
Alguém, há muito, muito tempo, escreveu: “o silêncio caiu”. Depois disso, centenas, milhares de outros escritores, repetiram: “o silêncio caiu”. A frase torno-se um clichê.
Ora, o silêncio não cai. Não é um, saco de chumbo, para cair do teto. Depois, ao invés de cair, pode também levantar-se do chão. Expandir-se, envolver uma sala e as pessoas que se acham nela.
Também habitualmente se diz ou se escreve: “A noite caiu”. Pois bem: A mim me parece que a noite não cai. Ao contrário. ela parece brotar do chão. O que cai é o sol, no horizonte.
Admite-se que a chuva caia, ou que o vento uive na folhagem das árvores. Mas essas frases, de tão repetidas, viraram lugares comuns, que já não nos dizem nada.
Elas compõem o que se denomina “fraseologia” de um idioma. E quase ninguém escapa disso, que já nada significa.
Homero escreveu, na sua épica: “os dedos róseos da aurora”. Era poético, numa época em que os deuses e as deusas habitavam a Terra. O mundo estava cheio de ninfas.
Muitos, muitos séculos depois, aqui no Brasil, no parnasianismo, Raimundo Correa faria aquele verso: “Raia, sanguínea e fresca, a madrugada”.
E as pombas vão e vêm…
Para um verdadeiro escritor, ou poeta, escrever é de novo descobrir o mundo. Vê-lo com os olhos que nunca outro o viu.
Todavia, a maior parte deles, repete os clichês.
Por isso mesmo, Vallery dizia que não seria capaz de escrever um romance. Porque,.em alguma parte dele, teria de escrever: “Madame, comment allez vous?”
Gama, às vezes é muito bom ouvir o som do silêncio sepulcral (expressão mais batida essa!) e total, sem ouvir um barulho sequer. Isso acontece principalmente quando estou dormindo. Não é bom que o silêncio caia para mim, há momentos em que é bom ficar calado para viajar para o interior do nosso ser.
Brilhante crônica, parabéns.
Abraçaço.
Ninguém escapa de um bom clichê, como dizia Lavoisiê.
Valéry reclamava também de repetir “il fait beau, M. Vincent”?
Mestre, um dia ainda escrevo bem como o senhor…