Posts by Antonio Carlos A. Gama

Tempo

 

      Adalberto de Oliveira Souza

Adalberto 2 (2)

 

 

 

 

 

 

 

                                                           TEMPO

 

                                               A paisagem mostra

                                               e confronta o mundo

                                               e a gente.

                                               A estabilidade e o delírio

                                               Aparente e permanente.

 

                                               Mudanças não se evidenciam

                                               e tudo parece resplandecente

                                               numa manhã de sol escaldante.

 

                                               O recomeçar é bem mais

                                               que uma ordem

                                               é fatalidade

                                               irreversível e rarefeita.

                                               Alguma coisa se fará

                                               ainda que seja

                                               nada a fazer.

                                               Apesar de mim ou de nós

                                               mesmos

                                               Algo ocorre.

 

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Tenho passado tão mal…

 

 

 

“O orvalho vem caindo” (Noel Rosa / Kid Pepe), com Carlos Lyra e Verônica Sabino

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=SB8WGC_2qno[/youtube]

 

 

 

O assobio

 

           Annibal Augusto Gama

Annibal

 

 

 

 

 

 

Depois de examiná-lo escrupulosamente, botando a sua orelha cabeluda em seu peito, o médico lhe disse: “ O senhor tem um sopro no coração”. E ele perguntou: “Dá para assobiar um samba de Noel Rosa?” De fato assobiou:

 

                              “Tenho passado tão mal…

                              A minha cama

                              É uma folha de jornal…”

 

Já não ouço, nem vejo, pelas ruas, as pessoas passarem assobiando. Antes, a cidade era cheia de assobios. E havia aqueles que eram mestres no assobio, como o meu cunhado, que assobiava canções como se tivesse um instrumento na boca. Também se assobiava para as moças que vinham e iam. Elas não, mulheres não assobiam, achavam que era falta de educação.

E lembro-me de Camões, ao final da sua epopeia:

 

                              “No mais, Musa, no mais, que a lira tenho

                              Destemperada, e a voz enrouquecida;

                              E não do canto, mas de ver que venho

                              Cantar a gente surda e endurecida”.

 

Desde cedo, os meninos começavam a aprender a assobiar. Havia também, entre eles, aquele assobio estridente e longo, para o qual era necessário botar os dois polegares dentro da boca. Assobiava-se até para chamar o vento. E os cães atendiam imediatamente ao assobio do dono, chamando-os.

Tarde da noite, ouvia-se alguém passar pela rua, assobiando uma canção.

De um quintal para outro (ainda havia quintais) os meninos assobiavam um para o outro, mandando-lhes recados, em seu código próprio.

Do assobio, muitos passavam a usar um instrumento musical, como a flauta, ou a gaita.

Agora, aqui na minha casa, quem assobia de manhã e de tarde, é o meu papagaio Horácio, o Hino Nacional. É um patriota verde.

Também eu, indo pelas ruas a levar o meu cachorrinho Pichorro, assobio para ele. E, se não o vejo, aqui em cima, assobio, chamando-o, e ele rapidamente sobe a escada e chega aos meus pés.

E havia ainda os pios para chamar pássaros. A família de Rubem Braga era especialista na fabricação de pios. E ele mesmo conta que um dia, em Cachoeiro de Itapemirim, pegou um pio para chamar macuco e foi para o mato, com uma espingarda. Piou, piou, até que veio vindo, lentamente um macuco. Ele engatilhou a espingarda, mas o macuco lhe disse: “Não atire não, moço… Eu só vim ver quem piava tão mal para chamar macuco”.

Assobiai, moços e cavalheiros! O assobio é um recado para a vossa própria melancolia.

 

assobiando 2

 

 

 

 

Fadinha minha

 

fada-sininho 

 

 

Na hora do almoço, Manu chega para filar a boia, antes de ir para a escola.

Encalorada, irrompe pela saleta da TV, onde estou com o ar condicionado à toda.

Pula no meu colo:

─ Babu, quero ver Peter Pan!

Anda apaixonada pelo tal do Peter e assiste repetidamente aos filmes e desenhos dele. Sua festa de aniversário de 4 anos vai ser na Terra do Nunca.

Súbito, enquanto revemos o filme, puxa meu rosto e me dá uma lambida numa bochecha, na outra, no queixo e na testa.

Sinto-me um picolé de groselha, docemente saboreado, e derretendo…

Sem precisar de asas ou pó de pirlimpimpim, o vô avoa pela Terra do Sempre.

 

 

 “Fico assim sem você” ( Abdullah / Cacá Moraes ), com Adriana Partimpim

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=iojYDSjKK00[/youtube]

 

 

 

Antes tarde

 

crepúsculo 

 

                                                           Da fila nunca fui o primeiro

                                                           tantas vezes o último

                                                           mais me aprazia o meio.

 

                                                           A lição nunca soube por inteiro

                                                           e o que aprendia num dia

                                                           no outro pouco valia.

 

                                                           A fila andou e à margem do caminho

                                                           tardo a ver a tarde que arde.

                                                           Os primeiros já vivem a manhã que não veio.

 

 

“Estrela da Tarde” ( José Carlos Ary dos Santos / Fernando Tordo), com António Zambujo e Yamandu Costa

[youtube] http://www.youtube.com/watch?v=qL8PaoMtYBk#t=45&hd=1[/youtube]

 

 

 

Que maravilha viver…

 

 

“Se todos fossem iguais a você” (Vinicius de Moraes / Tom Jobim), com Gal Costa

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=RbNDo5PGRbo[/youtube]

 

 

 

Paisagem afetiva

 

         Selma Barcellos

Selma no Jardim de Luxemburgo

 

 

 

 

 

 

 

 

Rubem Braga, considerado por tantos o maior cronista brasileiro depois de Machado de Assis, urbano e cosmopolita por excelência, gostava de escrever suas crônicas vendo e sentindo a paisagem da infância, a bela Cachoeiro de Itapemirim. Para isso, cultivava um jardim suspenso em sua cobertura, na Barão da Torre, Ipanema, onde, em meio a árvores frutíferas e passarinhos, curtia a vida e, entre um uisquinho e outro, reunia a fina flor literária do Rio de então – os amigos Otto Lara Rezende, Fernando Sabino, Vinicius de Moraes, para citar alguns.

Assim foi que, dia desses, sentindo falta da Niterói que já não há, tal qual Rubem, tentei compor a minha paisagem afetiva, aquela que me levaria de volta ao aconchego, na mala bastante saudade – o casarão da minha infância e juventude, construído por meus pais para viverem belíssima união.

Eis, então, queridos, a cidade cenográfica que gostaria de avistar diretamente da janela da redação do blog, aqui em Itacoá. Aos saudosistas, a recordação. Aos jovens, um exercício de imaginação:

A minha antiga rua com aquele cineminha que rolava ao ar livre quando a noite caía. As luzes dos postes cobertas por um capuz preto e eu, criança, sentada no chão para assistir às mais incríveis comédias e filmes de mocinho, olhos assombrados pela emoção e pelo medo do breu que me cercava…

O quintal, o do casarão mesmo, com sua imensa amendoeira em cujo andar mais alto havia uma casa de madeira, esconderijo perfeito. Aquele gramado onde eu tocava o terror no jogo de bola de gude dos meninos até ser expulsa da área. Aquele espaço mágico onde, de bailarina e tudo, entrava nas batalhas campais de mamona no estilingue contra os “inimigos” da vizinhança…

A praia com seu trampolim (só para admirar os marrentinhos aqualoucos), as palmeiras e os tatuís na areia, as carrocinhas amarelas da Kibon vendendo Jajá de coco pela orla…

A escola, a minha primeira, abraçada ao porta-caderno, me ‘achando’, indo e vindo no pequeno lotação com as amigas de trocar segredos, zoando, na boa, as meninas da escola vizinha que entravam depois de nós na condução…

Pelas ondas do ar, viria o som da rádio de maior audiência apresentando as 10 melhores músicas do dia, uma de cada cor, e eu só soltando a voz (desafinada desde sempre) com Sergio Endrigo, Charles Aznavour, Beatles, Roberto. Volare, volare…

O campo, aquele de santo nome, ora verdinho, ora florido, pois que assim foram os primeiros beijos que lá provei, pecado algum…

Os clubes, os das domingueiras e bailes de formatura, com os gatos de smoking tirando a gente para dançar, ao som de Moonlight Serenade

A luz seria a daquele quarteirão feericamente iluminado para as festas juninas da maior escola da cidade. Cheirinho de milho, churrasco no palito, maçã do amor e barraca de mensagens, onde já se agendavam futuros casamentos…

A baía, menos poluída, cortada somente pelas imensas barcaças que me levavam cedinho para a PUC, brisa da manhã no rosto, divertindo-me com o pessoal que cochilava batendo cabeça, sendo acordado no susto por algum engraçadinho, ao final da travessia…

E haveria carnaval… Ah, o carnaval da rua ao lado, lindamente decorada, com a gente ouvindo “me dá um dinheiro aí” sem ser assalto. A galera com a mesma fantasia, formando um bloco feliz, recolhendo confetes pelo chão e tornando a jogá-los para o alto, serpenteando por entre mascarados misteriosos e gentis…

Mas chega de saudade. A realidade é que, apesar do breu das ruas que insiste em nos rodear, ma-ra-vi-lha viver!

 

P.S.: Um dia, na praia de Icaraí, um maluquinho pulou do trampolim aí da foto e caiu bem no meio de um barquinho a remo que passava. Pastelão, senhores!

 

TRAMPOLIM-2

 

 

 

NO

 

              Alfredo Fressia (aqui)

Alfredo Fressia

 

 

 

 

 

 

                                                           NO

 

                                                                                               Alfredo Fressia

 

(…)

Reverrai-je le clos de ma pauvre maison

Qui m’est une province, et beaucoup davantage?

Joachim du Bellay

 

 

                                    Ni cuando se olviden todos mis poemas

                                    esqueletos del alzheimer,

                                    secos como los tamarindos de la playa, el año

                                    que los encontramos hechos pasto de termitas,

                                    y porque el tiempo hace girar lenta la cuchara

                                    en el plato de sopa de los viejos,

                                    y son 26 letras impasibles de alfabeto.

                                    Y cuando acabe de morir el mártir que me habita

                                    atravesado por el venablo cierto

                                    del que cambió los años por monedas

                                    y registra los segundos que me restan

                                    y aunque el ángel pertinaz de mi pobreza

                                    vuelva otra vez como los mitos

                                    o el perdón y la sangre

                                   por la mano extendida con que espero.

                                   Ni aun así.

 

 

No

 

 

                                               NÃO

 

                                                                                  Tradução de Adalberto de Oliveira Souza

 

 

                        Nem quando  forem esquecidos todos meus poemas

                        esqueletos do alzheimer,

                        secos  como os tamarindos da praia, o ano

                        que os encontramos  feitos pasto de cupins,

                        e porque o tempo faz girar lenta a colher

                        no prato de sopa dos velhos,

                        e são 26 letras impassíveis do alfabeto.

                        E quando acabe de morrer o mártir que me habita

                        atravessado pelo dado certeiro

                        daquele que trocou os anos por moedas

                        e registra os segundos que me restam

                        e ainda que o anjo obstinado de minha pobreza

                        volte outra vez como os mitos

                        ou o perdão e o sangue

                        pela mão extendida com a qual espero.

                        Nem mesmo assim.