Posts from maio, 2014

Ausências

 

       Adalberto de Oliveira Souza

 Adalberto

 

 

 

 

 

 

 

                                                        AUSÊNCIAS

 

 

                                   Meus ouvidos ainda cheios de sua voz,

                                   eu de braços e ideias cruzadas,

                                   em companhia,

                                   da desconexão timbrada

                                   no vazio do cansaço.

 

                                   Impressa a alegria cinzenta no rosto,

                                   o ritmo cambaleante das horas.

                                   a espera calada,

                                   e a pretensão de tudo dizer.

 

                                   A esperança, essa sim.

                                   colada aos anseios

                                   permanece,

                                   colando nos gestos certeza

                                   de um mundo sem tempo

                                   defronte a janela,

                                   a eterna presença dos sorrisos

                                   sem enigma.

 De noche vienes

 

 

 

Balde D’Água

 

          Annibal Augusto Gama

Annibal

 

 

 

 

 

Quando passava debaixo da janela, ela entornou sobre ele o balde d’água com que regava as plantas, no balcão. Ele olhou para cima, aborrecido. Oh, exclamou ela, me desculpe, foi sem querer. E ainda bem que não entornara sobre ele o conteúdo de um urinol, se é que ainda existem urinóis.

Por favor, entre, que eu vou enxugar a sua roupa. Ele entrou, ela ajudou-o a tirar o paletó, e tratou de ir secá-lo e passar-lhe o ferro quente. As suas calças também estavam molhadas, mas ele não iria sacar as calças. Pediu uma toalha, e enxugou-as como pode. Não conseguiu deixar de rir.

É a primeira vez em que conheço uma mulher que me entorna um balde d’água. Ela também sorriu. Nunca o vi caminhar por aqui. Explicou-lhe que viera por ali casualmente, sem dar-se conta, porque o seu caminho habitual era outro. Vestiu o paletó, e já ia embora. Aceita um cafezinho? ─ ela lhe perguntou. Aceitava, e ela lhe trouxe uma xícara de café. Mais uma vez, me desculpe. Era uma mulher de uns trinta anos, bonita, mas sem exagero. Espero que isto seja o começo de uma amizade, disse-lhe. Também espero, ela concordou.

Uns dias depois, ele passou debaixo da mesma janela. Parou e bateu na porta. Ela abriu e convidou-o a entrar. Entrou. Um cafezinho coado agora mesmo vai bem? Outra xícara de café, ele sentou-se na poltrona que ela lhe indicou, e acendeu um cigarro. Chamava-se Maria de Nazaré.

Tudo começa imprevistamente, ou é o destino, como se propala.

Maria de Nazaré contou-lhe sua vida. Morava sozinha, com a mãe, que ele ainda não vira. Providencialmente, na ocasião, a mãe estava ausente, em outra cidade, visitando parentes.

─ E o senhor, que me conta do senhor?

Não ia fazer-lhe um relatório; contou-lhe o que podia interessar, uma coisa e outra. Não me chame de senhor, que eu também não a chamarei de senhora, Maria de Nazaré.

─ Agora que nos conhecemos…

─ Por força de um balde d’água entornado…

─ Seja como for, me sinto feliz.

As mãos dela entre as mãos dele, ambos sentados um diante do outro.

Um ano depois estavam casados.

Minha leitora ocasional: quando as coisas não estão dando certo, e a vida parece um tédio prolongado, atire um balde d’água no cavalheiro que passar debaixo da sua janela.

 

regador 3

 

 “O que é o amor?” (Danilo Caymmi / Dudu Falcão), com Selma Reis

 

 

Luzes da Ribalta

 

 

Theatre stage with red curtain

 

“Life’s but a walking shadow; a poor player,

That struts and frets his hour upon the stage,

And then is heard no more: it is a tale

Told by an idiot, full of sound and fury,

Signifying nothing.”

(Willian Shakespeare, MacBeth, Ato V, Cena V)

 

 

 

                                                           A cortina se rasga

                                                           e me põe em cena

                                                           a contragosto

                                                           num palco mofino.

                                                           Enceguecido

                                                           pelas luzes da ribalta

                                                           tateante

                                                           tartamudo

                                                           guiado pelo ponto

                                                           recôndito

                                                           no proscênio

                                                           enceno

                                                           um texto obscuro

                                                           cheio de barulho e fúria

                                                           significando coisa nenhuma.

 

 

 [youtube]http://www.youtube.com/watch?v=DlxaHMFkA3s[/youtube]

“Luzes da Ribalta” (Charles Chaplin, versão João de Barro (Braguinha) / Antônio Almeida); Texto de Fernando Pessoa; “Drama” (Caetano Veloso), com Maria Bethânia

 

 

 

Gene é um gênio

 

Enviado por Selma Barcellos

(vídeo montagem de Antonio Romane, genial colaborador do Bloghetto Selma Barcellos)

 

  

Rádio Todo Sentimento une-se hoje à coirmã Verouvir e orgulhosamente apresenta, em primeira mão, a música que Gene Kelly sonhava dançar na antológica cena da chuva, mas, por algum motivo, não foi possível. :-)

Por falar em gênio, valendo prêmio, Romane!

 

 

 

 

Abel Ferreira tocando “André de Sapato Novo” , de André Victor Correia​

http://www.youtube.com/watch?v=SZAIwmYr5BQ

 

Obs.: Conta-se que André Correia estava num baile e passou maus momentos ao dançar com um sapato apertado. A dor dos calos, fato aparentemente banal, foi a inspiração para o talentoso compositor nos legar um dos mais populares choros da história da música brasileira. Poucas músicas têm o privilégio de poder ser identificadas por uma nota, como é o caso de  “André de Sapato Novo”. Bastava Pixinguinha extrair do saxofone seu Mi grave para todo mundo reconhecer o que vinha a seguir. Aquele grave representava a parada que faz a todo momento o indivíduo que calça um sapato novo, calos gritando dentro do calçado… (Selma Barcellos)

 

 

 

Cogitam escrever um livro?

 

         Selma Barcellos

Selma (perfil)

 

 

 

 

 

 

 

 

“Só há uma coisa mais rara do que uma primeira edição de certos autores: uma segunda edição.” (Franklin P. Adams)

 

“Não há assuntos chatos, apenas escritores chatos.” (H.L. Mencken)

 

“Fiz um curso de leitura dinâmica e li Guerra e Paz em vinte minutos. Tem a ver com a Rússia.” (Woody Allen)

 

“Levei quinze anos para descobrir que não sabia escrever, mas aí já não podia parar – tinha ficado famoso demais.” (Robert Benchley)

 

“Alguns livros são do tipo que, quando você os larga, não consegue pegar mais.” (Millôr Fernandes)

 

“Se um jovem escritor conseguir abster-se de escrever, não deveria hesitar em fazer isso.” (André Gide)

 

‘Só se devem ler livros escritos há mais de cem anos.” (Jorge Luis Borges)

 

“Se quiser ficar rico escrevendo, escreva o tipo de coisa que é lida por pessoas que movem os lábios ao ler.” (Don Marquis)

 

“Do momento em que o peguei, até a hora em que o larguei, seu livro me fez rolar de rir. Um dia pretendo lê-lo.” (Groucho Marx)

 

“Basta ler meia página de certos escritores para perceber que eles estão despontando para o anonimato.” (Stanislaw Ponte Preta)

 

“Quando Jean-Paul Sartre morreu, era Simone de Beauvoir quem eles deviam ter enterrado.” (Tomi Ungerer)

 

“Que homem teria sido Balzac se ele soubesse escrever!” (Gustave Flaubert)

 

livros_louco

 

 

 

Só nos resta uma canção

 

 

 

“Derradeira Primavera” (Tom Jobim / Vinicius de Moraes), com Paula Morenlebaum

http://www.youtube.com/watch?v=dUW4cLQYcDc&hd=1

 

 

 

Mélodie

 

 

 

MÉLODIE

 

 

Nicolas Sauvage

 

 

alors que le printemps

revient

comment toi

peux-tu

créer

une

nouvelle

mélodie

je t´aime et

je

t´envie

 

de revoir

pétales

pétales avant les feilles

et le vent qui

joue à les emporter les (froisser) casser

encore une fois encore

une année un

printemps

ça recommence et

pas moi

 

alors toi

avec quelques notes

notes de musique clé de

sol clé de fa

solfège on ne peut plus

barbant (partitions…)

tu inventes pour la

première fois une melodie

neuve nouvelle qui

prend

tout

l`espace

 

on dit

le cycle

le cycle des saisons

ça revient c`est

garanti

mais moi cerisier aussi

je vieillis j`embellis

je grandis j`ai comme une mélodie Danse!

 

ô immortelle

immortelle mélodie

ô immortelle

immortelle mélodie

 

 

primavera monet  “Le Printemps” – Claude Monet  (Cambridge, Mass., Fitzwilliam Museum)

 

 

MELODIA

 

 

 Tradução de Adalberto de Oliveira Souza

 

 

quando a primavera

volta

como você

pode

criar

uma

nova

melodia

eu te amo e

te quero

 

 rever

pétalas

pétalas antes das folhas

e o vento que

brinca de levá-las (ajuntá-las) quebrar

mais uma vez

um ano uma

primavera

isso recomeça e

eu não

 

então tu

com algumas notas

notas de música clave de

sol clave de fá

solfejo não se pode mais

enfadonhos (partituras…)

 inventas pela

primeira vez uma melodia

recente nova que

toma

todo

o espaço

 

dizem

o ciclo

o ciclo das estações

isso volta é

garantido

mas eu cerejeira também

 envelheço embelezo

 cresço tenho como uma melodia Dança!

 

ó imortal

imortal melodia

ó imortal

imortal melodia

 

 

 

A chave

 

             Annibal Augusto Gama

Annibal

 

 

 

 

 

 

 

Tenho uma loja que vende de tudo desde chupetas a parafusos. Há quem goste de chupeta e quem goste de chupar parafuso.

O caixeiro-viajante entrou na minha loja e, antes de me contar a última anedota, abriu sobre a minha mesa a sua mala de amostras. Era um vendedor de ferragens.

— Veja o que o senhor precisa.

Remexi nas amostras que me exibia e lhe disse:

— O que eu preciso é de uma chave para consertar a minha vida.

Então ele abriu outra maleta e exibiu-me uma chave muito estranha.

— E funciona? — eu quis saber.

— Funciona, e é cara, porque é importada. Mas o caro pode tornar-se barato.

Comprei-lhe a chave, e ele me deu algumas instruções sumárias. “O resto, ainda completou, o senhor vai encontrar no folheto, que lhe explicará tudo”.

O folheto, desdobrado, tinha mais de um metro de comprimento, e era escrito em inglês.

Levei a chave para casa, e passei muitas horas lendo o folheto, virando e revirando a chave na mão.

As primeiras experiências que fiz só serviram para me machucar as mãos, e não deram em nada.

Guardei a chave no seu estojo para me entender com outros entendidos, que talvez soubessem, como ricos e ricaços que eram, o manejo da chave, mas eles me riram na cara quando lhes pedi que me ensinassem os segredos da chave.

— Quem nasceu para tostão nunca chegará a milhão — respondiam-me.

 Foi quando Julieta me bateu na porta. Abri-a, e ela me perguntou:

— O senhor precisa de uma moça de cama, mesa, forno e fogão, que durma no emprego?

Precisava, mas antes de tudo de alguém que me ensinasse a usar chave.

Ela pegou a chave e disse-me:

— É muito simples.

Contratei Julieta, e ela, com a chave, abre latas de tomate, de sardinhas, ervilhas e leite em pó. Maneja-a perfeitamente bem.

— Ah, Julieta, não é isso que eu preciso!

— O que o senhor precisa é mudar de vida.

Vendi a minha loja e, estendido na rede, já não faço nada. Para quê? Julieta faz tudo.

 

chave

 

 

 

 

S.O.S.

 

 

S.O.S.

Ilustração: Annibal Augusto Gama

 

 

                                                                       S.O.S.

 

 

                                                           Aquele que escreve

                                                           é o náufrago solitário

                                                           de uma ilha inventada

                                                           a lançar nas águas

                                                           mensagens cifradas

                                                           em peregrinas garrafas.

 

                                                           Sentado na areia

                                                           à sombra da mítica palmeira

                                                           vai grafando signos no papel

                                                           com a tinta indelével

                                                           de insolúveis angústias.

 

                                                           Muito além do tênue traço

                                                           que separa o mar e o céu

                                                           quem haverá um dia

                                                           de recolher na praia

                                                           a errante algaravia?