Ao apagar das luzes, quando o pano cai ou se cerra a cortina, a plateia vai saindo e ignora o que se passa atrás dos bastidores. Ou apenas imagina.
Os atores e as atrizes, nos bastidores e nos camarins, estão desfazendo a maquiagem, lavando a cara e despindo-se da indumentária para vestir a própria roupa.
Há sinais de cansaço geral. A peça chegou à décima quarta ou vigésima representação, e a frequência não foi tão boa como se esperava. Nas últimas noites, o teatro estava até quase vazio. E só um ou outro admirador incondicional levou rosas para a atriz principal.
Também, o canastrão, que é ou era o figurante maior, entremeou a sua fala de frases que não existiam no texto, e provocou gargalhadas, quando o caso era antes de choro. Um cretino, que quase todos reprovavam. Um palhaço, e mau palhaço.
O diretor pensa: com este sujeito, nunca mais. Mas sabe que o desgraçado é que atrai o público. Tem-no atravessado na garganta, e a vontade é lhe dar uns pontapés. O autor, que não foi chamado ao palco no último espetáculo, reflete que não adianta: o público é vulgar e gosta é de chanchadas e de rebolados.
Todos estão cansados e irritados. Que profissão mais infeliz! O comediante acha que se saiu bem, é ainda moço e tem futuro, ao contrário da atriz principal, que está decadente e amargurada, porque o seu amante a abandonou.
Alguns críticos é que meteram o pau em todo o mundo: no autor, no diretor, no elenco, no cenarista, no iluminador. Chegaram a dizer que havia pulgas no teatro.
Os cartazes estão sendo retirados. O porteiro boceja. Alguém pensa: aquilo afinal foi uma comédia, um drama ou uma tragédia? Talvez uma ópera-bufa.
A noite é fria, e começa a chover. Os carros já rareiam nas ruas. Um mendigo cata restos de comida numa lata de lixo. Está acompanhado por um cão amigo, que olha para ele, com ternura.
Afinal, todos saem. Alguns vão embriagar-se, para esquecer. Outros fazem planos para o futuro: “Vou arranjar um emprego público”. “Vou afastar-me para uma sitioca e criar galinhas”.
É uma peça de teatro, é uma disputa política em que a eleição foi fraudada, é a vida?
De repente, o estampido de um tiro. Quem matou, quem morreu, quem se suicidou?
Deixem pra lá! É um caso para a polícia, a polícia que resolva. Mas a polícia também não resolve. Vai permanecer a dúvida, para sempre.
É preciso reconstruir o Brasil, ou melhor, construí-lo, porque ele ainda não foi construído. Pontes, estradas de ferro, os portos reformados e ampliados, os aeroportos funcionando, o saneamento básico, a saúde, a segurança, e fora todos os privilégios!
O reconhecimento das pessoas honestas, que são a maioria, mas silenciosa, dos bons técnicos e não dos parlapatões, cada um em seu lugar, sem rivalidades, sem despeitos e sem-vergonhice.
Os Maranhões higienizados, a justiça sendo feita para cada um e sem demora, a educação com professores ensinando e não fazendo greves, os bancos e os banqueiros postos no seu devido lugar, as fábricas produzindo e exportando, os lavradores plantando, as medidas provisórias relegadas, os falsos projetos para enganar os trouxas expurgados, o Congresso sem o rebotalho que aí está, cada homem e cada mulher retornando para casa, à tarde, com a consciência limpa.
Annibal Augusto Gama
“Luzes da Ribalta (Limelight)” (Charles Chaplin / Versão: Braguinha (João de Barro), com Maria Bethânia
http://www.youtube.com/watch?v=jbeIE5z9A9g
De todos os geniais textos que mestre Annibal escreve – e que sempre abrilhantam as minhas segundas-feiras -, este é mais um.