Posts by Antonio Carlos A. Gama

Prometeu

 

 

 

                                               O herói sói ser

                                               como o sol,

                                               a chama que ilumina

                                               é a mesma que

                                               destrói.

 

                                               Com o fogo divino

                                               tu libertas os homens

                                               e aos deuses os iguala,

                                               mas o dilema trágico

                                               assinala:

 

                                               ainda livre tu serias

                                               se a liberdade não usasses,

                                               posto que só a tenhas

                                               por usá-la.

 

 

 Tiziano. Prometeu Acorrentado. 1548-1549. Museo del Prado, Madrid

 

 

 

 

Vingança

 

 

 

 

 

― Alô…

― Alô, de onde fala?

― Com quem o senhor quer falar?

― Com a dona Maria, aqui é o Brito, marido de aluguel…

― Marido de aluguel?

― Isso, a dona Maria me ligou pra fazer uns servicinhos, e eu quero passar o orçamento.

― Que servicinhos?

― Tá marcado aqui ó: trocar lâmpadas, uma torneira pingando, pegar um morcego que entrou ontem de noite e ela fechou na sala, tirar um ninho de pomba que está sendo feito no alto da varanda, e alguma coisinha mais…

― Eram só duas lâmpadas queimadas, que nem faziam muita falta e já troquei, o tal morcego não passava de uma borboleta, e o ninho o jardineiro tirou. Acho que só sobra a torneira pingando, mas já mandei colocar uma nova pra resolver de vez.

― O senhor é o marido?

― Sou. O marido adquirido!

― Mas ela disse que o senhor fez uma cirurgia e não podia pegar peso nem subir na escada…

― Exagero dela. Foi coisinha à toa. Já tô ótimo. O que eu não posso mesmo é cair da escada…

― Então tá. Acho que fica pra outra vez então.

― Fica. Escuta, Brito, a tua firma também tem mulher de aluguel?

 

 

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=ZXFginzWtFc[/youtube]

 

[…] 

“O remorso talvez seja a causa

Do seu desespero

Ela deve estar bem consciente

Do que praticou,

Me fazer passar esta vergonha

Com um companheiro”

[…]

 

 

 

Canção do dia de ontem

 

 

A poesia de Selma Barcellos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

(by Dennis Stock)

 

 

 

                                  Deste cais

                                  De revoos

                                  E migração

                                  Dos sonhos,

                                  Sob sol e azul

                                                  Em deslimite,

                                  O poema,

                                                   Em vertigens,

                                  Insiste.

 

 

                                  Anoiteço ali,

                                                  Em silêncio,

                                  Alumiando candeias.

                                  Ainda

                                  À espera

                                  De que versos

                                  Jorrem-me das veias

                                  E celebrem esta ânsia como finda.

 

 

Itacoatiara, primavera de 2011

 

 

 

 

A certeza absoluta

 

 

 

 

 Uma das coisas de que mais tenho saudade da minha infância é da certeza absoluta.

Eu tinha certeza, enquanto colecionava os pôsteres do New Kids on the Block, que o Jordan gostava de mim. Eu sabia que do outro lado do mundo (não sabia nem de  que lado), ele pensava em mim telepaticamente. Não importava a nossa diferença de quase 15 anos de idade, nem o fato de eu não falar inglês e ele ser o maior astro da cultura pop da época.

Quando alguém me perguntava com quantos anos eu queria casar, respondia num relance: 24. A amiga fazia um quadradinho envolta, perguntava o nome de três pretendentes e de três lugares onde eu queria passar a lua de mel (lua de mel?). Eu respondia coerentemente Estados Unidos, Guarujá e Istambul. Em cima, ela colocava 1,2,3 (número de filhos) e ao lado R,P,M (Rica, Pobre ou Milionária). A partir da idade citada, ela ía eliminando os nomes e as possibilidades. Apesar de sempre torcer para ser milionária, eu nem me importava muito com os resultados. O importante é que naquele pedaço de papel estava um decreto, uma certeza absoluta: me casaria com o X, passaria a lua-de-mel em X, teria X filhos. Era um alívio ter aquela certeza aos 11 anos.

 

 

 

 

Na época a AIDS era avassaladora. Depois do dono da floricultura, levou Cazuza e Renato Russo. Era o pior diagnóstico que alguém poderia ter. Tranquei-me dias na casa da Kel tentando descobrir a cura. Ao bebermos água na talha (filtro de barro, tá gente?) tivemos a certeza absoluta de encontrar a solução: tiraríamos o sangue todo do corpo do doente e colocaríamos litros e litros de sangue novo. Kel também tinha a certeza absoluta de que seríamos alquimistas quando crescêssemos.

Minha certeza era tão absoluta que uma vez peguei o Opala Comodoro escondido do meu pai e bati a lateral inteira. Para disfarçar, colei lama na lataria do carro e achei que ele nunca veria!

E aí um dia o pai vê, no outro você se estrepa, no seguinte toma um chute na bunda e depois do quinto ou sexto tombo vê que cresceu e que nenhuma certeza é absoluta.

 

Bell Gama

Outubro 2012

 

 

(Dedico esse texto a Kel, amiga que me deixou um recado lindo no Facebook nesta semana. Depois de ler, tive a certeza que mesmo sem nos vermos há décadas, nossas lembranças são absolutas)

 

 

Parceria em foco

 

 

 

 

 

 

 

Ele é bem mais velho do que eu.

Nasceu no mês de agosto de um longínquo ano…

Eu, no mês de novembro!

Natural, pois, que a catarata o pegasse primeiro (se bem que a dele foi causada por uma pancada que sofreu).

Mas isso pouco importa. 

O que importa (com ou sem catarata) é que desde os verdes anos observamos as mesmas estrelas, ainda que de navios diferentes (com sua licença, Aldir).

 

 

 

Em homenagem aos seus novos focos,

permita-me que lhe dedique novamente

esses flocos

de poesia:

 

 

                                      DEJÀ-VU

 

 

                                    De olho no olho que não vê

                                    já vejo tudo.

                                   Como um dejà-vu constante,

                                   tenho registrado cada instante

                                   de um tempo antecedente,

                                   quase oculto,

                                   por detrás das cataratas

                                   e das corredeiras.

                                   Onde ordeiras baratas

                                    e satânicos colibris

                                    faziam seu festim macabro…

                                    acabo já-já com esse passado!

                                    levado embora

                                   pela impávida aspiração

                                   que seca a neblina,

                                   que embaça a nitidez

                                   da paisagem cristalina.

 

                                    Mas as cortinas já se abrem

                                   para o segundo ato

                                   e o fato se submete

                                   ao enredo teatral.

 

                                   E a verdade aparece na revista

                                   mesmo vista

                                   com olho artificial.

 

 

(mas um pouco de miopia é bom, porque permite não se ver as coisas como de fato são…

 e deixa ver outras como gostaríamos que fossem. Lembra?)

 

                                                                                                                                                                                       Brenno Augusto Spinelli Martins

 

 

 

 

 

 

 

Desfocado

 

 

 

 

 

 

            Nunca antes na história deste país houve tanta gente focada.

            Os jogadores de futebol, nem se diga. Além do “grupo fechado”, estão sempre focados no próximo jogo, no campeonato, na busca da classificação e do título de campeão, na convocação para a seleção. Mas, como se sabe, o futebol é uma caixinha de surpresas, algumas vezes se ganha, outras, não.

            Os jornalistas e repórteres também estão sempre focados, mesmo aqueles que já não são focas. Focados na matéria que publicarão, na investigação e no furo que darão, na pauta que haverão de cumprir para satisfação do patrão.

            O povo em geral vive focado em sobreviver, ganhar a cada dia o pão, no mensalão e na eleição (menos), na Carminha e no Tufão, no Mengão e no Curingão (muito mais).

            Pagodeiros e sertanejos universitários (seja lá o que isso signifique), de cavaco e violão na mão, focam no CD ou DVD que lançarão, na próxima apresentação, no sucesso da canção, no Domingão do Faustão. 

            Políticos e governantes nunca perdem o foco em construir uma grande nação, combater a corrupção, acabar com a inflação, melhorar o transporte, a segurança, saúde e educação.

            Pastores e bispos, de sacolinha na mão, focam na salvação, nos demônios que expulsarão, nos templos que edificarão, no novo canal de televisão que comprarão ou ganharão.

            Eu, da minha parte, se não desde que nasci, mas assim que me tornei petiz, tenho sido um desfocado na vida, de óculos no nariz, que nunca sabia onde pôr.

            Depois de muito tropeção, um oculista de devoção, desses que nos tiram da sombra, de uma só cajadada me livrou da catarata e corrigiu a visão: “Vai, Antonio! ser focado na vida”.

            Não chega a ser um homônimo. Nem sei se será uma solução.

 

 

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=UqtfjsvrptI[/youtube]

 

 

 

Românticos em alta

 

 

 

 

 

 

 

      Selma Barcellos

Leio que os homens não estão apenas mais românticos, como andam desejando plateia para suas declarações de amor e pedidos de casamento.

Veríssimo. Nas redes sociais, nas novelas ou aqui mesmo, na rua mais movimentada de Icaraí, o apaixonado chegou numa Kombi pink cheia de balões coloridos, e depois daquela clássica do Wando, do hino do Flamengo (na voz de João Bosco!) e do foguetório, declarou-se em vários decibéis. Pena que a moça, uma atendente da loja, ficou envergonhada e se trancou no provador. Não houve jeito de convencê-la que lá fora poderia estar o amor de sua vida. Tentamos. “SUENEIDE, TE AMOOOO!” , gritava ele no megafone. Soube depois que ela não gostava do nome e ouvi-lo assim amplificado, complicou.

E no cinema? O rapaz ficou na fila da pipoca e a namorada foi guardar lugar. Quando ele finalmente entrou, luzes já apagadas, nem titubeou: – Gildinha, cadê você? Levanta a mão, aê! Tá com vergonha que eu tô falando alto, né? Eu amo essa mulher, gente! Aplaudidíssimo. Ri a sessão inteirinha.

Merecemos. Somos desde sempre tão românticas, concessivas… Lirismo puro ouvir minha manicure cortar o papo sobre abdômen ‘tanquinho’ : – Homem tem que ter uma barriguinha pra gente dormir de conchinha e ela se encaixar na nossa lordose… O côncavo e o convexo, meninas… Sabe tudo.

Os galanteios também evoluíram muito, convenhamos. “Não é placa, mas para o trânsito…” , “Você deve ser dentista, deixa todo mundo de boca aberta…” , “Ana Graça? Mas isso não é nome, é pleonasmo…” Só saber o que é pleonasmo já é meio caminho andado.

O que não vale é exagerar, ficar temático demais. Porque eram fazendeiros, precisava a declaração ser feita com feno e… estrume? Manda pastar.

Mas o que importa é o que interessa. É lindo o amor.

 

 

Post e música dedicados a Sueneide. Saudade dela

 

 

 

 

Nota da Redação: Não deixem de clicar no link acima “Manda pastar”, que leva ao post das declarações de amor referidas pela nossa estimada colaboradora.