Posts in category "Tom Gama"

Quem (en)cantou não está mais aqui…

 

 

“Olhando meu navio

O impaciente capataz

Grita da ribanceira

Que navega pra trás

No convés, eu vou sombrio

Cabeleira de rapaz

Pela água do rio

Que é sem fim

E é nunca mais”

(“Xote de Navegação”, Chico Buarque / Dominguinhos)

 

 

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=TLTlqwk78no[/youtube]

 

 

“Nós aprendemos

Palavras duras

Como dizer perdi, perdi

Palavras tontas

Nossas palavras

Quem falou não está mais aqui”

(“Tantas palavras”, Chico Buarque / Dominguinhos)

 

 

 

Dans mon île

 

 

Consta que esta canção teria sido precursora da Bossa Nova, e que Tom Jobim nela encontrou o caminho a seguir.

E o barquinho?

 

 

“Dans mon île” (Henri Salvador / M. Pon), com Henri

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=JDzz2KGuyH0#at=147[/youtube]

 

 

Dans mon île

Ah comme on est bien

Dans mon île

On n’fait jamais rien

On se dore au soleil

Qui nous caresse

Et l’on paresse

Sans songer à demain

Dans mon île

Ah comme il fait doux

Bien tranquille

Près de ma doudou

Sous les grands cocotiers qui se balancent

En silence, nous rêvons de nous.

 

Dans mon île

Un parfum d’amour

Se faufile

Dès la fin du jour

Elle accourt me tendant ses bras dociles

Douce et fragile

Dans ses plus beaux atours

Ses yeux brillent

Et ses cheveux bruns

S’éparpillent

Sur le sable fin

Et nous jouons au jeu d’Adam et Eve

Jeu facile

Qu’ils nous ont appris

Car mon île c’est le Paradis.

 

 

 

Valsinha (quase “Valsa hippie”)

 

 

 

“Valsinha” (Vinicius de Moraes / Chico Buarque), com Chico

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=6u4FK_Z5298[/youtube]

 

Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito

de sempre chegar

Olhou-a de um jeito muito mais quente do que sempre

costumava olhar

E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito

de sempre falar

e nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto

convidou-a pra rodar

Então ela se fez bonita como há muito tempo

não queria ousar

Com seu vestido decotado cheirando a guardado

de tanto esperar

Depois os dois deram-se os braços como há muito

tempo não se usava dar

E cheios de ternura e graça foram para a praça

e começaram a se abraçar

E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda

despertou

E foi tanta felicidade que toda cidade se iluminou

E foram tantos beijos loucos,

Tantos gritos roucos como não se ouvia(m) mais

Que o mundo compreendeu

E o dia amanheceu

Em paz

 

 

 

A arte do encontro VII

 

 

 vinicius, chico, tom e manuel bandeira

 

Chico Buarque conta que conheceu Vinicius de Moraes como amigo do pai, Sergio Buarque de Holanda, e tinha por ele a reverência que os mais novos costumavam ter com os mais velhos.

Só bem depois, quando Chico começou a aparecer como compositor e cantor é que as relações entre Vinicius e ele se estreitaram, acabaram parceiros e até compadres.

“Valsinha” é uma das canções mais belas da parceria, em que o poetinha fez a melodia e Chico, a letra.

Vinicius não resistiu a dar alguns pitacos na letra que Chico lhe enviou, entre os quais o título da canção: “Valsa hippie”.

A deliciosa troca de cartas (e farpas) entre os dois revela que Chico, apesar do respeito e da admiração por Vinicius, já havia adquirido confiança e intimidade suficientes para contrariá-lo. E me parece que a razão, no caso, estava com Chico.

 

 

DE VINÍCIUS DE MORAES PARA CHICO BUARQUE

 

Mar del Plata, 24 de janeiro de 1971

 

Chiquérrimo,

 

Dei uma apertada linda na sua letra, depois que você partiu, porque achei que valia a pena trabalhar mais um pouquinho sobre ela, sobre aqueles hiatos que havia, adicionando duas ou três idéias que tive. Mandei-a em carta a você, mas Toquinho, com a cara mais séria do mundo, me disse que Sérgio morava em Buri, 11, e lá se foi a carta para Buri, 11.

Mas, como você me disse no telefone que não tinha recebido, estou mandando outra para ver se você concorda com as modificações feitas.

Claro que a letra é sua, e eu nada mais fiz que dar uma aparafusada geral. Às vezes o cara de fora vê melhor essas coisas. Enfim, porra, aí vai ela. Dei-lhe o nome de “Valsa hippie”, porque parece-me que tua letra tem esse elemento hippie que dá um encanto todo moderno à valsa, brasileira e antigona. Que é que você acha? O pessoal aqui, no princípio, estranhou um pouco, mas depois se amarrou na idéia. Escreva logo, dizendo o que você achou.

 

 

DE CHICO BUARQUE PARA VINÍCIUS DE MORAES

 

Caro poeta,

 

Recebi as duas cartas e fiquei meio embananado. É que eu já estava cantando aquela letra, com hiato e tudo, gostando e me acostumando a ela. Também porque, como você já sabe, o público tem recebido a valsinha com o maior entusiasmo, pedindo bis e tudo. Sem exagero, ela é o ponto alto do show, junto com o “Apesar de você”. Então dá um certo medo de mudar demais. Enfim, a música é sua e a discussão continua aberta. Vou tentar defender, por pontos, a minha opinião. Estude o meu caso, exponha-o a Toquinho e Gesse, e se não gostar foda-se, ou fodo-me eu.

“Valsa hippie” é um título forte. É bonito, mas pode parecer forçação de barra, com tudo que há de hippie por aí. “Valsa hippie” ligado à filosofia hippie como você a ligou, é um título perfeito. Mas hippie, para o grande público, já deixou de ser filosofia para ser a moda pra frente de se usar roupa e cabelo. Aí já não tem nada a ver. Pela mesma razão eu prefiro que o nosso personagem xingue ou, mais delicado, maldiga a vida, em vez de falar mal da poesia. A sua solução é mais bonita e completa, mas eu acho que ela diminui o efeito do que se segue. Esse homem da primeira estrofe é o anti-hippy. Acho mesmo que ele nunca soube o que é poesia. É bancário e está com o saco cheio e está sempre mandando sua mulher à merda. Quer dizer, neste dia ele chegou diferente, não maldisse (ou “xingou” mesmo) a vida tanto e convidou-a pra rodar.

“Convidou-a pra rodar” eu gosto muito, poeta, deixa ficar. Rodar que é dar um passeio e é dançar. Depois eu acho que, se ele já for convidando a coitada para amar, perde-se o suspense do vestido no armário e a tesão da trepada final. “Pra seu grande espanto”, você tem razão, é melhor que “para seu espanto”. Só que eu esqueci que ia por itens.

Vamos lá: Apesar do Orestes (vestido de dourado é lindo), eu gosto muito do som do vestido decotado. É gostoso de cantar “vestidodecotado”. E para ficar dourado, o vestido fica com o acento tendendo para a primeira sílaba. Não chega a ser um acento, mas é quase. Esse verso é, aliás, o que mais agrada, em geral. E eu também gosto do decotado ligado ao “ousar” que ela não queria por causa do marido chato e quadrado.

Escuta, ô poeta, não leva a mal a minha impertinência, mas você precisava estar aqui para ver como a turma gosta, e o jeito dela gostar dessa valsa, assim à primeira vista. É por isso que estou puxando a sardinha mais para o lado da minha letra, que é mais simplória, do que pelas suas modificações que, enriquecendo os versos, talvez dificultem um pouco a compreensão imediata. E essa valsinha tem um apelo popular que nós não suspeitávamos.

Ainda baseado no argumento acima, prefiro o “abraçar” ao “bailar”. Em suma, eu não mexeria na segunda estrofe. A terceira é a que mais me preocupa. Você está certo quanto ao “o mundo” em vez de “a gente”. Ah, voltando à estrofe anterior, gostei do último versos onde você diz “e cheios de ternura e graça” em vez de “e foram-se cheios de graça”. Agora, estou pensando em retomar uma idéia anterior, quando eu pensava em colocá-los em estado de graça. Aproveitando a sua ternura, poderíamos fazer “Em estado de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar”. Só tem o probleminha da junção “em-estado”, o “em-e” numa sílaba só. Que é o mesmo problema do “começaram-a”. Mas você mesmo disse que o probleminha desaparece dependendo da maneira de se cantar. E eu tenho cantado “começaram a se abraçar” sem maiores danos.

Enfim, veja aí o que você acha de tudo isso, desculpe a encheção de saco e responda urgente.

Há um outro problema: o pessoal do MPB-4 está querendo gravar essa valsa na marra. Eu disse que depende de sua autorização e eles estão aqui esperando.

Eu também gostaria de gravar, se o senhor me permitisse, por que deu bolo com o “Apesar de você”, tenho sido perturbado e o disco deixou de ser prensado. Mas deu para tirar um sarro. É claro que não vendeu tanto quanto a “Tonga”, mas a “Banda” vendeu mais que o disco do Toquinho solando “Primavera”.

Dê um abraço na Gesse, um beijo no Toquinho e peça à Silvana para mandar notícias sobre shows etc. Vou escrever a letra como me parece melhor. Veja aí e, se for o caso, enfie-a no ralo da banheira ou noutro buraco que você tiver à mão.

 

 

 

A luz difusa do abajur lilás…

 

 

“Que será

Da luz difusa do abajur lilás

Se nunca mais vier a iluminar

Outras noites iguais?”

 

“Que será?” (Marino Pinto / Mário Rossi), com Dalva de Oliveira

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=8qtOK57_DCY[/youtube]

 

 

 

“E eu me pergunto agora que será

Da luz difusa do abajur lilás

Se na lembrança não iluminar

O tempo lindo que ficou pra trás?”

 

“Abajur lilás” (Rosa Passos / Ivan Lins / Fernando de Oliveira), com Rosa e Ivan

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=hLkpXnZ3zvE[/youtube]

 

 

Além do sonho

 

 

freud 2 

 

Despertou lentamente, como se atravessasse um túnel extenso, com a sensação de que alguém o aguardava no final.

Acendeu a luz difusa do abajur lilás para ver as horas, e deu de cara com o Dr. Freud sentado numa poltrona, ao lado da cabeceira da cama.

Não teve dúvida de que era mesmo o Dr. Freud, com sua barbicha branca, de paletó e colete, sobre o qual pendia a corrente do relógio de bolso, o semblante circunspecto.

— Conte-me o que sonhava, pediu-lhe o Dr. Freud.

Assim, de imediato, não consigo me lembrar, respondeu-lhe.

  — Hum, hum, interjecionou o Dr. Freud.

Isso era bom ou ruim?

— Espere aí, Dr. Freud, agora lembrei. Eu estava sonhando com o senhor!

— Hum, hum, repetiu o Dr.Freud.

Isso era bom ou ruim?

— Gozado que no meu sonho o senhor estava mais moço, com a barba negra, bonitão, parecia um pouco com o Montgomery Clift naquele filme do John Huston sobre o senhor. Acho que o roteiro foi escrito pelo Sartre, e o título em português é “Freud, além da alma”.

O Dr. Freud continuava impassível, observando-o.

Isso era bom ou ruim?

— Mas que coisa estranha! O que significa isso, Dr. Freud? O senhor representa meu pai? Ou então a autoridade? Talvez uma manifestação de homossexualismo latente?

— Hum, hum, tornou a resmungar o Dr. Freud.

Isso era bom ou ruim?

Calou-se, angustiado.

— O senhor se incomoda se eu fumar um charuto?, indagou o Dr. Freud depois de alguns instantes de silêncio ensurdecedor, que lhe pareceram seculares.

— Hoje há leis muito rigorosas contra os fumantes, mas como estamos na minha casa e no meu quarto, acho que não tem problema. O charuto não me incomoda. Eu não fumo, mas de vez em quando também gosto de saborear um bom charuto, respondeu.

— Às vezes um charuto é só um charuto, sentenciou o Dr. Freud, enquanto acendia cuidadosamente um Reina Cubanas.

Pensou em alertá-lo que de tanto fumar charutos ele morreria de um doloroso câncer no palato, mas não teve coragem. 

Isso era bom ou ruim?

Novo silêncio, enquanto o Dr. Freud dava longas baforadas.

O aroma adocicado do charuto era agradável, e se impregnava no quarto, que continuava a meia-luz, apenas com o abajur aceso 

As espirais de fumaça foram se espalhando e adensando como uma bruma, até que já não mais conseguisse ver o Dr. Freud, embora ainda sentisse sua presença e vislumbrasse de quando em quando o lume do seu charuto.

Pouco a pouco o cheiro e a fumaça se dissiparam, e quando finalmente tudo se clareou no quarto, cujas luzes do teto ele acendeu, o Dr. Freud tinha desaparecido.

Não sabia se isso era bom ou ruim.

 

 

 

Ah, se a juventude que esta brisa canta…

 

 

Johnny Alf

Alfredo José da Silva
 19/5/1929 Rio de Janeiro, RJ 
 4/3/2010 Santo André, SP

“Sérgio Porto, fã declarado de Alf, me disse certa vez que toda a história da bossa nova começou com ele, a quem considerava o avô do movimento. Porque, segundo Sérgio, ele foi o pai dos pais da bossa, já que João Gilberto e Tom Jobim, além de Lyra, Menescal, Sérgio Ricardo e o próprio Vinícius sempre iam ouvir nas boates do Rio o toque e o canto “avançadíssimo” de Johnny.

Exagero ou não — e mesmo considerando, como eu, que a bossa nova nasceu da batida do violão de João Gilberto — Johnny é mesmo o legítimo titular de tantas originalidades. E por todas as razões. A começar pelo extraordinário legado de seus discos antológicos, realizados ao longo desses cinquenta anos de carreira. Aliás, nem tantos assim como seu talento e criatividade deveriam merecer. E, finalmente, por sua monástica modéstia. Que, num país sempre ingrato com quem vale a pena de verdade, o fez esconder-se da fama que lhe é devida.”

Ricardo Cravo Albin

 

 

“Eu e a brisa” (Johnny Alf), com ele ao piano, acompanhado de Paulo Pugliese (baixo) e Nestor di Franco (bateria)

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=c0CCAldtkfo[/youtube]

 

 

Arrepio

 

 

 tua carícia

                            doce brisa

                          que eriça

os apelos do ser