Posts in category "Colaboradores"

A poltrona

  

     Selma Barcellos

Selma 2

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Era tarde quando se levantou da poltrona favorita. Assistira a um belo filme francês, cuja trilha incluía Core Ngrato, música que adora, lera um pouco, recostara-se entregue a borboletas.

Interessante é que nunca saía dela sem uma grande decisão. Como agora, quando resolvera aproveitar o silêncio da casa, todos dormiam, e preparar crepes árabes de nozes e amêndoas para o café da manhã, receita com que o pai beirava o divino, e ela sempre errava a mão.

Quem sabe acertaria assim, à noite, na companhia de Chopin, das boxers, dos fantasmas amigos a olharem-na de soslaio…

Enquanto media o fermento, recordava a história daquela poltrona que atravessava décadas, mudanças, reformas, cores tantas, sem jamais ser mero objeto de cenário, mas palco de uma vida, no centro de um feixe de luz.

No primeiro ato, seus pais escolhem o melhor lugar para colocá-la na casa nova, a pequena bailarina dança sobre o forro de veludo (um pito) ou se esconde dos irmãos espremida entre o encosto e a parede (mais pito); a mãe se acomoda para ouvir suas sonatas ao piano; namora nela, e uma noite vê o galã levantar-se com uma caixinha nas mãos e um pedido no céu da boca…

Segundo ato, a jovem mãe ali amamenta os meninos, corrige provas e inventa palavras de encantar criança; sente o tempo mudar com as marés, as gaivotas e a floração dos jasmins; recosta-se e chora um tantinho com saudade dos rapazes, que foram morar fora, e – hélas – abraça a mãe idosa, memória ausente, sentadinha à espera de proteção.

Para o próximo ato, em pleno ensaio, antevê a vó palhaça, feita de gato e sapato (sem pitos), contando histórias para os netos na bagunça do seu coração.

Os crepes ficaram deliciosos. Quase os ‘verdadeiros’, disseram.

Pena que quando se acerta na vida o ponto do doce, tantos já não estejam mais ali para saboreá-lo conosco… – pensou enquanto observava o fio da calda de flor de laranjeira que, lentamente, vertia no prato.

 

 

A árvore siamesa

 

      Adalberto de Oliveira Souza

Adalberto 2 (2)

 

 

 

 

 

 

 

                                                                       A ÁRVORE SIAMESA

 

                                                           O amor começa pelo pé.

                                                           Pela raiz,

                                                           segura-se o vento

                                                           e abana-se

                                                           o tempo que paralisa

                                                           a perna

                                                           da cadeira a esfinge

                                                           mostra a direção,

                                                           a paraplégica roda

                                                           indica o fundo,

                                                           a cisterna,

                                                           onde a árvore submerge.

 

                                                           E sobe.

 

 

                        L’ARBRE SIAMOIS

 

L’amour commence par le pied,

                        par la racine

                        on rattache le vent

                        et on évente

                        le temps qui paralise

                        la jambe,

                        de sa chaise le sphinx

                        montre la direction,

                        la roue paraplégique

                        montre le fond,

                        la citerne,

                        ou l’arbre submerge.

 

                        Et monte.

 

árvores siamesas 3 (2)

 

 

 

Sobre a Virada

 

                   Bell Gama

bell (bandeira do Brasil)

 

 

 

 

 

 

 

 

Sobre a Virada… não sei se a minha opinão sobre a Virada Cultural importa muito. Mas tô um pouco engasgada. Vou ao evento desde a primeira edição. Apoio toda e qualquer iniciativa que levante o centro de cidade — local que escolhi para viver. Tenho amigos queridos (guerreiros) que trabalham nessas iniciativas. Por outro lado, já trabalhei também em veículos de comunicação de massa e sei como são feitas as coberturas. Há também jornalistas amigos (guerreiros) no meio. Já fui pauteira. Mandam-se os repórteres para os hospitais, postos policiais… Publica-se a foto de um show e buscam-se dados. Em meio de comunicação de massa, a linha é simples e a ênfase nos dados da violência é explicada da seguinte maneira: conte as estatísticas, dê fatos. Estatísticas são simplistas. Contam-se acidentes, mortes, assaltos. Não se contabilizam sorrisos. É assim e ponto 

Por outro lado (e há sempre um outro lado), há a cobertura feita pelas redes sociais (que ninguém mencionou). Acompanhei durante o tempo todo a cobertura no Twitter e no Instagram através das hashtags. O que vi nas redes foi uma Virada Cultural de gente feliz e ocupando o centro. Quem acompanhou a Virada Cultural por aí, viu uma virada diferente do que está sendo noticiada.

Diante da discrepância de opiniões, a minha é a seguinte: não dá para resolver os problemas de uma metrópole na Virada Cultural. Quem anda pelo centro, sabe o perigo que corre e não é porque é Virada Cultural que os problemas simplesmente somem. E para mim, a Virada existe para isso. Para tirar pessoas como eu, meu pai e minha irmã de suas casas e observar de perto como o centro está e como pode ser. Claro, fiquei com muito medo em alguns momentos. Assim como vi cenas lindas, vi cenas tristes. Mas, sinceramente, sabia que seria assim. Sei a cidade que moro e ao ir a Virada descobri mais um pouco dela. Para mim, a Virada serve para pôr foco em algo que muita gente não vê (ou finge que não). Por isso, a Virada Cultural é de suma importância e não pode ser analisada de maneira simples. Acho injusto jogar nas costas da Virada as críticas de toda uma cidade. Por isso, em relação a Virada, os questionamentos válidos são:

A segurança do evento pode melhorar? Todo mundo sabe que sim. É fácil fazer a segurança de um evento de 4 milhões de pessoas que quase nunca têm acesso a cultura, shows gratuitos, transporte 24 horas? Não.

A programação foi boa? Para mim, foi o melhor de todas as edições. Eclética, de qualidade, para todos.

O transporte durante o evento funcionou? Para mim sim, mas acho que ainda faltam bolsões com opção de táxi.

Falta sinalização? Muita. E essa é uma das maiores falhas da Virada. É difícil se localizar, chegar no outro palco, achar o caminho mais próximo, encontrar opções de banheiro, restaurantes, alternativas. 

Crítica ao que é da Virada. Aproveite o resto que você conheceu, para questionar a sua cidade e seus próximos prefeitos.

 

Bell Gama

 

 

viradacultural 2013

 

 

 

O vendedor de papagaios

 

 

      Annibal Augusto Gama

ANNBAL~1

 

 

 

 

 

 

Os cofres da Prefeitura Municipal estavam vazios, porque os contribuintes não recolhiam os impostos. O dinheiro arrecadado mal dava para pagar o funcionalismo. O Prefeito convocou os fiscais, esbravejou, e ordenou-lhes que tratassem de cobrar os imposto de todo o mundo.

O vendedor de papagaios achava-se na Avenida, vendendo os seus: “Comprem o papagaio falador! Compre este que fala tudo, e é barato!” Os papagaios, no poleiro, mantinham-se calados e arrepiados. E veio vindo, sorrateiramente, um fiscal da Prefeitura, que agarrou o homem. “Cadê o alvará? Cadê o comprovante de pagamento de imposto?” O homem se encolheu, diante dos papagaios assustados. “Que alvará? Que imposto?” Mas, seguro pela manga da camisa, foi levado aos trancos para diante do Prefeito. “Aqui está um devedor relapso!” O Prefeito Municipal olhou o vendedor de papagaios, xingou e protestou: “É por causa de gente como você que a cidade não prospera! Gente que não paga imposto e não cumpre as suas obrigações!”

E mandou buscar o regulamento de impostos, que foi aberto sobre a sua mesa. Correu a ponta do dedão sobre a lista, folha por folha, e não achou nenhum imposto sobre venda de papagaios. Uma falha, uma omissão imperdoável… Como fazer?

Vai então, teve uma inspiração e bateu uma palmada na cabeça:

— Verdura não é verde? Alface, almeirão… Papagaio também não é verde? Cobre-se do sujeito o imposto sobre verduras!”

Assim, o vendedor de papagaios pagou o imposto sobre verduras e retornou para a Avenida a vender os seus papagaios.

 

vendedor de papagaio

 

 

 

Acordo

 

Brenno Augusto Spinelli Martins

Brenno e o violão

 

 

 

 

 

 

 

                                       ACORDO

 

                              Não me olhe

                              Com esse olhar de cobre.

                              Não me cobre

                              Me cobre

                              Estou com frio

                              Vazio

                              Vadio

                              Amargo

                              Amanhã te pago

                              Te juro

                              Com juro

                              Amanhã me acorde

                              A manhã me acorda

                              ― D’accord?

 homem dormindo

 

 

 

Poema velado

 

      Selma Barcellos

Selma 2 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                                      De tangerina

                                                                      Canela

                                                                      Açafrão

                                                                      ― e crepúsculo ―

                                                                      Perfuma-se.

                                                                      De brilhos

                                                                      Miçangas

                                                                      Contas

                                                                      ― e algemas ―

                                                                      Adorna-se.

                                                                      Sob o véu

                                                                      No chão

                                                                      ― que lhe impuseram ―

                                                                      A mulher

                                                                      Não se sabe.

                                                                      Aquiesce e ora.

                                                                      Deseja. E cora.

 

 

                                       

Adán

 

 

                      Alfredo Fressia*

                    (Foto de Rogelio Cuéllar)

 Alfredo Fressia

 

 

 

 

 

 

                                                 ADÁN

 

                                                                                                  Alfredo Fressia

 

                        Cuéntanos, padre Adán, ¿cómo se nace puro?

                        ¿Amaste a tu mujer? ¿Cómo es tener virtudes?

                        Yo no tengo ninguna y por eso pregunto,

                        ¿a qué olía el Edén? ¿Era su fruto dulce?

 

                        ¿Por qué estaba prohibido? Un jardín con clausuras

                        fue un mal comienzo, Adán. ¿Serías como un niño?

                        ¿Y por eso eras bello? ¿Tuviste un alma justa,

                        ardiente el corazón, prudente el apetito?

 

                        ¿Para qué te crearon? ¿Para mostrar al mundo

                        humildad, diligencia, templanza, compasión,

                        castidad (y la Fuerza en sentido profundo)?

                        ¿Y acabar en pecado?, ¿caer en tentación?

 

                        ¿No sabía tu padre que no resistirías?,

                        tan luego Él, tan sabio, que todo lo conoce.

                        Cuéntanos, padre Adán, ¿comiste con codicia

                        los frutos del pecado? ¿Recuerdas sus sabores?

 

                        Yo sé que te escapaste de velar una infancia

                        perdida en la memoria. Perdiste un paraíso

                        con un árbol cargado de imposibles manzanas,

                        y unos ríos bucólicos. ¿Tal vez sentiste alivio?

 

                        Hoy escribo estos versos y no espero respuestas,

                        son preguntas retóricas, no saldrá una mujer

                        ni un hombre ni un andrógino con sus falsas promesas

                        como de tu costilla tan llena de altivez.

 

                        Pero sé que estás solo, como se está en pecado,

                        materia de mis versos, nostalgia del Edén,

                        eres padre y hermano, el primer humillado

                        y siempre, siempre, siempre, el último a nacer.

 

 

                        ADAM

 

                                                              Tradução de Annie Salager

 

Conte-nous, père Adam, comment on naît pur ?

Tu as aimé ta femme ? C’est comment avoir des vertus?

Moi je n’en ai aucune et pour ça je te demande,

à quoi il sentait l’Eden ? Est-ce que son fruit était doux ?

 

Pourquoi il était défendu ? Un jardin clôturé

ce fut un mauvais début, Adam. Peut-être tu étais comme un  enfant ?

C’est pour ça que tu étais beau ? As-tu eu une âme juste,

ardent le cœur, prudent l’appétit ?

 

Pourquoi on t’a créé ? Pour montrer au monde

humilité, diligence, tempérance, compassion,

chasteté (et la Force au sens profond) ?

Et  finir en péché, succomber à la tentation ?

 

Ton père ignorait-Il que tu ne résisterais pas ?

tellement Lui, tellement sage, connaissant tout.

Conte-nous, père Adam, tu as mangé avec convoitise

les fruits du péché ? Tu te souviens de leurs saveurs ?

 

Je sais que tu as échappé à veiller une enfance

perdue dans la mémoire. Tu as perdu un paradis

avec un arbre pesant de pommes impossibles,

et des rivières bucoliques. Ça t’a peut-être soulagé?

 

Aujourd’hui j’écris ces vers et n’attends pas de réponses,

ce sont des questions rhétoriques, il n’en sortira ni une femme

ni un homme ni un androgyne avec leurs fausses promesses

comme de ta côte si pleine de hauteur.

 

Mais je sais que tu es seul, comme on l’est dans le péché,

matière de mes vers, nostalgie de l’Eden,

tu es père et frère, le premier humilié

et toujours, toujours, toujours, le dernier à naître.

 

 

                                                           ADÃO

 

                                                                                Tradução de Adalberto de Oliveira Souza

 

                                               Conta-nos, pai Adão, como se nasce puro?

                                               Amaste tua mulher? Como é ter virtudes?

                                               Eu não tenho nenhuma e por isso pergunto,

                                               que odor tinha o Éden? Era seu fruto doce?

 

                                               Por que era proibido? Um jardim com clausuras

                                               foi um mal começo, Adão. Fosses talvez como um menino?

                                               Por isso que eras belo? Tiveste uma alma justa,

                                               o coração ardente, o apetite prudente?

 

                                               Para que te criaram? Para mostrar ao mundo

                                               humildade, empenho, temperança, compaixão,

                                               castidade (e a Força, no sentido profundo)?

                                               E acabar no pecado? Sucumbir à tentação?

 

                                               Teu pai não sabia que não resistirias

                                               logo Ele, tão sábio, e conhecendo tudo?

                                               Conta-nos, pai Adão, comeste avidamente

                                               os frutos do pecado? Lembras dos seus sabores?

 

                                               Sei que conseguiste não ter de velar uma infância

                                               perdida na memória. Perdeste um paraíso

                                               com uma árvore repleta de maçãs impossíveis

                                               e alguns rios bucólicos. Talvez sentiste alívio?

 

                                               Escrevo hoje esses versos e não espero respostas,

                                               são perguntas retóricas, delas não sairão nenhuma mulher

                                               nenhum homem nenhum andrógino com promessas falsas

                                               como de tua costela tão cheia de altivez.

 

                                               Porém sei que estás só, como estamos em pecado

                                               matéria de meus versos, nostalgia do Éden,

                                               és pai e irmão, o primeiro humilhado

                                               e se sempre, sempre, sempre, o último a nascer.

 

Adão e Masaccio-TheExpulsionOfAdamAndEveFromEden-Restoration Cappella_brancacci,_Cacciata_di_Adamo_ed_Eva_(restaurato),_Masaccio

“Adão e Eva expulsos do Paraíso”, Masaccio

(Antes e depois do restauro, em que foram retiradas as folhas postas para cobrir a nudez das figuras e que não eram da pintura original)

 

 

 

*Nota do Editor:      O poeta Alfredo Fressia já foi apresentado aqui

Vale acrescentar que atualmente é o editor da revista de poesia “La Otra” (México) e publicou mais recentemente no Brasil, pela Lumme Editor, “Canto desalojado” (2010), “El futuro” (2012) e “Destino Rua Aurora” (2012).

 

 

O dito pelo não dito

 

       Annibal Augusto Gama

ANNBAL~1

 

 

 

 

 

 

Ulisses estava compromissado com Maria Amélia, e até já se marcara a data para o casamento. Mas, um mês antes, ela lhe disse, devolvendo-lhe a aliança retirada do anular da mão direita: “Cheguei à conclusão de não quero me casar. Você me desculpe, mas está rompido o nosso compromisso”.

Ele também retirou a sua aliança do dedo e, cheio de decepção, mas mantendo o seu orgulho masculino, foi embora.

Não se tornou um ébrio e na bebida não buscou esquecer. Dedicou-se com furor ao trabalho, aos empreendimentos e, dois anos depois, estava rico, muito rico.

Via Maria Amélia nas ruas, de vez em quando, mas não lhe tirava o chapéu, porque não o usava. Disputado desde então por outras moças casadoiras, rejeitava a todas com delicadeza. Ia ao bordel da Ambrosina duas vezes por semana, e preferia as putas. Com elas, paga-se e vai-se embora.

Sua mãe, que o criara com mimo, dizia-lhe: “Você precisa casar-se, para assentar a cabeça. Principalmente agora, que está rico. Tire da cabeça aquela Maria Amélia” 

Ambos permaneceram solteiros.

Quando lhe informaram que Maria Amélia estava doente, muito doente, e talvez desenganada, ficou abalado. Deveria visitá-la?

Afinal resolveu ir à casa dela. Achou-a quase deitada numa poltrona de inclinar, muito pálida, os olhos fundos, magra, e embrulhada numa manta grossa. Ela tinha então trinta e dois anos e ele chegava aos quarenta.

— Que é isso? Trate de se curar, você ainda tem muitos anos pela frente.

Ela sorriu e abanou a cabeça.

— E você, por que ainda não se casou? — ela quis saber.

— Acho que tenho vocação para celibatário.. 

Ela tornou a sorrir e fez-lhe outra pergunta inesperada:

— Ainda guarda as alianças?

Ele ficou vermelho e encabulado. Sim, guardava o par de alianças no bolso, desde aquele remoto rompimento.

 — Deixe-me ver. 

Ulisses retirou as alianças do bolsinho do paletó. Maria Amélia enfiou uma delas no anular da mão esquerda, e a outra no mesmo dedo dele. 

— Agora estamos casados, até que a morte nos separe…

Não foi preciso padre para formalizar o casamento. Isto é, o padre veio alguns dias depois para dar a extrema unção a Maria Amélia.

E assim, viúvo sem ser viúvo, Ulisses permaneceu sozinho pelo resto de sua existência. E mandou erguer, no túmulo de Maria Amélia, um anjo de asas abertas, prestes a alçar voo.

 

 M2081S-1029

 

 

Nós

 

 

 Brenno Augusto Spinelli Martins

Brenno e o violão

 

                                                          

 

 

 

 

 

                                                                       NÓS

 

                                               Quem somos nós? Somos nós…

                                               nós que nós mesmos nos demos

                                               e a nossa missão na vida

                                               é que os nós, nós desatemos.

 

                                               Nostradamus, nos antanhos,

                                               nem de leve suspeitava

                                               que o mundo um dia acabava…

                                               mas acabava em nós.

 

                                               Nó cego, em pingo d’água,

                                               nó em fumaça, sem pontas,

                                               nó marinheiro, carioca,

                                               nó careca, nó de trança.

 

                                               Nó da madeira, barreira

                                               para o artesão competente;

                                               nódoa de bananeira

                                               mancha a camisa da gente.

 

                                               Nó de tripa, nó no peito,

                                               no nosocômio está cheio!

                                               Nostalgia, entretanto,

                                               é nó que nunca é desfeito.

 

                                               Nó na garganta, nem tanto,

                                               é um nó na emoção,

                                               pela palavra não dita,

                                               escondida no porão.

 

                                               E quando chegam as dores

                                               dos nós arrebatadores,

                                                puxam-se as pontas a esmo,

                                               pede-se ajuda em vão…

 

                                               Quem são os desatadores

                                               desses nós?

                                                           —     Somos nós mesmos !

 

nós de dedos

 

 

Com a palavra toda

 

     Selma Barcellos

Selma 2

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Para quem, como a blogueira, conserva o prazer de escrever à mão, aliás, com o corpo todo, sem mediação, no terreno baldio da folha de papel, não encontro  ilustração mais perfeita para o nascimento de um texto, passados os pontapés iniciais do embate com a inspiração, os alarmes falsos… Em algum momento a palavra gestada nos chega. E nos alenta.

Sobre o ato hoje quase lúdico de manuscrever, o poeta Armando Freitas Filho se justifica dizendo que “a máquina de escrever, o computador estão sempre passando a limpo, estão ‘entre’ o que se escreve e a mão.” Indagado se o lápis e a caneta também não estariam, responde: “Mas quem diz que escrevo com lápis e caneta? Escrevo, isso sim, com o dedo em riste.” Ah, poeta… E completa:

 

                                               A letra tremida da infância

                                               ou da mão travada pela idade

                                               quando impressas, não passam

                                               a aceleração do sentimento

                                               nem o avanço da paralisia.

 

                                               Só o leitor pode recuperar

                                               o bastidor da sensação

                                               que se gastou num polo

                                               ou no outro, embalsamada

                                               na letra morta de imprensa.

 

Jamais supérfluos, não me faltem o bloquinho e a Bic de ponta fina aonde for. Mania doida de rascunhar, desenhar, esboçar, destacar vida que passa e que de algum lugar me acena. Ao alcance das mãos. Assim.