Annibal Augusto Gama
Se você ainda não chutou tampinhas nas ruas, latinhas de refrigerante, etc., é decerto um homem infeliz ou mal humorado. Não conhece o prazer de chutar as tampinhas e latinhas, principalmente de madrugada e assobiando um samba ou uma marchinha do Carnaval. E como eu quero que todas as pessoas sejam felizes, vou ensinar-lhe a arte de chutar tampinhas.
Venha pela rua, descuidadamente, mas atento às portas dos botecos e às sarjetas. Ali está uma tampinha. Eu prefiro as tampinhas de Coca-Cola e também as latinhas da mesma bebida, mas não rejeito as demais.
Primeiro, você nunca deve agachar-se para pegar a tampinha ou a latinha, e colocá-las de jeito para que possam ser chutadas. Quem faz isso é um ignorante da arte. Você deve aproximar-se da tampinha, ou da latinha, juntá-la com as bordas dos sapatos, e dar um pulo, levando-as presas, de modo que elas sejam largadas na calçada, no ponto certo para ser chutadas. Então, recue um pouco, arme o chute com a ponta do sapato e aplique-o vigorosamente no alvo. O certo é que a tampinha chutada voe em linha reta para a frente, caindo e rolando a uns vinte metros de onde você está. Se a tampinha ou a latinha fizer uma curva e for cair de novo na rua, é porque você errou o chute, e ainda não está devidamente preparado por esta arte tão sutil. Com o tempo, e adestramento, porém, você chegará a ser um craque, e a tampinha cairá sempre lá na frente, no meio da calçada. Assim acontecendo, tome fôlego, venha correndo e chute de novo a tampinha. E continue, ainda que ultrapasse a rua da sua casa.
Você também, quando devidamente habilitado, pode fazer umas firulas. Levantar a tampinha ou a latinha com o bico do pé, apará-las com a cabeça e, quando elas vierem caindo, chutá-las, antes que cheguem ao chão. E se tiver um amigo que o acompanhe pelas ruas, durante a madrugada, disputar com ele o melhor chute, ou uns dribles.
Chutar tampinhas ou latinhas é muito melhor do que ser jogador profissional de futebol. Você não precisa de clube, estádio ou campo, empresário, torcida, campeonato, e todas essas bobagens que estão acabando com o verdadeiro ludopédio.
Vá chutando pelas ruas, dando passes de calcanhar, mas evite o tranco com o amigo que o acompanha. Apare a tampinha com o peito. Chute sempre para frente, em linha reta. Não é permitido passe para trás. Corra, pare, chute. Também é um prazer ouvir o ruído da tampinha, ou da latinha, quando elas rolam pela calçada. Chute também a tampinha contra a parede para, quando ela voltar, você atingi-la com um chute de voleio. Jamais use as mãos. Levante a tampinha com os pés, para que o seu amigo chute.
Depois de uns oito quarteirões, você está suado e feliz. Encoste então a tampinha, ou a latinha, na parede, porque elas podem ainda servir na noite seguinte.
Só então você deve recolher-se à sua casa e beber um copo d’água. Cumpriu a sua missão.
E vá chutando, porque a vida é um chute, e só são vitoriosos os que chutam bem.
“Camisa Molhada” (Carlinhos Vergueiro / Toquinho), com Carlinhos
Gama, realmente como é feliz quem tem a arte de chutar tampinhas, uma arte que é uma diversão pura de aproveitar a vida. Quem não o faz não sabe o que está perdendo. Colecioná-las então é melhor ainda.
Música e texto impecáveis.
Abraçaço.
Tudo que o mestre mandar… faremos todos.
Começo amanhã à Paris. 🙂