Posts in category "Colaboradores"

De ternuras

 

 

Selma no Jardim de Luxemburgo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Para Sinatra, uma das mais ternas canções jamais escritas. ‘Não há na letra um “I love you” sequer, mas o amor está todo lá’, comentou certa vez.

Adoro “Little Green Apples”. Música de 1968. Com ela, as descobertas, os primeiros versos… Verdes como as maçãs.

 

 

                                                 POEMILHA

 

                                                 Garrafas ao mar

                                                 Bilhetes em quilhas

                                                 e árvores, a estilete

 

                                                 Mapas, luas, estrelas

                                                 signos, mitos, sons

                                                 ideogramas, ritos

 

                                                 Em vão.

 

                                                 Apenas o eco e seus iguais

                                                 respondem ao meu coração.

 

                                                 Decifra-o se és capaz.

 

 

Do bauzinho da garota… Ousada, não? Drummond tremeu.

 

Uma das versões de “Little…” , na voz personalíssima de B.J. Thomas.

 

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=avXntFPN0vc[/youtube]

 

 

 

Metamorfoses

 

      Adalberto de Oliveira Souza

Adalberto 2 (2)

 

 

 

 

 

 

 

                                               METAMORFORSES

 

 

                                               Muito escapa.

                                               Muito é retido.

 

                                               Pouco se livra.

                                               Muito é restrito.

 

                                               Muito subtrai-se.

                                               Pouco é contido.

 

                                               Pouco é detido.

                                               Nada é refreado.

 

                                               Tudo se esvai,

                                               transformado

 

                                               em novas formas

                                               informes.

 

O impossível (Maria Martins)

“O impossível” (Maria Martins)

 

 

LEMBRETE

Hoje, no Centro Cultural São Paulo

Rua Vergueiro, 1000, Sala Adoniran Barbosa, 19h30

Lançamento do livro de poemas “Corrosão”

 

 

 

O vira-lata

 

           Annibal Augusto Gama

Annibal

 

 

 

 

 

 

Havia cometido muitas tolices e acertado em algumas coisas, e posto lado a lado tudo o que fizera, estava empatado. Os dois pratos da balança equilibravam-se. Não fedia, nem cheirava. 

Supunha que, nos anos que lhe restavam, devia fazer um grande gesto, uma façanha que melhorasse a vida de todos, que causasse admiração, para lhe dizerem: “Você é dos bons”.

Imaginava uma coisa ou outra, um empreendimento glorioso, uma obra magnífica, mas, mal começava a mexer-se, dava em nada. “Você está maluco”, opinavam, “deixe disso, se não quiser entrar numa enrascada e dar com os burros n´água”.

Ele não iria mudar o mundo, o mundo seria sempre como é, um desastre. Ninguém mais fazia milagres, nem mesmo os santos. Nem ele mesmo podia mudar-se, ser outro. O ramerrão dos dias, um depois do outro. Já não estava na idade das grandes paixões, de um amor violento. Todos estavam acomodados, e resignavam-se. Se ao menos inventasse um remédio contra a melancolia, contra a tristeza… Uma poção. O sujeito beberia umas colheradas dela e era um deslumbramento. Mas até nas farmácias muitas drogas ou remédios haviam sido recolhidos, não se podia comprar muitos deles sem receita médica. Se lia as bulas, os efeitos colaterais deles eram assustadores. “Consulte sempre um advogado”, recomendava a mensagem, no vidro traseiro dos carros. Os advogados, os juizes, os oficiais de gabinete, os prefeitos, os governadores, todos estavam perplexos. Já não falava dos deputados, dos senadores, uma corja.

Uma tarde, um cachorro vira-lata, numa esquina, veio cheirar-lhe a barra das calças, e acompanhou-o até a sua casa. Abriu o portão, e o cachorro, humilde, ficou olhando para ele, os olhos súplices, e abanando o rabo. Manteve o portão aberto e disse para o cachorro: “Entre”. Ele entrou. Foi botar-lhe um pouco de água fresca, numa vasilha e, noutra, trouxe-lhe um pouco de comida. O cachorro comeu e bebeu.

O vira-lata não mais o deixou, e este foi o gesto que o redimiu.

 

vira-lata 

 

 

 

Receita de Mulher

 

         Selma Barcellos

Selma-no-Jardim-de-Luxumburgp

 

 

 

 

 

 

 

 

 Que fantásticas as escolhas de mestre Millôr…

 

 

 

“Vinicius que me perdoe plagiá-lo.
Mas beleza é fundamental.”

  

 

O seu semblante, redondo
Sobrancelhas arqueadas
Negros e finos cabelos
Carnes de neve formadas. 
Thomaz Antonio Gonzaga

Simpáticas feições, cintura breve,
Graciosa postura, porte airoso,
Uma fita, uma flor entre os cabelos.
Gonçalves Dias

Verde carne, tranças verdes.
Garcia Lorca

Lábios rubros de encanto
Somente para o beijo.
Junqueira Freire

A sua língua, pétala de chama.
Cândido Guerreiro

Nos lobos das orelhas
Pingentes de prata.
Gonçalves Crespo

Mão branca, mão macia, suave e cetinosa
Com unhas cor de aurora e luz do meio dia
Nas hastes cor de rosa.
Luiz Delfino

Os braços frouxos, palpitante o seio.
Casimiro de Abreu

A dorso aveludado, elétrico, felino
Porejando um vapor aromático e fino.
Castro Alves

Seu corpo tenha a embriaguês dos vícios.
Cruz e Souza

Com mil fragrâncias sutis
Fervendo em suas veias
Derramando no ar uma preguiça morna.
Teófilo Dias

Os olhos sejam de preferência grandes
E de rotação pelo menos tão lenta quanto
A da terra.
Vinicius de Morais

As curvas juvenis
Frescas ondulações da forma florescente
Imprimindo nas roupas um contorno eloquente.
Álvares de Azevedo

Qualquer coisa que venha de ânsias ainda incertas
Como uma ave que acorda e, inda mal acordada,
Move, numa tonteira, as asas entreabertas.
Amadeu Amaral

De longe, como Mondrians
Em reproduções de revistas
Ela só mostre a indiferente
Perfeição da geometria.
João Cabral de Melo Neto

Que no verão seja assaltada
por uma remota vontade de miar.
Rubem Braga

A graça da raça espanhola
A chispa do touro Miúra
Tudo que um homem namora
Tudo que um homem procura.
Paulo Gomide

Nádegas é importantíssimo
Gravíssimo porém é o problema das saboneteiras
Uma mulher sem saboneteiras
É como um rio sem pontes.
Vinicius de Morais

E todo o conjunto deve exprimir a inquietação e espera.
Espera, eu disse?
Então vou indo, que, senão, me atraso!
Millôr Fernandes

 

(Millôr Fernandes)

 
 
 
 

 

Entendimento

 

       Adalberto de Oliveira Souza

Adalberto 2 (2)

 

 

 

 

 

 

 

                                                 ENTENDIMENTO

 

 

                                                 Gestos e

                                                 acenos.

                                                 Intenções e fatos.

                                                 Não há como negar

                                                 O que a realidade acusa

                                                 O sim, o não, o talvez.

 

                                                 São nuvens

                                                 claras e escuras,

                                                 é o céu, o mar,

                                                 os rios, as montanhas,

                                                  o lago e o horizonte.

                                                  Há a passagem de algures.

                                                 e nem sempre se pode entender

                                                 o que se manifesta,

                                                 tão claramente.

 

 nuvens

 

 

 

A cota para os feios

 

            Annibal Augusto Gama

Annibal

 

 

 

 

 

 

Meu amigo, o filósofo Pamplona Tredo, é um homem feio. É mesmo um homem muito feio. Torto, quase sem pescoço, a cara escalavrada, as pernas curtas. Por isso, naturalmente não encontrou até hoje mulher para se casar.

Dei com ele numa esquina, outro dia, muito alegre, rindo com todos os dentes e fazendo gracejos. Pegou-me pelo braço e foi logo me dizendo: “Você viu? Foi adotada a quota racial para os negros. Agora, eles terão preferência para ingressar nas Escolas Superiores, ainda que tenham péssima classificação no vestibular. Uma medida sábia. E mais, adotado tal princípio, ele terá de ir até às suas últimas consequências, com todos os seus desdobramentos. É o que ensina a boa filosofia”.

Não consegui imediatamente entender aonde Pamplona Tredo pretendia chegar. Mas ele prosseguiu: “Haverá logo uma quota para os feios e as feias. É natural. Os feios e as feias que não acham uma mulher ou um homem para casar. E eu serei um dos primeiros a ser contemplado pela quota dos feios”.

Ponderei que, neste caso, a quota podia lhe reservar uma mulher feia, ou mais do que feia.

— Não, senhor! — ele retrucou. Não seria justo, e não obedeceria ao regime de quotas. Ao contrário, estarão reservados para os feios e para as feias as mulheres mais bonitas e os homens mais galantes. E é isto o equilíbrio, porque, compensando a feiúra de um com a beleza de outra, gerarão filhos fisicamente harmoniosos.

 Tive de concordar com ele. Afinal, os princípios são os princípios. Não devem ficar a meio caminho. E ele e eu discutimos outros desdobramentos do princípio da quota racial. Como não o adotar também para os absolutamente imbecis?

 

 Zé Bonitinho 2

 

 

 

Tem certos dias

 

         Selma Barcellos

Selma no Jardim de Luxemburgo

 

 

 

 

 

 

 

 

[…]

“Sempre digo que a praia seria um lugar ótimo se não fossem a areia, o sol e a água fria. É só uma frase. Gosto do mar. O diabo é que a gente sempre tem na cabeça um banho de mar perfeito que nunca se repete. O meu aconteceu em Torres, Rio Grande do Sul, em algum ano da década de 50. Sim, crianças, em 50 já existiam Torres, o oceano Atlântico e este cronista, todos mais jovens. O mar de Torres estava verde como nunca mais esteve. Via-se o fundo?

Via-se o fundo.

Víamos os nossos pés, embora a água estivesse pelo nosso pescoço, e como eram jovens os nossos pés. Havia algas no mar? Iodo, mães-d’água, siris, dejetos, náufragos, sereias? Não, a água estava límpida como nunca mais esteve. Os únicos objetos estranhos eram os nossos pés, e como isso faz tempo. Até que horas ficamos na água? Alguns anoiteceram dentro d’água e estariam lá até agora se não tivessem que voltar para a cidade, se formar, fazer carreira, casar, envelhecer, essas coisas.

Como o cronista explica sua aversão ao verão depois de tais lembranças? É que eu não gostava do verão. Gostava de ser mais moço.”

 

Claro que a maré de saudade do Verissimo me trouxe os deliciosos banhos da infância em Icaraí, os tatuís na areia, a bola de gomos coloridos, o Já-Já de coco … Mas, querem saber? Meu banho de mar perfeito aconteceu há pouco tempo, aqui em Itacoatiara.

Entre um compromisso e outro, resolvi dar um mergulhinho rápido na praia vazia das segundas-feiras. Cenário? Sol e azul em deslimite, mar dormindo, brisa leve, água transparente…

Amigos, foi mergulhar e emergir sorrindo. Simplesmente não conseguia desfazer a expressão. Quem me visse, diria que eu estava lembrando de algo engraçado. Que nada. Nem pensamento eu tinha. Apenas… sorria.

Agenda cancelada, saí caminhando pela orla, vagarosamente, de volta pra casa.

Dizem que é endorfina. Eu chamo de felicidade mesmo.

 

Itacoatiara (foto de Julie Buckley)

Itacoatiara (foto de Julie Buckley)

 

 

 

Outre

 

 

                                                            OUTRE

 

                                                                                                                      Annie Salager

 

                                                           Des fois, aussi,

                                                           tout irisée se

                                                           balade naïve

                                                           une bulle

                                                           en la fraîcheur

                                                           du vent,

                                                           pourquoi si beau

                                                           dehors oh

                                                           pourquoi enfermée

                                                           elle se dit

                                                           et explose

                                                           aussitôt

                                                           du plaisir

                                                           d`exploser

 

 

bolha de sabão

 

 

                                     ALÉM

 

                                                                                     Tradução de Adalberto de Oliveira Souza

 

                                    Às vezes, também,

                                   bem irisada

                                   vagueia ingênua

                                   uma bolha

                                   na aragem do vento,

                                   por que tão belo

                                   fora, oh

                                   por que aprisionada

                                   ela se diz

                                   e explode

                                   tão somente

                                   pelo prazer

                                   de explodir

 

 

 

Voltam os jasmins

 

         Selma Barcellos

Selma no Jardim de Luxemburgo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                          Há de haver algum recado

                                          Na floração desse jasmim

                                          Que cresce além-muros

                                          Perpassa fios tramados

                                          E me invade o quarto

                                          Assim.

 

                                         O que quer ele de mim?

                                         Que repense novos planos

                                         Alertar-me sobre enganos

 

                                         Ou me trazer a certeza

                                         De que está tudo aqui

                                         Agora:

                                         Seu perfume

                                         Esta paz

                                         Nossas auroras.

 

                                                                                             “No ar” , verão de 2012

 

 

 

 

 

Tempo

 

      Adalberto de Oliveira Souza

Adalberto 2 (2)

 

 

 

 

 

 

 

                                                           TEMPO

 

                                               A paisagem mostra

                                               e confronta o mundo

                                               e a gente.

                                               A estabilidade e o delírio

                                               Aparente e permanente.

 

                                               Mudanças não se evidenciam

                                               e tudo parece resplandecente

                                               numa manhã de sol escaldante.

 

                                               O recomeçar é bem mais

                                               que uma ordem

                                               é fatalidade

                                               irreversível e rarefeita.

                                               Alguma coisa se fará

                                               ainda que seja

                                               nada a fazer.

                                               Apesar de mim ou de nós

                                               mesmos

                                               Algo ocorre.

 

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