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God Save The Queen – um mergulho na realeza (da nossa correspondente em Londres, Bell Gama)

 

 

Quando decidi vir para Londres não sabia nada da cidade. Tentei comprar um guia mas fiquei com preguiça de ler. Conversei com alguns amigos e eles começaram a dar dicas. Também pesquisei em alguns blogs da internet e cheguei a duas conclusões. A primeira é que não entendi nada.  O que acontece é que para quem já veio para Londres as palavras Camden Town, Covent Garden, Notting Hill, London Eye, London Tower, Tower Bridge fazem sentido. Para quem nunca veio é só ummontedepalavrajunta. Você confunde todos os nomes e no final só lembra de: Buckingham Palace e troca da guarda. Por isso, a segunda conclusão que eu tinha era que não queria ver de jeito nenhum “esse lance de troca de guarda, de rainha, Henrique III, Elizabeth II e sei lá o quê”…


Depois de alguns primeiros dias lendo Londres às avessas e tentando entendê-la, decidi voltar atrás na minha decisão e recomeçar pelo começo: assistindo à troca da guarda. Quando dei por mim, estava grudada no portão, com a cara no meio da grade, com aquele jeito bem turista pedindo para tirarem fotos de mim. Apesar de ser totalmente previsível, a troca da guarda dá um certo frenesi em todo mundo. Mesmo sabendo que os soldados vestidos de vermelho e chapéu de pelúcia vão passar marchando engraçado e nem olhar na sua cara é algo que mexe com a gente. Tanto que quando vi já estava na fila para comprar os ingressos para as visitas do “State Room”. Durante dois meses por ano, a Rainha deixa o palácio e seus súditos podem entrar em alguns aposentos por 18 libras. Pelo que vi por dentro, estou certa de que ela não precisa do dinheiro. Mas ela diz que é para a caridade. Não importa. O que importou mesmo  foram duas coisas: a fila de senhorinhas de mais de 80 anos era imensa. Eu era a ÚNICA jovem não grisalha na fila. Imediatamente lembrei-me da minha falecida avó Norma que amaria estar naquele lugar. Ela tinha verdadeira paixão pela realeza. E eu tinha verdadeira paixão por ela. Vi seu rosto em várias senhoras. Foi impossível não me emocionar. Também foi impossível não pensar naquela suntuosidade toda. Em um dos aposentos, de relance, me deparei com o meu rosto em um espelho. Assustei. Com tanta beleza diante dos olhos é difícil sentir-se bonita. Pensei na Princesa Diana. Diziam que ela não se sentia bem nesse lugar.

Já que eu estava me rendendo aos encantos mais tradicionais de Londres, é claro que baixei na Westmeinster. Como sempre faço em minhas viagens, decidi sentar no interior da abadia e agradecer a viagem, a família, os amigos, o trabalho, a vida. Da última vez que fiz isso foi em Notre Dame. Minha avó Norma estava bem doente e o último presente que dei a ela foi um terço de lá. Estava tão paralisada nos meus sentimentos que mal percebi um senhor dizer “The service will start now”. Como eu não sabia o que era o tal do “service” fiquei lá mesmo. Foi então que um padre chegou e começou a missa ou o “the service”. Foi lindo, tão lindo que quando vi estava ajoelhada no chão pegando a hóstia (que pode ser sem glúten e meu pai diria “God save the Queen”), tomando o vinho e recebendo a benção.

E se é para ir fundo, mergulhei de cabeça. Peguei uma bike e saí por aí para ter a experiência de  dirigir na mão inglesa. Foi uma das maiores e mais deliciosas aventuras da minha vida. Andei por todo Hyde Park, Speaker’s Corner. Enfrentei até o trânsito na hora do rush. E não é que depois de me perder tanto, acabei me encontrando?

Bell Gama

setembro/2012

 

 

 

A resposta

 

 

 

          A Bell leu.

          E respondeu.

 

 

Olympia

 

Quando se tem dez anos em 1980 a imagem que temos do nosso pai trabalhando é de um homem de costas, de terno, batendo compulsivamente em uma máquina. O barulho das teclas ecoava em um escritório grande, com cheiro de loção pós barba, papel carbono e mimeógrafo. Aquilo para mim era sinônimo de sucesso.

Datilografar com todos os dedos era sinônimo de inteligência.

Ter uma máquina de escrever era sinônimo de poder.

Aos dez anos eu já queria tudo isso. Mas não sabia datilografar, muito menos escrever. É nesse momento que você puxa o paletó do seu pai e faz birra até ele deixar você usar a máquina. É nesse momento que o seu pai vira professor.

“Vai Isabella, Q,W,E,R,T… Sem olhar! Olho no papel. Nunca olhe para as teclas!”

Eu ficava incansavelmente repetindo os exercícios que ele me ensinava. Folha após folha, aqueles emaranhados de letras que nada significavam para os outros, tinham muito importância para mim. Era eu quem estava no comando de uma máquina, imitando o que o meu pai fazia.

Não é novidade que admiro meu pai. Muito menos que sempre quis ser ele. Aprender a manusear a velha máquina portátil era apenas uma desculpa para me sentir mais próxima dele, meio inteligente como ele e sem dúvida, mais poderosa que as minhas amigas. Nunca tive dificuldade de digitar com todos os dedos. Assim como meu pai, internamente zombo de quem digita “catando milho”.

Após aprender a digitar, chegou uma nova máquina em casa. Papai colocou na sala um 486 PCXT com tela verde. Nele, fiz papel de carta, escrevi homenagens a parentes e comecei a entrar no mundo da internet, que hoje é meu ganha-pão. De lá pra cá, vieram muitas máquinas. Mas nenhuma me ensinou tanto quanto a Olympia.

Vinte anos depois, voltei ao escritório do meu pai. O ambiente ainda cheira loção pós barba mas nem é mais tão grande. Tanto que para arrumar espaço, algumas coisas foram deixadas de lado, como as duas antigas máquinas: a IBM elétrica dele e a Olympia portátil (que eu já julgava minha).

Fiquei triste ao vê-la encostada no chão, cheia de umidade. Ao abrir a caixa, todas essas lembranças vieram a tona. Decidi libertá-la. Mais uma vez, puxei o paletó do meu pai e pedi a máquina. Mais uma vez, ele atendeu meu pedido. Carreguei a máquina e todo o seu peso para São Paulo, restauramos. Ao invés do verde discreto do papai, ganhou um fôlego com meu amarelão. Agora ela está aqui, no meio da sala, olhando para mim junto com esse texto, esses sentimentos e uma saudade danada de quando eu achava que só precisava digitar algumas letras para ter um bom texto.

 

 

 

PS: (Este texto foi escrito no meu iMAC após ter lido o emocionante texto do meu pai sobre a nossa Olympia. Pensei em escrevê-lo nela. Mas ainda tenho medo de errar).

Bell Gama (abril/2012)