Posts by Antonio Carlos A. Gama

O homem que conquistou a lua

 

 

 

 

 

 

Outrora eu era daqui, e hoje regresso estrangeiro. Forasteiro do que vejo e ouço, velho de mim. Já vi tudo, ainda o que nunca vi, nem o que nunca verei. Eu reinei no que nunca fui.

Bernardo Soares (Fernando Pessoa), “Livro do Desassossego”

  

 

 

               “Amor de praia não sobe a serra”, diziam, e eu me revoltava com tamanha insensibilidade e o mau agouro.

               “Dessa vez vai ser diferente”, pensava, tentando apaziguar meu coração descompassado de amor.

               Por duas vezes, quase foi diferente.

               Voltei a me encontrar com dois desses amores longe da praia, e chegamos a manter um breve relacionamento. Ambas moravam em São Paulo.

               Uma delas, alta, linda, loura e de família muito rica (que olhava atravessado para aquele caipira pobretão), era de outro mundo, outra estratosfera, tão distante quanto a lua. Muito difícil que desse certo. Pouco durou.

               A outra, o oposto, morena, mignon, faceira, com uma graça e um sorriso que ofuscavam a lua, era do meu mundo. Nem sei bem porque tudo acabou.

               Por uma dessas trapaças do destino, o apartamento em que morei em São Paulo por quase oito anos antes de me aposentar do Ministério Público ficava na mesma rua e muito próximo do prédio em que ela vivia com a família na época. Passava em frente todos os dias, na ida e volta do trabalho. Às vezes, de noite, olhava para o céu e via a lua.

               Naqueles tempos, São Paulo ficava muito distante, tão longe quanto a lua. A Anhanguera era quase toda de pista simples até lá. Avião, nem pensar! Internet, nem em sonho! Telefone, difícil e muito caro.

               Nunca mais vi nenhuma das duas, e provavelmente não tenha deixado marca alguma na vida delas. Continuo, porém, a ver a lua daqui de tão longe, mas com outros verdes olhos que me acompanham e aquecem há mais de trinta anos.

               Como terá sido com Neil Armstrong?

               Ele a tocou. Foi o primeiro. Nela deixou suas marcas para sempre.

               Foi um breve encontro. Logo ele voltou a pisar o chão da Terra.

               Discreto, recolheu-se e pouco falava a respeito. Achava que não tinha feito nada de mais.

               Até que o seu velho coração, que aqui pulsava, parou.

               Terá ido pulsar com ela, no infinito do universo?

               A mim me resta continuar provisoriamente por aqui, a pisar meu chão de estrelas.

 

 

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=0Y9Wh1mWS24]

 

 

 

Se for possível, manda-me dizer…

 

 

 

 

  

                     Se for possível, manda-me dizer:

                    — É lua cheia. A casa está vazia —

                    Manda-me dizer, e o paraíso

                    Há de ficar mais perto, e mais recente

                    Me há de parecer teu rosto incerto.

                    Manda-me buscar se tens o dia

                    Tão longo como a noite. Se é verdade

                    Que sem mim só vês monotonia.

                    E se te lembras do brilho das marés

                    De alguns peixes rosados

                    Numas águas

                    E dos meus pés molhados, manda-me dizer:

                    — É lua nova —

                    E revestida de luz te volto a ver.

 

                                       Hilda Hilst

               (Júbilo Memória Noviciado da Paixão, 1974)

 

 

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=lCP4VFGm9aw]

Marisa Monte canta “Gotas de luar”, de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito

 

 

 

Pelo buraco da fechadura

 

 

 

 

 

“Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura.

Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino.

E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico.”

 

 

         “Jovens: envelheçam rapidamente! 

          Já não me lembro se li ou vi pela televisão Nelson Rodrigues proferir essa sentença pela primeira vez.

          Lembro-me, porém, que eu era bem jovem, e mesmo assim achei muita graça e logo me encantei com ele, com seu destemor em não afagar ou bendizer a juventude como era praxe então (estávamos na plenitude da onda “hippie”, do “é proibido proibir”, do “poder para os jovens” ou da “jovem guarda”, segundo o gosto de cada qual).

          Ainda hoje os louvaminheiros dos jovens, em busca do seu aplauso fácil, formam a imensa maioria, como se a juventude fosse um dom e tudo o que dela provenha, um bem em si mesmo. Há, é claro, os que se colocam na posição totalmente oposta ― e igualmente equivocada ― de não aceitar ou dar valor a nada que seja jovem ou novo.

          “Toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar”, diria Nelson Rodrigues a esses “cretinos fundamentais”

          Fiel a si mesmo, Nelson nunca abdicou de pensar por si mesmo, e dizer o que pensava, sem preocupação de agradar ou desagradar. Por isso foi tachado de tarado a reacionário, execrado pela direita, pela esquerda e pelo centro, por crentes e ateus, pelos críticos e pela censura.

          Neste 23 de agosto, Nelson faz 100 anos.

          Não uso o verbo no futuro do pretérito porque homens como Nelson Rodrigues são sempre presentes na sua obra, que nunca envelhece.       

 

 

 

“A maioria das pessoas imagina que o importante, no diálogo, é a palavra. Engano, e repito: – o importante é a pausa. É na pausa que duas pessoas se entendem e entram em comunhão.”

 

“Não admito censura nem de Jesus Cristo.”

 

“No Brasil, quem não é canalha na véspera é canalha no dia seguinte.”

 

“Todo desejo é vil.”

 

“O brasileiro chamado de doutor treme em cima dos sapatos. Seja ele rei ou arquiteto, pau-de-arara, comerciário ou ministro, fica de lábio trêmulo e olho rútilo.”

 

“O asmático é o único que não trai.”

 

“Todo ginecologista devia ser casto. O ginecologista devia andar de batina, sandálias e coroinha na cabeça. Como um são Francisco de Assis, com a luva de borracha e um passarinho em cada ombro.”

 

“Tarado é toda pessoa normal pega em flagrante.”

 

“Em nosso século, o grande homem pode ser, ao mesmo tempo, uma besta!”

 

“O marido não deve ser o último a saber. O marido não deve saber nunca.”

 

“A companhia de um paulista é a pior forma de solidão.”

 

“O cardiologista não tem, como o analista, dez anos para curar o doente. Ou melhor: ― dez anos para não curar. Não há no enfarte a paciência das neuroses.”

 

“Copacabana vive, por semana, sete domingos.”

 

“O Natal já foi festa, já foi um profundo gesto de amor. Hoje, o Natal é um orçamento.”

 

“Muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos.”

 

“A dúvida é autora das insônias mais cruéis. Ao passo que, inversamente, uma boa e sólida certeza vale como um barbitúrico irresistível.”

 

“Só não estamos de quatro, urrando no bosque, porque o sentimento de culpa nos salva.”

 

“Falta ao virtuoso a feérica, a irisada, a multicolorida variedade do vigarista.”

 

 

P.S.    Somente com a leitura muitos anos atrás do esplêndido livro de Ruy Castro (como tudo o que ele escreve) O Anjo Pornográfico ― A vida de Nelson Rodrigues, é que tomei conhecimento da real grandeza de Nelson Rodrigues, do que é e representa, da sua vida “mais trágica e rocambolesca do que qualquer uma de suas histórias, e tão fascinante quanto”.

 

 

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=5O0U3tnvaxU]

“Amar é ser fiel a quem nos trai.”

 

 

 

Meditações de um chato

 

 

 

               O que será, afinal, uma pessoa chata?

               Como definir um chato?

               No seu dicionário, Houaiss (que era um chato culto) apenas nos itens 6 e 7 do vocábulo apresenta o que qualifica como “Derivação: sentido figurado. Uso: informal.    6     que ou o que é maçante, enfadonho ou insistente   7     que ou o que aborrece, perturba ou preocupa”.

                Muito melhor do que isso são as frases antológicas a respeito do chato, entre as quais aquela de Millôr Fernandes que me parece certeira: “Chato é o indivíduo que tem mais interesse em nós do que nós temos nele.”.

               O General João Baptista Figueiredo, último ditador do regime militar instaurado em 1964 (e que ao deixar o poder nos pediu que o esquecêssemos), provindo de uma família tradicional de militares, tinha um irmão escritor, um bom escritor, aliás (toda família tem uma ovelha negra).

               Guilherme Figueiredo, além de várias peças inspiradas na temática mitológica, escreveu um livro muito divertido, “Tratado Geral dos Chatos”, com algumas máximas deliciosas: “Cada indivíduo tem o chato que merece. É impossível chatear um chato. Dois chatos da mesma espécie não se chateiam.”.

               Tenho pensado sobre isso com alguma frequência ultimamente em razão de uma idiossincrasia que vem me tomando e talvez me tornando um chato.

               Há pessoas admiráveis — e que sinceramente admiro — por seus dotes intelectuais e seu talento, pelo exercício da cidadania, por sua correção e generosidade, enfim por diversas qualidades excelsas, e que, entretanto, para meu opróbrio, parecem-me chatos de galocha.

               Não cometerei a injúria de nomeá-los, mas eles pululam por aí diuturnamente, nos jornais, na televisão, na internet, agraciando-nos com suas virtudes pessoais e cívicas, com a santa indignação, a sapiência, o exemplo a ser seguido.

               Mas como são chatos!

               Os meios de mídia, com raras exceções, e também os órgãos governamentais, sem exceção, estão imbuídos do propósito de nos educar, de nos tornar cidadãos conscientes e éticos, de nos ensinar a criar os filhos, cuidar da saúde, ser bom vizinho e bom companheiro, não gastar à toa, e até mesmo a morrer.

               O chato provavelmente seja eu, devo admitir.

               Consolam-me estas duas outras frases, a primeira de Emerson e a segunda também do nosso Millôr:

               “Todo herói torna-se chato.”

               “Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem.”

 

 

 

 

 

A amante

 

 

 

                                            Entre o feto e o defunto

                                            a ávida amante

                                            se intromete

                                             a te exigir e subtrair

                                             cada instante.

 

                                             Por conta de tanta

                                             graça

                                             pede um diamante

                                             sem jaça

                                             a viagem mais distante

                                             o verso perfeito

                                             as benesses do prefeito

                                             (e sempre reclama um defeito).

 

                                             Arrasta-te pelo caminho

                                             e nunca te deixa

                                             sozinho

                                             só para ver

                                             o sol se pôr

                                             ouvir estrelas

                                             flertar com a lua

                                             sentir o cheiro da chuva

                                             conversar com teus botões.

 

                                             Quando exausto adormeces

                                             invade teu sonho

                                             ou pesadelo

                                             rola na cama contigo

                                             e te sacode

                                             aflita

                                             mal a manhã se

                                             agita.

 

                                             Estes são teus pais

                                             teus irmãos

                                             teus filhos

                                             teus amigos

                                             inimigos

                                             teu ofício

                                             teu vício

                                             resoluta te aponta

                                             (e depois te traz a conta).

 

                                             Na hora derradeira

                                             da partida

                                             vai te deixar

                                             enfim

                                             e seguirá faceira

                                             esquecida do que havia

                                             sem sequer se importar

                                             se foi algum dia

                                             querida.

 

                                                             

 

 

 

A arte do encontro IV

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

               Vinicius de Moraes, sempre tão generoso e afável, tinha lá seus humanos deslizes.

               Antes de cometer a célebre frase — de que se arrependeria publicamente mais tarde — “São Paulo é o túmulo do samba”, havia criticado em um artigo os erros de português de “Samba do Arnesto”.

               Adoniran Barbosa nunca se importou com isso, seguiu fazendo seus sambas paulistanos com um idioma típico, roseano (antes do próprio), suas marchinhas e canções, além das sacadas como o “Charutinho”, cujo phisyque du role incorporou ao compositor.

               Até que um dia, de repente, não mais do que de repente, Aracy de Almeida, então morando e trabalhando em São Paulo na TV Record, passou ao colega Adoniran um papel que recebera de Vinicius com um poema e atribuições plenipotenciárias: “faça o que quiser com ele”.

               O poema — na esteira da onda existencialista e do livro de Françoise Sagan — se tornou a letra do antológico samba-canção “Bom dia, tristeza”, composto por Adoniran inteiramente fora do padrão melódico dos seus sambas paulistanos, como a dar a resposta do seu imenso talento.

               O diplomata Vinicius estava em Paris, integrando a delegação brasileira na Unesco, e de lá acompanhou o repentino e estrondoso sucesso da canção, gravada inicialmente por Aracy Cardoso e em seguida por outras cantoras consagradas, como Elizeth Cardoso e Maysa (esta encarnava como ninguém a personagem do poema).

               Adoniran achava que a melhor gravação e interpretação de todas era a de Mauricy Moura, ele próprio gravou “Bom dia, tristeza” mais de uma vez e chegou a incluir uma introdução falada bem ao seu estilo (seria uma réplica bem-humorada a Vinicius?): “A tristeza é um bichinho que para roer está sozinho. E como rói, a bandida. Parece rato em queijo parmesão”.

               Talvez tenha sido a arte do desencontro (não encontrei nenhuma foto dos dois juntos).

 

 

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=D2dwx2QeUJI]

 

 

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=PQM9Ied5Kc0&feature=related]

 

 

 

1984/2012

 

 

 

“Abaixo o Big Brother!”

(Primeira frase escrita por Winston Smith no seu Diário secreto)

 

 

          Um amigo de trabalho me chama para mostrar no Google Maps a casa do pai dele, na pequena Olímpia, próxima de São José do Rio Preto.

          Com impressionante nitidez, o pai, falecido há poucos dias, está sentado na varanda.

          São George Orwell nos salve!

 

 

 Barnhill, em Jura (Escócia), onde George Orwell escreveu “1984” 

 

 

 

A Arte e a Vida

 

 

 

 

  

Tive ouro, tive gado, tive fazendas.

Hoje sou funcionário público.

Itabira é apenas uma fotografia na parede.

Mas como dói!

(Confidência do Itabirano, Carlos Drummon de Andrade)

 

 

               O trágico incêndio que consumiu obras inestimáveis da coleção de Jean Boghici, entre as quais “Samba”, de Di Cavalcanti, encerra outra tragédia, humana e personalíssima, sintetizada no dorido desabafo final do velho marchand e colecionador:

               “Eu quero saber de quadro… Meu gato morreu, coitado! Ficava ao lado da minha cama. Isso é que me dói!

 

               A arte supera a vida, mas a arte não é maior do que a vida…

 

 

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=1e0_W-lslds]

 

 

 

A unha de Caravaggio

 

 

 

               Além de Ziraldo, encontrei-me com Michelangelo Merisi, o Caravaggio, na semana passada em São Paulo.

               Terça-feira, dia 7, aproveitei o intervalo para o almoço de um seminário jurídico de que participava e corri até o Masp para dar uma olhada na exposição “Caravaggio e seus seguidores”. Não sabia que às terças a entrada é gratuita para todos, e embora chegasse uns quinze minutos antes da abertura, peguei uma fila que dava voltas no famoso vão do Masp. Mesmo assim, demorou menos do que esperava, pouco mais de uma hora, para conseguir entrar.

               Penso às vezes que minha alma é barroca, tanto me comovo com a arte daquela época. Talvez todas as almas sejam barrocas.

               Caravaggio e Velazquez, em especial, provocam em mim sensações e sentimentos que sequer consigo expressar. Diante de “Las Meninas” no Prado fiquei paralisado nem sei por quanto tempo, sem disposição para prosseguir na visita. Consegui afinal fazê-lo, mas antes de ir embora, voltei para de novo me paralisar em frente do quadro, sem coragem de me despedir.

               Algo parecido se repetiu desta vez com “San Girolamo che scrive” exibido na mostra do Masp, com outros seis quadros reconhecidamente de Caravaggio, e mais alguns dos seus seguidores.

               “São Jerônimo que escreve” é o primeiro com que se depara ao ingressar na exposição. De início várias pessoas se acumularam à minha frente e esperei, paciente, que se afastassem em direção às outras obras. Ao ficar sozinho pude me transportar e transtornar contemplando o quadro.

               Como é característico de Caravaggio, a escuridão toma conta da composição, enquanto um jorro de luz, que vem não se sabe de onde, resplandece a cabeça calva, lustrosa e as mãos de São Jerônimo.

               A caveira ao lado, também sob o foco de luz, contrasta e compactua com o crânio do santo, numa mescla de sagrado e profano, real e metafísico, “carnalidade com o êxtase místico”, que “revela e oculta, cria uma relação extraordinária entre ver e não ver”, segundo bem anota Fabio Magalhães, um dos curadores da mostra.

               E vi  então a unha do polegar da mão direita, que sustém a pena!

               Meu Deus, o que é aquilo?

               Os matizes delicadíssimos da coloração, as ranhuras, as sujidades entranhadas sob a ponta da unha! E quando se desloca diante do quadro, a incidência da luz se modifica e outros detalhes e tonalidades se revelam!

               Cheguei a pensar seriamente em ir embora sem ver mais nada, para levar comigo o impacto daquela visão.

               Não resisti, porém, a percorrer as outras maravilhas, como o escudo da “Medusa Murtola”, a primeira versão da Medusa da Galleria degli Uffizi, em Florença. Consta que Caravaggio a pintou olhando-se no espelho, encarnando o monstro e concebendo a expressão de espanto e pavor da decapitação.

               Há, ainda, duas versões do célebre “San Francesco in meditazione”, uma admitida como obra de Caravaggio (que me pareceu claramente superior) e outra, uma cópia, que pode ou não ter sido feita por ele.

               Depois de ver toda a exposição, voltei ao São Jerônimo e lá permaneci por um bom tempo mais. Como nos bons tempos de estudante, encanei solenemente, e sem nenhuma culpa, as atividades daquela tarde no seminário jurídico. Não tinha cabeça para mais nada.

               Nunca mais escaparei das unhas de Caravaggio e do seu São Jerônimo que escreve.

 

 

 Nenhuma reprodução será capaz de mostrar o que vi, senti e tentei escrever acima.

 

 

 

Filhos…Netos?

 

 

 

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=-rSKyuw1KVw]

 

 

                                               Poema Enjoadinho

 

                                                                                   Vinícius de Moraes

 

 

                                               Filhos…  Filhos?

                                               Melhor não tê-los!

                                               Mas se não os temos

                                               Como sabê-lo?

                                               Se não os temos

                                                Que de consulta

                                               Quanto silêncio

                                               Como os queremos!

                                               Banho de mar

                                               Diz que é um porrete…

                                               Cônjuge voa

                                               Transpõe o espaço

                                               Engole água

                                               Fica salgada

                                               Se iodifica

                                               Depois, que boa

                                               Que morenaço

                                               Que a esposa fica!

                                               Resultado: filho.

                                               E então começa

                                               A aporrinhação:

                                               Cocô está branco

                                               Cocô está preto

                                               Bebe amoníaco

                                               Comeu botão.

                                               Filhos?  Filhos

                                               Melhor não tê-los

                                               Noites de insônia

                                               Cãs prematuras

                                               Prantos convulsos

                                               Meu Deus, salvai-o!

                                               Filhos são o demo

                                               Melhor não tê-los…

                                               Mas se não os temos

                                               Como sabê-los?

                                               Como saber

                                               Que macieza

                                               Nos seus cabelos

                                               Que cheiro morno

                                               Na sua carne

                                               Que gosto doce

                                               Na sua boca!

                                                Chupam gilete

                                               Bebem shampoo

                                               Ateiam fogo

                                               No quarteirão

                                               Porém, que coisa

                                               Que coisa louca

                                               Que coisa linda

                                               Que os filhos são!

 

 

            Imagine então os netos…

 

 

 

 

 Domingo no Parque (hoje)