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Pãezinhos, bits e bytes

 

 

pao-frances

 

Todas as manhãs você vai até à padaria da esquina e compra dez pãezinhos. Volta depressa para casa, doido para comer aquela delícia quentinha e crocante com manteiga e um bom café acabado de passar.

Você tem confiança no dono da padaria, de quem é quase amigo, trocam sempre um dedo de prosa sobre futebol, mulher, política, custo de vida, os últimos acontecimentos. Por isso nunca se preocupa em conferir a quantidade de pães que lhe entregam dentro de um saquinho.

Um belo dia, fim de semana prolongado, você resolve fazer um churrasco em casa e encomenda cem pãezinhos. Quando vai apanhá-los, recebe dois sacos minguados. Ao regressar, resolve conferir e verifica que em cada saquinho havia apenas 10 pãezinhos.

Volta ao estabelecimento para reclamar e, estupidificado, fica sabendo que o dono da padaria está absolutamente dentro da lei e das normas regulamentares fixadas pela Anapandi (Agência Nacional do Pão Nosso de Cada Dia). Segundo tais regras, ele estava obrigado a lhe entregar de cada vez no mínimo 20% dos pãezinhos e cumprir a média mensal de fornecer 60% do que foi comprado .

─ Ora, ora, meu caro freguês, é assim também com a Anatel (Agência Nacional de Telempulhação) e as empresas de telecomunicações. Mas a partir de 1º de novembro tudo vai melhorar: vamos ter de entregar no mínimo 30% do que foi adquirido e manter a média mensal de 70%! (veja aqui)

Certa feita em Portugal, ao indagar se eles faziam muita piada conosco, como nós por aqui com eles, meu interlocutor respondeu prontamente: “E precisa?”

Não, não precisa.

 

banda larga

 

 

 

Finitude

 

 

flor ressequida

 

                                                         FINITUDE

 

                                               No dia de finados

                                               lá se vão os semoventes

                                               com ares penitentes

                                               em visita aos residentes.

 

                                               Pelas aléias

                                               dos cemitérios

                                               sérios semblantes

                                               flores sequiosas

                                               que murcham ao sol

                                               velas vacilantes

                                               ardendo em prol

                                               preces e lamentos

                                               aos quatro ventos.

 

                                                Melhor deixar

                                                o morto em paz

                                                absorto

                                                no corpo que se desfaz.

 

                                                O morto mudo

                                                liberto

                                               enfim de tudo.

 

 

 

Resíduos

 

 

 

(…) Pois de tudo fica um pouco.

 Fica um pouco de teu queixo

no queixo de tua filha.

 De teu áspero silêncio

um pouco ficou, um pouco

nos muros zangados,

 nas folhas, mudas, que sobem.

 

Ficou um pouco de tudo

no pires de porcelana, dragão partido, flor branca,

 ficou um pouco

de ruga na vossa testa,

retrato.

 

(…) E de tudo fica um pouco.

 Oh abre os vidros de loção

e abafa

o insuportável mau cheiro da memória.

 

(Resíduo)

 

drummond assinatura

 

 

 

(…) Quem te esperou do outro lado?

Tua filha, ou o anjo torto

que te acompanhou de esguelha

e te deixou na contramão?

Pai morto, mãe morta, irmão

morto, e as namoradas todas

te acenando o mesmo adeus.

Mas se a vida é impraticável,

construíste um elefante

de papel e de ternura

que no dorso te levou

para a fazenda do ar.

 

(…) Cansado de ser moderno

agora és eterno

e apenas contemporâneo

de ti mesmo. Nem teu corpo

veste mais o paletó,

a gravata. Os teus óculos

devassam a bruma, a broma

da Máquina do Mundo,

que virou um claro-enigma.

 

(Resíduo,“Dez anos da morte de Drummond”, in “Herança Jacente”) 

Annibal assinatura 2

 

 

 

 

Drummond 111

 

 

A 31 de outubro de 1902, em Itabira, MG, nascia o dono de uma das mais amadas e reconhecidas líricas de nosso país.

 

Estrela Binária e  Bloghetto no Dia D de Drummond.
Mundo vasto…

 

 

 

Declaração de amor

 

 

“Declaração de Amor”, Carlos Drummond de Andrade

[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=aOJRX-Cy5pA[/youtube]

 

 

DECLARAÇÃO DE AMOR

 

Minha flor, minha flor, minha flor, minha flor.

Minha prímula, meu pelargônio, meu gladíolo, meu botão-de-ouro.

Minha peônia, minha cinerária, minha calêndula, minha boca-de-leão.

Minha gérbera.

Minha clívia.

Meu cimbídio.

Flor, flor, flor.

Floramarílis, floranêmona, florazálea.

Clematite minha.

Catléia, delfínio, estrelítzia.

Minha hortensegerânea.

Ah, meu nenúfar, rododendro e crisântemo e junquilho meus.

Meu ciclâmen, macieira-minha-do-japão.

Calceolária minha.

Daliabegônia minha, forsitiaíris, tuliparrosa minhas.

Violeta… Amor-mais-que-perfeito.

Minha urze.

Meu cravo-pessoal-de-defunto.

Minha corola sem cor e nome no chão de minha morte.