Posts by Antonio Carlos A. Gama

Da arte de dar com uma mão e tirar com a outra

 

        Annibal Augusto Gama

Annibal

 

 

 

 

 

 

Esta arte não é equivalente à “Lei de Gérson”, que gostava de tirar vantagem em tudo. Felizmente, porém, Gérson só tirava vantagem das equipes estrangeiras de futebol que jogavam contra o Brasil.

A arte de dar com uma mão e tirar com a outra, não é dar mamão com uma mão e tirar mamão com a outra mão. Mas algumas vezes pode ser que sim. Você dá um mamão com uma mão e tira um mamão com a outra. Nestes casos, convém tirar o mamão maior. Próxima desta arte é a outra de uma mão lava a outra, e as duas lavam a cara.

Dar com uma mão e tirar com a outra é o que fazem quase sempre todas as pessoas, mas algumas fazem mais do que as outras, e poucas não dão nem com uma mão nem com as duas, mas tiram com ambas, e tirariam com uma terceira, se tivessem uma terceira mão. É uma espécie de troca. Para dar com uma mão e tirar com a outra, você precisa ser lento com uma mão e rápido com a outra. Só assim o sujeito que recebe de uma mão não percebe que se está lhe tirando com a outra. Quando ele se dá conta disso, você já deve estar longe, abanando-lhe a mão.

Se você for canhoto, convém dar com a mão direita e tirar com a esquerda, porque evidentemente a mão esquerda é mais esperta e ligeira do que a direita. E vice-versa, se você for destro. Se então for ambidestro, pode deitar e rolar.

Também é costume dar com os pés, e tirar com as mãos ambas. De qualquer maneira, não dê o braço a torcer, nem a mão à palmatória.

Há comerciantes que são muito hábeis em dar com uma mão e tirar com as duas. Para isso, eles falam em custo e benefício, e esses trecos de engabelar os trouxas. Quando vão vender uma mercadoria nunca dizem que a tal mercadoria custa quinhentos reais, mas sim quatrocentos e noventa e nove reais. Se for à prestação, eles espicham a prestação em sessenta vezes, e você paga cinco ou dez vezes mais o valor da coisa, que em geral não tem valor nenhum. Porque os juros estão embutidos. Os banqueiros então não dão nem com uma mão nem com a outra. Ao contrário, tiram com as quatro, porque os banqueiros têm quatro mãos, são quadrúmanos.

Quando se usava balança, a arte era botar os dedos, ou a mão, disfarçadamente, num dos pratos da balança, para o freguês ver que a mercadoria pesava mais do que os pesos no outro prato. Eram as balanças “Fiel”, fiel para o negociante. Por isso também se fala em “dois pesos e duas medidas”. A Justiça também pesa na balança, mas pesa menos para os ricos do que para os pobres. E se os pobres reclamam, ela está com a espada na mão para cortar qualquer reclamação.

Os manetas têm muita dificuldade em dar com uma mão e tirar com a outra. Mas podem valer-se das mãos ou dos braços ortopédicos. Ou de um gancho, como o Capitão Gancho.

Dando com uma mão e tirando com a outra, pelo menos você empata. Porém, se for hábil em dar com uma mão e tirar com a outra, usando de todos os recursos desta arte que lhe estou ensinando, ganha sempre. Empatar não é bom negócio.

Não ande com uma mão atrás e outra adiante. Ande com as mãos à frente para poder dar com uma e tirar com a outra, ou com ambas. Andar então com as duas mãos para trás é péssimo. Você fica indefeso, e tudo lhe é tirado.

É dando que se recebe, dizem alguns. Recebe o quê, depois de dar? Geralmente, você recebe um coice. Daí porque os motoristas costumam dizer: “Ou dá ou desce”.

Você pode dar uma volta, que é de graça. Mas se você der uma volta e voltar fica no mesmo lugar, e não vai em frente. Trate de dar com uma mão e tirar com a outra. E não tire a mão daí. Elas gritam, as mulheres nas quais você bota uma mão, ou as duas, mas acabam deixando.

E já que lhe ensinei essas regras de dar com uma mão e tirar com a outra, vou comer o meu mamão. Coma você também o mamão que tirou com uma mão para dar em troca um limão azedo.

 

dar com uma mão

 

 

Las tardecitas de Buenos Aires…

 

 

 

“Balada para un loco” (Astor Piazzolla / Horacio Ferrer), com Roberto Goyeneche

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Letra de “Balada para un Loco”

 

(Recitativo) 

Las tardecitas de Buenos Aires tienen ese qué sé yo, ¿viste? Salís de tu casa, por Arenales. Lo de siempre: en la calle y en vos. . .

Cuando, de repente, de atrás de un árbol, me aparezco yo. Mezcla rara de penúltimo linyera y de primer polizonte en el viaje a Venus: medio melón en la cabeza, las rayas de la camisa pintadas en la piel, dos medias suelas clavadas en los pies, y una banderita de taxi libre levantada en cada mano.

¡Te reís!… Pero sólo vos me ves: porque los maniquíes me guiñan; los semáforos me dan tres luces celestes, y las naranjas del frutero de la esquina me tiran azahares.

¡Vení!, que así, medio bailando y medio volando, me saco el melón para saludarte, te regalo una banderita, y te digo… 

(Cantado)

Ya sé que estoy piantao, piantao, piantao… No ves que va la luna rodando por Callao; que un corso de astronautas y niños, con un vals, me baila alrededor… ¡Bailá! ¡Vení! ¡Volá!

Ya sé que estoy piantao, piantao, piantao…Yo miro a Buenos Aires del nido de un gorrión; y a vos te vi tan triste… ¡Vení! ¡Volá! ¡Sentí!…el loco berretín que tengo para vos:

¡Loco! ¡Loco! ¡Loco! Cuando anochezca en tu porteña soledad, por la ribera de tu sábana vendré con un poema y un trombón a desvelarte el corazón.

¡Loco! ¡Loco! ¡Loco! Como un acróbata demente saltaré, sobre el abismo de tu escote hasta sentir que enloquecí tu corazón de libertad…

¡Ya vas a ver!

(Recitativo) 

Salgamos a volar, querida mía; subite a mi ilusión super-sport, y vamos a correr por las cornisas ¡con una golondrina en el motor!

De Vieytes nos aplauden: “¡Viva! ¡Viva!”, los locos que inventaron el Amor; y un ángel y un soldado y una niña nos dan un valsecito bailador.

Nos sale a saludar la gente linda…

Y loco, pero tuyo, ¡qué sé yo!: provoco campanarios con la risa, y al fin, te miro, y canto a media voz:

(Cantado)

Quereme así, piantao, piantao, piantao…

Trepate a esta ternura de locos que hay en mí, ponete esta peluca de alondras, ¡y volá!

¡Volá conmigo ya! ¡Vení, volá, vení!

Quereme así, piantao, piantao, piantao…

Abrite los amores que vamos a intentar la mágica locura total de revivir…

¡Vení, volá, vení! ¡Trai-lai-la-larará!

(Gritado)

¡Viva! ¡Viva! ¡Viva!

Loca ella y loco yo…

¡Locos! ¡Locos! ¡Locos!

¡Loca ella y loco yo

 

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Limites

 

 

                                               LIMITES

 

                                                                                                                   Jorge Luis Borges

Tradução de Millôr Fernandes

 

 

                                   De todas as ruas que escurecem ao pôr-do-sol,

                                   deve haver uma (qual, eu não sei dizer)

                                   em que já passei pela última vez

                                   sem perceber, refém daquele Alguém

 

                                   que, com antecedência, fixa leis onipotentes,

                                   ajusta uma balança secreta e inflexível

                                   para todas as sombras, formas e sonhos

                                   tecidos na textura desta vida.

 

                                   Se há um limite para todas as coisas e uma medida

                                   e uma última vez, e nada mais, e esquecimento,

                                    quem nos dirá a quem nesta casa

                                   nós, sem saber, já dissemos adeus?

 

                                   Pela janela que amanhece a noite se retira

                                   e entre os livros empilhados que lançam

                                   sombras irregulares na mesa baça,

                                   deve haver um que eu jamais lerei.

 

                                   Há uma porta que você fechou pra sempre

                                   e algum espelho o esperará em vão;

                                   para você as encruzilhadas parecem muito amplas,

                                   mas há um Janus, vigiando você, nos quatro cantos.

 

                                   Há uma entre todas tuas memórias

                                   que agora está perdida além da evocação.

                                   Você não será visto descendo àquela fonte,

                                   seja à luz do sol claro, nem sob a lua amarela.

 

                                   Você nunca recapturará o que o Persa

                                   disse em seu idioma tecido com pássaros e rosas,

                                   quando, ao pôr-do-sol, antes que a luz disperse,

                                   você quer pôr em palavras tanto inesquecível.

 

                                   E o Rhone fluindo sem parar, e o lago,

                                   todo esse vasto ontem sobre o qual me curvo hoje?

                                   Estará tudo tão perdido como Cartago,

                                   queimada pelos romanos com fogo e sal.

 

                                   Ao amanhecer parece ouvir o turbulento

                                   murmúrio de multidões crescendo e dissolvendo;

                                   tudo por que fui amado, esquecido,

                                   espaço, tempo, e Borges, estão me deixando agora.

 

 

borges caminhando 3

 

 

                                               LÍMITES

 

 

                                   De estas calles que ahondan el poniente,

                                   una habrá (no sé cuál) que he recorrido

                                   ya por última vez, indiferente

                                   y sin adivinarlo, sometido

 

                                   a Quién prefija omnipotentes normas

                                   y una secreta y rígida medida

                                   a las sombras, los sueños y las formas

                                   que destejen y tejen esta vida.

 

                                   Si para todo hay término y hay tasa

                                   y última vez y nunca más y olvido

                                   ¿quién nos dirá de quién, en esta casa,

                                   sin saberlo, nos hemos despedido?

 

                                   Tras el cristal ya gris la noche cesa

                                   y del alto de libros que una trunca

                                   sombra dilata por la vaga mesa,

                                   alguno habrá que no leeremos nunca.

 

                                   Hay en el Sur más de un portón gastado

                                   con sus jarrones de mampostería

                                   y tunas, que a mi paso está vedado

                                   como si fuera una litografía.

 

                                   Para siempre cerraste alguna puerta

                                   y hay un espejo que te aguarda en vano;

                                   la encrucijada te parece abierta

                                   y la vigila, cuadrifronte, Jano.

 

                                   Hay, entre todas tus memorias, una

                                   que se ha perdido irreparablemente;

                                   no te verán bajar a aquella fuente

                                   ni el blanco sol ni la amarilla luna.

 

                                   No volverá tu voz a lo que el persa

                                   dijo en su lengua de aves y de rosas,

                                   cuando al ocaso, ante la luz dispersa,

                                   quieras decir inolvidables cosas.

 

                                   ¿Y el incesante Ródano y el lago,

                                   todo ese ayer sobre el cual hoy me inclino?

                                   Tan perdido estará como Cartago

                                   que con fuego y con sal borró el latino.

 

                                   Creo en el alba oír un atareado

                                   rumor de multitudes que se alejan;

                                   son lo que me ha querido y olvidado;

                                   espacio y tiempo y Borges ya me dejan.

 

 

 

Canto tardo

 

 

árvores siamesas 4

 

                                                           Fruto da espera

                                                           Incomensurável

                                                           Meu canto tardo

                                                           Efêmero paira

                                                           Etéreo jaz.

 

 

 

Es muele?

 

            Selma Barcellos

 Selma no Jardim de Luxemburgo

 

 

 

 

 

 

 

 

Um olho nos lírios de las esquinas, outro nos taxistas:

─ Te gusta Buenossaires?

─ Brasileños de onde?

─ Já estoy juntando la plata pra Copa de usted, ãh! Fiz las cuentas, voy precisar de unos 20000 dólares. Tengo mucho que trabajar neste taxi… hahaha…

─ Congratulatión por “Tropa de Elite”, ãh! Sensacional! Já assisti mijones de vezes. Capitán Nascimiento merece todos los prêmios.

─ Si necessitam de chaqueta de cuero, la garantia soy yo. Los reales están valorizados por acá. Muy bueno pra usted, ãh!

─ Visitaram el Zoo? Es una beleza. Mira mis fuetos com a família.

─ E La Bombonera? Brasileños no tienen buenos recuerdos deste estadio… hahaha… pero te lo juro que Pelé foi muuuucho mejor que Maradona.

─ …

Entregamos a Dios o trololó ininterrupto da criatura e revezamos nos monossílabos. A noite em Las Cañitas vale qualquer sacrifício.

No taxímetro, 38 pesos. Damos 50. Com rapidez e habilidade de um prestidigitador, o surreal condutor observa a nota contra a luz, dá um peteleco nela, esfrega-a com a ponta dos dedos e declara: _ Es falsa.

Conhecedores do golpe da troca, citamos os últimos algarismos da nota e falamos em polícia.

Evade-se o Copperfield bribón, milongueiro, safado.

Pra cima de nosotros…

 

 

                                       Caminho por calles

                                       Plenas de azul

                                       Florido.

                                       Trago poesia

                                       E todos os risos

                                       Comigo.

                                       Os lírios

                                       Das esquinas

                                       son testigos.

 

 

                                                                     Buenos Aires, novembro de 2011

 

 

lírios

 

 

 

obsession(s)

 

       Adalberto de Oliveira Souza

Adalberto 2 (2)

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                            obsession(s) 

 

                                                                                               Nicolas Sauvage

 

 

                                                est-ce mon corps qui déborde

                                                est-ce

                                                mes pensées qui dépassent

 

                                                trop de jour dans trop de nuit est-ce

                                                une insomnie qui

                                                dépasse déborde des yeux

                                                une épaule cette pensée qui s’échappe et s’impose

 

                                                une pensée

                                                comme nos pas qui résonnent légèrement lourds

                                                sur une passerelle d’embarquement

 

                                                déjà que j’ai du mal à t’étreindre en entier

                                                comment pourrais-je embrasser ce panorama

                                                une île dans sa totalité comment

                                                pourrais-je aborder

                                                la lumière sous le feuillage

                                                la lumière qui résonne à travers

                                                le Jardin des Tuileries

 

                                                                                                           juin 2005

 

 

http://www.dreamstime.com/stock-photo-jardin-des-tuileries-paris-france-image1264100

 

 

                        obsessão/obsessões

 

                                                                                    Tradução de Adalberto de Oliveira Souza

 

                        será meu corpo que extravasa

                        serão

                        meus pensamentos que excedem

 

                        dia demais dentro de muita noite

                        será uma insônia que

                        excede excede olhos

                        um ombro este pensamento que foge e se impõe

 

                        um pensamento

                        como nossos passos que ressoam ligeiramente pesados

                        sobre uma passarela de embarque

 

                        já que tenho dificuldade em te abraçar por inteiro

                        como poderia abraçar este panorama

                        uma ilha em sua totalidade como

                        poderia chegar perto

                        da luz sob a folhagem

                        da luz que ecoa através

                        do Jardim das Tulherias

 

                                                                                                          outubro 2013

 

 

jardim des tuileries 

 

 

 

Horário de Verão

 

           Annibal Augusto Gama

Annibal

 

 

 

 

 

 

Embora todos houvessem adiantado uma hora nos relógios, ele manteve no seu o horário de sempre, isto é, passou a ter uma hora a menos do que os demais.

Por isso, chegava sempre atrasado aos encontros e compromissos, sua vida passou a ser um desencontro permanente. Mas já era, antes.

Ao enterro do amigo, chegou quando o defunto já havia sido enterrado. Limitou-se a olhar para a cova e dizer “por que esta pressa?”

O Verão tem três meses, como as demais estações, e suprimiam-lhe uma hora, avançando para o Outono. Explicavam-lhe que aquilo representava uma economia de energia elétrica, e ele retrucava: “Economia foi no dia 20 de outubro, em que desligaram a energia do meu bairro durante mais de seis horas”.

Era um homem de princípios e não admitia que através dessas manobras indecorosas alterassem o calendário gregoriano.

Continuou a fazer as suas refeições no horário habitual, ainda que isso provocasse discussões com a cozinheira. “Na minha casa e na minha vida mando eu!”

Os outros, porém, obedeciam as ordens que vinham do governo, ou seja lá do que fosse.

A uma audiência em que devia comparecer em juízo à uma hora da tarde, chegou ao meio dia e, como não visse ninguém, deu uma banana a todos que ali não estavam e foi embora. O resultado é que foi marcada nova audiência para que ele comparecesse debaixo de vara, como se diz, para sua indignação.

E como faleceu às quatro horas da tarde, em seu relógio, exigiu, do outro lado, que lhe restituíssem mais uma hora. Restituíram-lhe e, por milagre, foi socorrido a tempo, sobreviveu ao ataque cardíaco que tivera, e continua vivendo, com a hora certa, isto é, atrasada de uma hora no relógio.

Quando, afinal, passou a hora do Verão e todos atrasaram uma hora em seus respectivos relógios, ele ainda disse: “Gente mais besta. Comigo não mexem”.

 

 horario-de-verao 2