Brenno Augusto Spinelli Martins
ACORDO
Não me olhe
Com esse olhar de cobre.
Não me cobre
Me cobre
Estou com frio
Vazio
Vadio
Amargo
Amanhã te pago
Te juro
Com juro
Amanhã me acorde
A manhã me acorda
― D’accord?
Brenno Augusto Spinelli Martins
NÓS
Quem somos nós? Somos nós…
nós que nós mesmos nos demos
e a nossa missão na vida
é que os nós, nós desatemos.
Nostradamus, nos antanhos,
nem de leve suspeitava
que o mundo um dia acabava…
mas acabava em nós.
Nó cego, em pingo d’água,
nó em fumaça, sem pontas,
nó marinheiro, carioca,
nó careca, nó de trança.
Nó da madeira, barreira
para o artesão competente;
nódoa de bananeira
mancha a camisa da gente.
Nó de tripa, nó no peito,
no nosocômio está cheio!
Nostalgia, entretanto,
é nó que nunca é desfeito.
Nó na garganta, nem tanto,
é um nó na emoção,
pela palavra não dita,
escondida no porão.
E quando chegam as dores
dos nós arrebatadores,
puxam-se as pontas a esmo,
pede-se ajuda em vão…
Quem são os desatadores
desses nós?
— Somos nós mesmos !
… ele respondeu
Brenno Augusto Spinelli Martins
Beijo o mesmo mar que te lambe agora
Abraço o mesmo sol que te acaricia a pele
Sinto o teu perfume no mesmo vento que te arrepia nesse instante
Aspiro o mesmo ar de maresia que expiras nesse momento
Me aconchego no mesmo coração que te envolve agora
Estremeço do mesmo amor que agora te estremece
Sinto na língua o sabor agridoce da mesma saudade que tu sentes agora
(Mesmo que eu mande mensagens
em garrafas de náufrago
de todas as ilhas desertas
que eu aportar
não conseguirei esvaziar
meu coração da agitada saudade
que dele transborda
do secreto amor
que dele aflora
da suave ternura
nele impregnada)
Brenno, pasmo com as belezas serranas
Claudia, beleza serrana que pasma o Brenno
A graça e a beleza de Luiza, que também pasmam
Quando conheci Brenno, em priscas eras, ele criava galinhas no quintal da casa de sua irmã, Regina Célia.
Na ocasião, fiquei impressionado com a qualidade do pequeno galinheiro e do plantel das galináceas, todas nomeadas, catalogadas, com controle até mesmo dos ovos postos (ou não). Ele vendia a “produção” e o “lucro” na maioria das vezes era investido em discos, igualmente organizados e catalogados. Mas o que ressaltava, e sempre continuou assim, era o seu grande amor pelos bichos, seu jeito para lidar com eles e sua alma bucólica.
Não deu outra. Há anos que mora num sítio, cercado de cães, aves, bovinos e até de um jumentinho (que algum malvado lhe surrupiou).
De uns tempos para cá, Brenno anda enamorado de belezas serranas, que não se limitam à paisagem, fauna e flora.
Apesar de tantas belezas e da alma bucólica, o humano tédio às vezes bate, fruto talvez da licença poética para compor mais uma canção, em parceria outra que não a minha (muito melhor, aliás).
A gravação feita com celular não impede a fruição da delícia, mas não dei conta de convertê-la em áudio para postar antes, o que só consegui agora, com a ajuda de sempre do Saulo.
Poema, canção ou outra obra de arte não se explica. Cada qual sente e saboreia como lhe apetece, mas sempre sabe bem a crônica da criação:
“É uma espécie de rejeição ao bucólico e aspiração ao movimento.
Repudiando a acomodação e pretendendo o exercício.
Trocando o marasmo da paz pela instabilidade estimulante da aventura.
O quieto pelo agitado.
A mesmice do campo pela ebulição da cidade.
Às vezes cheirar fumaça de óleo diesel é mais desintoxicante do que respirar ares puros e monótonos.
Enfim, é uma apologia ao agito e uma crítica à calmaria.
A paz pacifica, mas se ressente da falta de acontecimentos.
Apesar de montanhosa, Serra Negra é uma cidade horizontal, em termos de cultura e evolução.
Sentar no sofá em uma tarde de domingo olhando pela janela cafezais e pinheirais é bonito…
mas entediante.
Sempre faz frio, não se pode usar “vestidos de alcinhas”.
Samambaias são lindas de se ver nas matas, mas se colhidas e guardadas (no “porão”?) perdem o viço.
Os peixes, em um lago de “Pesque-Pague” (lá perto tem um), ficam parados, esperando a morte chegar.
As pessoas (acomodadas em um sofá ou na sala de jantar) também.
A natureza pacifica o espírito, mas não o alimenta.
De repente, surge uma fome de novidades.
E quando “alguma coisa acontece” no coração…
sentamos no sofá olhando a paisagem pela janela.
Um uísque… um violão…
e nasceu essa canção.
P.S.: a gravação, rudimentar, foi feita pelo celular. E a Luiza é, sim, filha da Claudia.”
SAMAMBAIAS NO PORÃO (TÉDIO)
(Claudia / Brenno) Interpretação: Luiza
Sentada no sofá
Lá fora um cafezal que dá
Tédio
Tédio
Pé na estrada
Neil Young a rolar
Bomba H nesse lugar
Vestidos de alcinhas no alçapão
Samambaias no porão
Chega de peixe parado
no lago cercado
pra ser fisgado
Tédio
A poesia concreta de Caetano
quero inalar
O monóxido de carbono
quero respirar
Chega de peixe parado
no lago cercado
pra ser fisgado
Tédio
João Gilberto e a sua célebre batida no violão tornaram-se ícones da Bossa Nova.
Também o jeito minimalista de João cantar é uma marca registrada da Bossa Nova.
Adoro a Bossa Nova, et pour cause João Gilberto. Divirto-me com suas idiossincrasias lendárias que muitos criticam e não toleram.
Pois antes de João Gilberto (e não me refiro ao grande Mário Reis), na verdade contemporâneo dele, havia um cantor que fez muito sucesso e se tornou reconhecido sempre cantando baixinho, suave, gostoso como o quê. Faz parte daquele grupo que no início da década de 50 promoveu a transição dos compositores grandiloquentes e dos cantores de peito para o jeito intimista de cantar e compor.
Trata-se do mestre Tito Madi, nome artístico do filho de imigrantes libaneses Chauki Maddi, paulista de Pirajuí e que felizmente continua por aqui, na glória dos seus 83 anos.
Certa feita, João Gilberto pediu-lhe emprestado o violão, por achar que o som e a afinação eram melhores do que o dele. Empolgado, João queria ficar com o instrumento e como Tito não concordasse, quebrou-lhe o violão na cabeça. O ferimento deixou uma cicatriz permanente na testa de Tito Madi, que depois disso passou a dizer que ninguém conhecia tão bem quanto ele a batida de violão do João…
Brenno tem uma canção lindíssima, que durante muito tempo nos acalentou o sonho de que fosse gravada por Tito Madi. Chegamos a planejar várias maneiras mirabolantes de chegar até ele para lhe mostrar a música. Quem sabe ainda…
DECERTO
Brenno Martins
Decerto
que o incerto
em meu mundo
se resume na frequência
da ausência de você.
Decerto
que a dúvida
em meu mundo
se baseia em meu silêncio
neste imenso não dizer.
Talvez
desta vez
eu não minta
eu não sinta
o medo
de me dizer
que eu te perdi
Mas como dizer
pra você
que eu te amei
que eu chorei
e bebi
e depois me perdi
e morri
sem dizer.
Transcrevo a letra de memória, cantarolando a melodia tão bela quanto (me corrija, Brenno, sem me quebrar o violão na cabeça…).
Nesta nossa semana da palavra,
com a palavra o poeta Brenno
A palavra do lavrador
caiu na terra arada
e ele, distraído,
passou de novo o arado
e a palavra ficou enterrada…
ou semeada
ou incrustada
ou adormecida.
Se um dia ela germinar
pode crescer
virar discurso
pode virar oração
ou ladainha
ou até reclamação.
Pode ramificar galhos de protesto
ou soltar raízes
de meditação
ou mortificação.
A palavra pode crescer
pode morrer
apodrecer
ou ficar p’ra semente
se ela não for
imediatamente
dita.
As palavras inúteis
iam sendo escritas
na muralha de pedra:
um muro alto, espesso, extenso…
como a Muralha da China,
como o de Berlim.
As palavras de pedra
se incrustavam
entre outras pedras e concreto.
As palavras de plástico
se sobrepunham às palavras de vidro,
às palavras de nuvem,
às palavras de vento,
às palavras de estrela…
Milhões de palavras
se aglomeravam
no intransponível muro.
Palavras de fogo,
palavras de gelo,
palavras de terra…
milhões de palavras
pintavam o muro.
O muro impassível,
o muro passivo,
o muro infiltrado
por tantas palavras
ganhou rachaduras,
abalos sensíveis
em sua estrutura.
O muro rachado,
o muro alquebrado…
Palavras pesadas,
palavras demais…
O muro ruiu.