Adalberto abre a gaveta

 

 

Adalberto (matéria jornal) 

 

Adalberto abre a gaveta

 

ALEXANDRE GAIOTO

 

Adalberto de Oliveira é um poeta sem pressa. Só agora, com o lançamento da obra “Corrosão” (Maçã de Vidro Edições), ele encerra a trilogia poética iniciada com as publicações independentes  de “Camuflagem” (1975) e “Captura” (1979). O livro recém-lançado reúne 72 poemas, que vêm sendo escritos desde 1999. Há, na obra, versos inéditos e outros que já haviam sido disponibilizados no blog Estrela Binária (www.estrelabinaria.com), administrado desde o ano passado pelo autor. “Demorei muito tempo para publicar o final da trilogia porque a rotina acadêmica prejudicava minha produção literária”, comenta Adalberto, que começou a ministrar aulas no departamento de Letras da UEM em 1988 e se aposentou no ano passado. Atualmente, a participação acadêmica de Adalberto é esporádica, fazendo parte de alguma  banca examinadora de dissertações e em outros momentos realmente  especiais. “Publiquei muitos artigos científicos na minha vida, mas é um tipo de produção que ninguém lê. A poesia ainda tem um pequeno público que não é tão grande quanto o dos romances, mas é um público, ele  existe”, diz. 

Cânone

Leitor de Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira, Adalberto diz que suas influências  ainda se estendem a Baudelaire e Rimbaud. “Li todo o cânone brasileiro e o francês. São minhas influências básicas”, diz. Com a aposentadoria no ano  passado, Adalberto deu vida ao blog Estrela Binária. E vem se mantendo fiel à proposta inicial:  publicar um poema inédito a cada terça-feira. “Isso foi muito bom para  a minha produção, porque eu me obriguei a escrever e, assim, fui acumulando uma série de poemas. Às vezes, escrevo cinco poemas num só dia. Há outros momentos em  que passo um mês sem escrever um único verso”, comenta.  Com a trilogia encerrada, Adalberto agora está de olho no próximo passo literário. “Tenho uns  80 poemas inéditos. Talvez, eu  publique esse material num volume só, reunindo minhas obras completas, retomando alguns  poemas que foram publicados em revistas francesas e no meu outro livro, ‘Enigmas e Sensações’”, adianta. Com Adalberto solto à literatura, o universo acadêmico, infelizmente, perde um grande  professor. Os leitores em geral  ganharam, por outro lado, um  grande poeta.

 

Reconstruindo a desordem

 

LUZIA TOFALINI

professora de Letras da UEM

 

“Corrosão” sonda os meandros das esquinas da vida, trazendo à tona enigmas impenetráveis. Ao revelar a profundidade do ser humano, a obra constitui-se como um signo do mundo. As poesias aí contidas, frutos da cosmovisão e da atitude reflexiva do artista, vêm deleitar o leitor, preenchendo o espaço da necessidade de belo e de grandioso aspirado pelo espírito humano. Reflexão e filosofia são evidentes no livro. Basta atentar para a frase escrita pelo autor na contracapa: “A vida é um desejo fragmentado pela morte”. Os temas englobam desde o cotidiano até o universal. A dor existencial, metafísica, fazse presente em poemas como “Capitulações e queda”, “Vem, chega aqui, há sangue no chão” ou “Labirinto sortilégio”. A movimentação temporal também é representada, seja quando o passado é rememorado, como no poema “Ócio obrigatório” ou “Num átimo”, seja quando é constatada a irreversibilidade do tempo, como em “Impossibilidade”, “Metamorfose” e “Na sucessão dos dias, dos amores”; ou, ainda, quando aponta para o futuro, como em “Futuríveis” e “Quando menos esperarmos explodirá uma bomba”. Adalberto de Oliveira Souza, apaixonado por poesia e pela versatilidade que ela tem de sugerir sentidos, sabe que a linguagem comum é incapaz de traduzir todo o contingente das verdades mais profundas que habita a interioridade humana. Eis o motivo pelo qual se fez transfigurador da beleza e tradutor de realidades subjetivas, falando, como diria Araújo Jorge, o esperanto das imagens e dos símbolos. Desencantado e deslumbrado, ao mesmo tempo, diante da magnitude daquilo que vê, o poeta de “Corrosão” põe-se a falar, justamente porque acredita que a poesia tem uma força capaz de reconstruir a desordem. Por isso, muitos poemas partem do cotidiano e, transcendendo o tempo e o espaço, apontam para o perene e o absoluto. Para o artista Adalberto de Oliveira Souza, o poeta não precisa se apoderar de arsenais bélicos para transformar o mundo, mas mergulhar no abismo do seu próprio “eu”, colher ideias, emoções, sensações, transfigurá-las em símbolos, em imagens, e fazer de sua poesia um instrumento com dupla função: propiciar o conhecimento profundo da natureza humana e do mundo circundante; e, de posse desse conhecimento, intervir sobre a realidade. 

 

 O DIÁRIO DO NORTE DO PARANÁ
Sábado, 14 de junho de 2014

 

 

“CORROSÃO” está à venda na  Livraria Cultura

 

 

 

3 comentários

  1. André
    11/07/14 at 14:44

    O texto é uma pérola. E o livro Corrosão é mais pérola ainda. Toda terça-feira é abrilhantada em minha vida com as obras-primas do Adalberto.

  2. Lúcia Helena Vieira Dibo
    11/07/14 at 20:41

    Adalberto, poeta querido!
    “A vida é um desejo fragmentado pela morte”.
    A posse dessa enorme verdade me basta. Obrigada por existir e poetar.

  3. Inconnu
    12/07/14 at 11:38

    Adalberto é um nome que surge na nova poesia basileira. EM breve estará em todos os cantos do país, porque só SP e RJ dão mesmo visibilidade a nossas obras.

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