Posts from outubro, 2014

Borboletas

 

 Annibal Augusto Gama

 Annibal e Pichorro 3

 

 

 

 

 

 

 

Ultimamente, tenho visto muitas borboletas. Brancas, amarelas, pintalgadas, grandes e pequenas.

São elas os bichinhos mais encantadores de nosso planeta, e só se lhes equiparam os peixinhos ornamentais, que seriam borboletas que não voam. Tanto elas como eles são silenciosos, não emitem nenhum som. A elas aplica-se bem o verbo “adejar”. Borboletear é próprio delas. Adejam ou borboleteiam daqui para ali, sobre as flores.

Algumas, às vezes, entram na minha casa, mas aconselho-as a ir logo embora, porque a minha casa é a de um homem solitário e triste. As borboletas noturnas, chamadas indevidamente de “bruxas”, pousam de asas abertas, enquanto as diurnas pousam de asas fechadas, O seu ciclo vital, passando pela metamorfose completa, desde a lagarta no seu casulo, até a imago, é impressionante.

Para os italianos, borboleta é “farfalla”, palavra ainda mais adequada para ela, pois tem alguma coisa daquele seu bater de asas tão gracioso. Mas o nosso verbo “borboletear” também se lhes aplica bem.

Para Renard, em sua “Histoire Naturelle”, a borboleta é “um billet d´amour plié en deux”, isto é, um bilhete de amor dobrado em dois.

Há moças e mulheres, e principalmente meninas, que parecem borboletas. Também elas piscam os olhos rápida e silenciosamente. Só que algumas, quando pousam, nos picam. E quão dolorosamente a sua picada nos faz sofrer pelo resto da vida!

As borboletas são motivos perfeitos para os selos coloridos. Muito mais do que a carantonha de qualquer herói da pátria. Os selos que as reproduzem, nos envelopes das cartas, trazem recados que podem ser recados de amor. Aliás, todas as cartas só deviam trazer recados de amor. As outras são dispensáveis.

Os entomologistas, que colecionam milhares e milhares de borboletas, de asas abertas, espetadas em pranchas, são ao mesmo tempo homens sábios e tolos. Porque não se coleciona o frêmito, o perpassar das borboletas, contra o verde do jardim e as rosas vermelhas.

Para alguns, a borboleta representa a alma. A alma que esteve no casulo do corpo, e afinal dele se libertou.

Vai, borboleta, vai, que a vida é breve, e é preciso beijar todas as bocas, quero dizer, todas as flores.

 

borboletas

 

 

 

A lua e o idoso

 

 

Manu (Bom-Dia, Domingo)

Foto de Bell Gama

 

 

Ontem, por mera coincidência, toca-me pegar Manuela na escola, sem atinar que era “Dia do Idoso”, mesmo porque isso nada tem a ver comigo.

Quando me aproximo da sala do “Grupo 3”, ela vem ao meu encontro, saltitante e festiva, proclamando aos quatro ventos:

— Babu é idoso, Babu é idoso, Babu é idoso…

E assim continua, saracoteando à minha frente, pelos corredores e pelo pátio até o portão de saída, ao embalo dos risos das professoras, da diretora, dos funcionários da escola, de mães e pais de outros alunos, do porteiro, do pipoqueiro, do sorveteiro e de quem mais por lá estava.

Já na rua, enquanto caminhamos até meu carro, depois de alguns protestos débeis e infrutíferos (“Não sou idoso, sou um menino antigo”; “Idoso é a vó!”), endureço o jogo:

— Se eu sou idoso então vou morrer logo.

— Não Babu, você vai viver mil anos! Vai buscar minha filha na escola, comprar pipoca e sorvete para ela.

— Vou sim.

— E sabe o que minha filha vai dizer pra você?

— O quê?

— Babu é idoso, Babu é idoso, Babu é idoso…

Mais tarde, a mãe passa em casa para pegá-la e, como de hábito, levo-a no colo para o carro, trocando abraços e beijinhos.

Ao descermos as escadas da varanda, ela vê a lua crescente que desponta entrecoberta pelas nuvens:

— Olha, Babu, a lua está acendendo!

Mas é nos meus braços que a lua loura cresce e acende a vida.

 

 

 

Desvios de rota

 

Vogue-Kids2

 

 

 

A edição de setembro da “Vogue Kids” brasileira causou polêmica ao publicar no ensaio “sombra e água fresca” fotos sensuais de meninas com a blusa levantada, calcinha aparecendo e fazendo poses sensuais.

O caso foi parar na Justiça, que suspendeu a distribuição da revista e determinou a retirada de circulação dos exemplares já distribuídos.

Em tempos desgraçadamente pedófilos, fotos assim me causam, no mínimo, desconforto.

A “Vogue” é uma revista internacional de respeito e tida como refinada, mas não é a primeira vez que assim procede. Na segunda foto acima, capa da “Vogue” francesa de agosto de 2011, caras e bocas de uma garota de 10 anos. Na outra, lançamento de lingerie para meninas de 4 a 12, com a criançada exposta em superprodução de culto ao corpo como objeto de sensualidade. Exagero meu?

Claro que um dia desfilamos pela casa com a boca borrada de batom vermelho, colares, brincos e óculos imensos, tentando equilíbrio nos saltos altos da mãe. Mas nossa sexualidade ia sendo naturalmente descoberta, em flashes  indefiníveis, fosse no encontro do pique-esconde, no salada mista, nos desvãos do quintal… Sem pressa, sem queimar etapas.

Em excelente artigo, Francisco Bosco já abordou esse “esvaziamento da infância, em tempos de acesso irrestrito, via internet, a códigos comportamentais, sexuais e emocionais do mundo adulto.” Compartilhava, inclusive, da sugestão do não menos brilhante Wisnik, mentor do híbrido “adultolescência”: uma vez que “ser adulto tornou-se um ato heroico e ser criança, quase impossível”, tornemo-nos maduros e poéticos, como quem “conclui os processos da maturidade sem deixar de arder.”

A verdade? Temo pelo amadurecimento de crianças como as das fotos. Por sua poesia, então…

 

          Selma Barcellos

Selma (perfil)

 

 

 

 

 

 

 

 

“As minhas meninas” (Chico Buarque)

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