Posts in category "Tom Gama"

Samba do Adoniran

 

 Ernesto Paulelli com a partitura do “Samba do Arnesto” 

Arnesto (Foto de Leonardo Soares-Estadão)

 (Foto de Leonardo Soares/Estadão)

 

 

Eles se conheceram nos idos de 1938, nos estúdios da Rádio Record, onde ambos trabalhavam.

 — Muito prazer, meu nome é Ernesto Paulelli.

— Ernesto? Mas Ernesto não existe! Seu nome é “Arnesto”.

Algum tempo depois, Adoniram disse ao já então amigo:

— Arnesto, você sabe que o seu nome dá samba?

Um dia lhe apresentou o samba, que se tornaria um dos seus maiores sucessos.

O Arnesto sempre foi um gentil-homem, porém nunca convidou Adoniran e o resto do pessoal para um samba em sua casa (aliás, ele morava na Mooca e não no Brás). E se tivesse convidado, jamais lhes daria o cano.

Mas não teve jeito. Ficou com a má fama.

Um dia reclamou com Adoniram, que lhe respondeu com a voz rouquenha:

— Arnesto, se não tivesse mancada, não tinha samba!

Conformou-se, e seguiram grandes amigos.

Adoniran se foi em 1982 e agora convidou o amigo Arnesto para um samba, que desta vez não será no Brás, mas no Paraíso.

 

 

“Samba do Arnesto” (Adoniran Barbosa), com ele

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=plOezZ6936Y&hd=1[/youtube]

 

 

Luzidio Adiós

 

Paco de Lucía (Francisco Sánchez Gómez )

* 21 de dezembro de 1947

+26 de fevereiro de 2014

 

“Tico-Tico no Fubá” (Zequinha de Abreu), com Paco de Lucía

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=k6Nw0Hm_wTM[/youtube]

 

 

 

Estratégias de Abismo

 

 

                                        Estabeleço estratégias

                                        para conviver

                                        com o abismo.

 

                                         Ele me atrai

                                         eu o traio

                                         desvio

                                         negaceio

                                         adio.

 

                                         Quando parto

                                         no absurdo

                                                                             flutuo

                                         infarto de vazio.

 

 

 

 

 

Tenho passado tão mal…

 

 

 

“O orvalho vem caindo” (Noel Rosa / Kid Pepe), com Carlos Lyra e Verônica Sabino

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=SB8WGC_2qno[/youtube]

 

 

 

Fadinha minha

 

fada-sininho 

 

 

Na hora do almoço, Manu chega para filar a boia, antes de ir para a escola.

Encalorada, irrompe pela saleta da TV, onde estou com o ar condicionado à toda.

Pula no meu colo:

─ Babu, quero ver Peter Pan!

Anda apaixonada pelo tal do Peter e assiste repetidamente aos filmes e desenhos dele. Sua festa de aniversário de 4 anos vai ser na Terra do Nunca.

Súbito, enquanto revemos o filme, puxa meu rosto e me dá uma lambida numa bochecha, na outra, no queixo e na testa.

Sinto-me um picolé de groselha, docemente saboreado, e derretendo…

Sem precisar de asas ou pó de pirlimpimpim, o vô avoa pela Terra do Sempre.

 

 

 “Fico assim sem você” ( Abdullah / Cacá Moraes ), com Adriana Partimpim

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=iojYDSjKK00[/youtube]

 

 

 

Antes tarde

 

crepúsculo 

 

                                                           Da fila nunca fui o primeiro

                                                           tantas vezes o último

                                                           mais me aprazia o meio.

 

                                                           A lição nunca soube por inteiro

                                                           e o que aprendia num dia

                                                           no outro pouco valia.

 

                                                           A fila andou e à margem do caminho

                                                           tardo a ver a tarde que arde.

                                                           Os primeiros já vivem a manhã que não veio.

 

 

“Estrela da Tarde” ( José Carlos Ary dos Santos / Fernando Tordo), com António Zambujo e Yamandu Costa

[youtube] http://www.youtube.com/watch?v=qL8PaoMtYBk#t=45&hd=1[/youtube]

 

 

 

Que maravilha viver…

 

 

“Se todos fossem iguais a você” (Vinicius de Moraes / Tom Jobim), com Gal Costa

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=RbNDo5PGRbo[/youtube]

 

 

 

Paisagem afetiva

 

         Selma Barcellos

Selma no Jardim de Luxemburgo

 

 

 

 

 

 

 

 

Rubem Braga, considerado por tantos o maior cronista brasileiro depois de Machado de Assis, urbano e cosmopolita por excelência, gostava de escrever suas crônicas vendo e sentindo a paisagem da infância, a bela Cachoeiro de Itapemirim. Para isso, cultivava um jardim suspenso em sua cobertura, na Barão da Torre, Ipanema, onde, em meio a árvores frutíferas e passarinhos, curtia a vida e, entre um uisquinho e outro, reunia a fina flor literária do Rio de então – os amigos Otto Lara Rezende, Fernando Sabino, Vinicius de Moraes, para citar alguns.

Assim foi que, dia desses, sentindo falta da Niterói que já não há, tal qual Rubem, tentei compor a minha paisagem afetiva, aquela que me levaria de volta ao aconchego, na mala bastante saudade – o casarão da minha infância e juventude, construído por meus pais para viverem belíssima união.

Eis, então, queridos, a cidade cenográfica que gostaria de avistar diretamente da janela da redação do blog, aqui em Itacoá. Aos saudosistas, a recordação. Aos jovens, um exercício de imaginação:

A minha antiga rua com aquele cineminha que rolava ao ar livre quando a noite caía. As luzes dos postes cobertas por um capuz preto e eu, criança, sentada no chão para assistir às mais incríveis comédias e filmes de mocinho, olhos assombrados pela emoção e pelo medo do breu que me cercava…

O quintal, o do casarão mesmo, com sua imensa amendoeira em cujo andar mais alto havia uma casa de madeira, esconderijo perfeito. Aquele gramado onde eu tocava o terror no jogo de bola de gude dos meninos até ser expulsa da área. Aquele espaço mágico onde, de bailarina e tudo, entrava nas batalhas campais de mamona no estilingue contra os “inimigos” da vizinhança…

A praia com seu trampolim (só para admirar os marrentinhos aqualoucos), as palmeiras e os tatuís na areia, as carrocinhas amarelas da Kibon vendendo Jajá de coco pela orla…

A escola, a minha primeira, abraçada ao porta-caderno, me ‘achando’, indo e vindo no pequeno lotação com as amigas de trocar segredos, zoando, na boa, as meninas da escola vizinha que entravam depois de nós na condução…

Pelas ondas do ar, viria o som da rádio de maior audiência apresentando as 10 melhores músicas do dia, uma de cada cor, e eu só soltando a voz (desafinada desde sempre) com Sergio Endrigo, Charles Aznavour, Beatles, Roberto. Volare, volare…

O campo, aquele de santo nome, ora verdinho, ora florido, pois que assim foram os primeiros beijos que lá provei, pecado algum…

Os clubes, os das domingueiras e bailes de formatura, com os gatos de smoking tirando a gente para dançar, ao som de Moonlight Serenade

A luz seria a daquele quarteirão feericamente iluminado para as festas juninas da maior escola da cidade. Cheirinho de milho, churrasco no palito, maçã do amor e barraca de mensagens, onde já se agendavam futuros casamentos…

A baía, menos poluída, cortada somente pelas imensas barcaças que me levavam cedinho para a PUC, brisa da manhã no rosto, divertindo-me com o pessoal que cochilava batendo cabeça, sendo acordado no susto por algum engraçadinho, ao final da travessia…

E haveria carnaval… Ah, o carnaval da rua ao lado, lindamente decorada, com a gente ouvindo “me dá um dinheiro aí” sem ser assalto. A galera com a mesma fantasia, formando um bloco feliz, recolhendo confetes pelo chão e tornando a jogá-los para o alto, serpenteando por entre mascarados misteriosos e gentis…

Mas chega de saudade. A realidade é que, apesar do breu das ruas que insiste em nos rodear, ma-ra-vi-lha viver!

 

P.S.: Um dia, na praia de Icaraí, um maluquinho pulou do trampolim aí da foto e caiu bem no meio de um barquinho a remo que passava. Pastelão, senhores!

 

TRAMPOLIM-2