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A batida do João (e a canção do Brenno)

 

 

João Gilberto e a sua célebre batida no violão tornaram-se ícones da Bossa Nova. 

Também o jeito minimalista de João cantar é uma marca registrada da Bossa Nova.

Adoro a Bossa Nova, et pour cause João Gilberto. Divirto-me  com suas idiossincrasias lendárias que muitos criticam e não toleram.

Pois antes de João Gilberto (e não me refiro ao grande Mário Reis), na verdade contemporâneo dele, havia um cantor que fez muito sucesso e se tornou reconhecido sempre cantando baixinho, suave, gostoso como o quê. Faz parte daquele grupo que no início da década de 50 promoveu a transição dos compositores grandiloquentes e dos cantores de peito para o jeito intimista de cantar e compor.

Trata-se do mestre Tito Madi, nome artístico do filho de imigrantes libaneses Chauki Maddi, paulista de Pirajuí e que felizmente continua por aqui, na glória dos seus 83 anos.

Certa feita, João Gilberto pediu-lhe emprestado o violão, por achar que o som e a afinação eram melhores do que o dele. Empolgado, João queria ficar com o instrumento e como Tito não concordasse, quebrou-lhe o violão na cabeça. O ferimento deixou uma cicatriz permanente na testa de Tito Madi, que depois disso passou a dizer que ninguém conhecia tão bem quanto ele a batida de violão do João…

Brenno tem uma canção lindíssima, que durante muito tempo nos acalentou o sonho de que fosse gravada por Tito Madi. Chegamos a planejar várias maneiras mirabolantes de chegar até ele para lhe mostrar a música. Quem sabe ainda…

 

                                          DECERTO

 

 

 

Brenno 2

                                                                 Brenno Martins

 

 

 

                        Decerto

                        que o incerto

                        em meu mundo

                        se resume na frequência

                        da ausência de você.

 

                        Decerto

                        que a dúvida

                        em meu mundo

                        se baseia em meu silêncio

                        neste imenso não dizer.

 

                        Talvez

                        desta vez

                        eu não minta

                        eu não sinta

                        o medo

                        de me dizer

                        que eu te perdi

 

                        Mas como dizer

                        pra você

                        que eu te amei

                        que eu chorei

                        e bebi

                        e depois me perdi

                        e morri

                        sem dizer.

 

                        Transcrevo a letra de memória, cantarolando a melodia tão bela quanto (me corrija, Brenno, sem me quebrar o violão na cabeça…).

 

 

 

Ledor

 

 

                                               LIDA

 

 

 Brenno Augusto Spinelli Martins

 

 

                                   O que lia Camões?

                                   E Homero, o que lia?

                                   Então deixem que eu destile

                                   essa saliva de poesia

                                   sem antes nada ter lido.

 

                                   É que eu lido com um desfile

                                   de ideias, almas e conflitos

                                   sem ter lido o que antes fora escrito.

                                   Circunscrito na emergência,

                                   abdico da influência.

 

                                   Respeito os vários estilos,

                                   até porque um não tenho…

                                   Ora rimo, ora transgrido

                                   as mais elementares regras.

                                   Por isso tenho sofrido

 

                                   os mais severos castigos

                                   por quase nada ter lido.

                                   E lido com tal preconceito,

                                   de ser tratado de louco,

                                   só por ter lido tão pouco.

 

 

 

A cada dia confirmo o que já pensava quando caí nesta vida de blogueiro: um blog é feito muito mais por aqueles que o acessam, leem e comentam do que pelo seu mantenedor.

Ontem, ao comentar o post de Selma, Brenno saiu-se com o prodigioso poema acima transcrito.

Poeta fingidor e licença poética à parte ― já que o conheço há muito e sei bem que não é de ler assim tão pouco como diz ― os seus versos e a sua verve remetem a uma questão absolutamente apaixonante, que é a importância da leitura e dos livros na nossa vida.

Já se definiu o hábito ou a mania leitura como “vício impune” (será mesmo impune?). Mas, afinal, por que lemos e, sobretudo, por que insistimos em acumular livros, arrumá-los em estantes, especialmente nestes tempos descartáveis, de virtualidade e internet? Os livros, como objeto que conhecemos, estarão mesmo fadados a desaparecer?

As perguntas são muitas, e não serei eu, pobre de mim, a dar as respostas.

Em diversos ensaios de “Os Diamantes de Ophir” (Funpec Editora), Annibal Augusto Gama reflete agudamente sobre leitura, leitores e  livros:

 

“Se me perguntam o que é leitura, eu respondo que leitura é um esquecimento. Fechada a última página de um livro, já voaram as pombas dos pombais, que pode ser que voltem, mas os sonhos não voltam nunca mais. O sonho do leitor dura algumas horas, ou alguns dias, na convivência com outro sonho, o das personagens de ficção que andam errantes a se indagar de si mesmas.”

[…]

De outro modo, o verdadeiro livro envelhece, reverdece e torna frutificar. Cada geração lê o mesmo livro de maneira diferente. E todas as interpretações que se fazem sobre ele se completam, para depois outra vez o descobrirem. Os clássicos são clássicos porque não são clássicos. Porque são desvios de uma norma que se petrificou, e criam uma nova norma.”

(Da leitura)

  

“Fora de qualquer contestação, Os Lusíadas não são obra apenas de um grande poeta. São obra de um erudito, de um historiador, que tinha profundo conhecimento geográfico, estudara a cosmovisão ptolomaica, a astronomia, a medicina, a náutica, e outras ciências, vasculhara com mão noturna e diurna a mitologia, lera Virgílio, Ovídio, e os clássicos da literatura latina na própria língua, e Homero, Platão e Aristóteles em traduções, estudara os fenômenos atmosféricos, compulsara assiduamente Petrarca, impregnara-se do dolce stilo nuovo, abeberara-se em todos os escritores portugueses, enfim, que tinha um saber enciclopédico, abrangendo tudo o que se sabia na época.

Para tanto, no mínimo, seria preciso que Camões possuísse uma preciosa livralhada, uma biblioteca.

Como ajustar-se, porém, esta livraria, de difícil transporte, com a sua pobreza franciscana, com os seus desterros e prisões, com as suas viagens, abrigando-se em miseráveis choupanas onde foi largado como soldado raso? Indo nas naus para terras de África e da Índia, sem ter de seu mais do que uma muda de roupa e a espada, espremido nas enxergas dos tripulantes, como levaria consigo tantos autores e livros?

Ninguém o explica, nada o explica.”

(“A biblioteca de Camões”)

 

(Veja só que curioso: sem ter lido o ensaio, Brenno abre o poema indagando sobre o que lia Camões…)

 

“Pois bem: um livro são muitos livros. No seu texto assinado e autenticado pelo autor, podem ser descobertos textos de outros autores, ideias, metáforas, personagens, intrigas, paisagens, que vieram de séculos atrás, e que se achavam noutros livros.”

[…]

“Pode-se dizer até que um livro novo é sempre obra de uma cooperação universal, de que participam autores da mais remota antiguidade. Houve mesmo época em que esses autores muitos antigos, os clássicos greco-latinos, serviam de modelos indispensáveis para outros que o sucederam. Assim, Homero, com a Ilíada e a Odisseia, para Virgílio com a Eneida, e este e aquele para Camões, com Os Lusíadas, e assim por diante. Desta maneira, os autores são sócios ou irmãos de uma confraria em que estão reunidos todos os prosadores, todos os poetas.

Aquele que pretende ser absolutamente original e único, ao escrever um livro, ou é um tolo, ou um pretensioso, um ignorante. Para começo de conversa, ele veio ao mundo da mãe que o gerou, e com a ajuda de outro. Imediatamente, aqui encontrou amparo e ensinamentos de uma sociedade preexistente. Nunca esteve absolutamente só, mas se viu cercado de gente, e tudo, ou quase tudo lhe foi transmitido. Esse relacionamento, esse jogo de influências, são inarredáveis.”

(O livro, um palimpsesto).

 

Nessa mesma linha, Pierre Bayard, psicanalista e professor de literatura francesa da Universidade Paris VIII, no seu delicioso “Como falar dos livros que não lemos?” (Editora Objetiva), fingindo pilheriar, escrever mais um dos abomináveis livros de autoajuda ou de como se dar bem enganando os outros,  elabora um refinado ensaio sobre a cultura literária, formada tanto pelos livros lidos, quanto pelos não lidos, mas que de algum modo se conhece e assimila. Pois todo leitor, segundo Bayard, carrega consigo uma biblioteca, um repertório que lhe permite ter uma opinião legítima sobre um livro, mesmo que não o tenha lido. Ainda porque, as obras de fato lidas, afora aquilo que fica esquecido, com o passar do tempo vão se embaralhando e confundindo de tal modo que, ao discorrer sobre elas, falamos da lembrança imperfeita e distorcida que guardamos.

Assim, Bayard estabelece diversas categorias, como livro folheado, livro de que ouvi falar, livro esquecido e livro desconhecido, bem como qualifica os livros conforme sua relevância cultural.

 

 

 

 

 

 

 

Ainda a palavra

 

 

Nesta nossa semana da palavra,

com a palavra o poeta Brenno

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                        A palavra do lavrador

                        caiu na terra arada

                        e ele, distraído,

                        passou de novo o arado

                        e a palavra ficou enterrada…

                        ou semeada

                        ou incrustada

                        ou adormecida.

 

                        Se um dia ela germinar

                        pode crescer

                        virar discurso

                        pode virar oração

                        ou ladainha

                        ou até reclamação.

 

                        Pode ramificar galhos de protesto

                        ou soltar raízes

                        de meditação

                        ou mortificação.

 

                        A palavra pode crescer

                        pode morrer

                        apodrecer

                        ou ficar p’ra semente

                        se ela não for

                        imediatamente

 

                        dita.

 

 

 

 

                        As palavras inúteis

                        iam sendo escritas

                        na muralha de pedra:

                        um muro alto, espesso, extenso…

                        como a Muralha da China,

                        como o de Berlim.

                        As palavras de pedra

                        se incrustavam

                        entre outras pedras e concreto.

                        As palavras de plástico

                        se sobrepunham às palavras de vidro,

                        às palavras de nuvem,

                        às palavras de vento,

                        às palavras de estrela…

                        Milhões de palavras

                        se aglomeravam

                        no intransponível muro.

                        Palavras de fogo,

                        palavras de gelo,

                        palavras de terra…

                        milhões de palavras

                        pintavam o muro.

                        O muro impassível,

                        o muro passivo,

                        o muro infiltrado

                        por tantas palavras

                        ganhou rachaduras,

                        abalos sensíveis

                        em sua estrutura.

                        O muro rachado,

                        o muro alquebrado…

                        Palavras pesadas,

                        palavras demais…

                           

                        O muro ruiu.

 

 

 

 

 

Virtualidade

 

 

 

 

                             

 

 

 Brenno Augusto Spnelli Martins

 

 

 

                              É como se fosse um link

                              o amor curtido à distância.

                              Se não deu certo um lance,

                              não precisa nem xilique…

                              basta apenas um click

                              e o amor se desmancha.

 

                              E agora?

                              Mas…

                              e depois?

 

                              Como arquivar a ilusão?

                              Onde postar a emoção?

                              Compartilhar a paixão?

 

                              Onde baixar essa dor?

                              Cadê o download do amor?

                              Como excluir a saudade?

 

                              Como salvar a verdade?

  

 

 

Parceria em foco

 

 

 

 

 

 

 

Ele é bem mais velho do que eu.

Nasceu no mês de agosto de um longínquo ano…

Eu, no mês de novembro!

Natural, pois, que a catarata o pegasse primeiro (se bem que a dele foi causada por uma pancada que sofreu).

Mas isso pouco importa. 

O que importa (com ou sem catarata) é que desde os verdes anos observamos as mesmas estrelas, ainda que de navios diferentes (com sua licença, Aldir).

 

 

 

Em homenagem aos seus novos focos,

permita-me que lhe dedique novamente

esses flocos

de poesia:

 

 

                                      DEJÀ-VU

 

 

                                    De olho no olho que não vê

                                    já vejo tudo.

                                   Como um dejà-vu constante,

                                   tenho registrado cada instante

                                   de um tempo antecedente,

                                   quase oculto,

                                   por detrás das cataratas

                                   e das corredeiras.

                                   Onde ordeiras baratas

                                    e satânicos colibris

                                    faziam seu festim macabro…

                                    acabo já-já com esse passado!

                                    levado embora

                                   pela impávida aspiração

                                   que seca a neblina,

                                   que embaça a nitidez

                                   da paisagem cristalina.

 

                                    Mas as cortinas já se abrem

                                   para o segundo ato

                                   e o fato se submete

                                   ao enredo teatral.

 

                                   E a verdade aparece na revista

                                   mesmo vista

                                   com olho artificial.

 

 

(mas um pouco de miopia é bom, porque permite não se ver as coisas como de fato são…

 e deixa ver outras como gostaríamos que fossem. Lembra?)

 

                                                                                                                                                                                       Brenno Augusto Spinelli Martins

 

 

 

 

 

 

 

A arte do encontro V

 

              

 

Texto de Aldir Blanc, lido por José Wilker na última edição do Prêmio da Música Brasileira:

 

 

“Quando conheci João Bosco, fiquei fascinado com um ponto comum na imensa variedade de seu repertório ainda sem letra — sambas, toadas, canções, algumas cujo gênero não era, e não é até hoje, fácil de definir: havia nelas o uivo barroco da solidão de Ouro Preto, cidade onde João estudava engenharia e compunha, em silêncio, uma revolução musical.

Já éramos, por temperamento e destino, uma parceria indissolúvel. Tínhamos, como nos orgulhamos de ter até hoje, inesgotável vontade de trabalhar. Lembro do João, começo dos anos 70, quando já morava no Rio, pegando o violão no começo da tarde. Muitas vezes outro dia raiaria, e apesar dos uísques e cervejas, nós estávamos inteirinhos, atentos, João tocando na pontinha da cadeira, eu em frente, ligadaço, como no minuto em que havíamos começado a canção, na tarde anterior, até ficarmos satisfeitos e trocarmos um sorriso cifrado: mais uma no balaio.

João é um forte. Sofreu incompreensões e até maldades difíceis de suportar, a menos que o artista tenha um objetivo implacável. Compúnhamos em táxis, butecos, aviões e de madrugada, em hotéis, quando voltávamos dos shows, incansáveis. Fizemos músicas em pé, de ressaca, na beira da calçada. Fizemos música sonhando, fizemos música sofrendo muito. Esse é o maior orgulho da parceria: sempre ralamos com afinco, com a maior garra.

Estivemos afastados vinte minutos, vinte séculos – e esse tempo foi igual a observar as mesmas estrelas de navios diferentes, sentindo a água e o vento que nos reuniria.

Se hoje, paradoxalmente, as dificuldades são maiores, também fomos claros sobre isso: “Glória a todas as lutas inglórias!”.”

 

 

               Como João e Aldir, temos uma parceria indissolúvel, por temperamento e destino.

             Como Aldir e João, ficamos algum tempo afastados  — “a observar as mesmas estrelas de navios diferentes” —, por contingências da vida, sem nunca ter brigado.

               Como João e Aldir, um dia nos reaproximamos e apenas prosseguimos a conversa interrompida na proa do velho barco, como acontece com os verdadeiros amigos.

               Ele e eu sempre adoramos Aldir e João. Um dos momentos mágicos da minha vida foi quando, já amanhecendo o dia  (“eu gosto quando alvorece porque parece que está anoitecendo…”) e após deixá-lo no prédio em que morava, ao sair com o meu fusca começou a tocar no rádio uma canção ainda desconhecida, interpretada por Elis Regina, que imediatamente me despertou todos os sentidos e todas as emoções. Voltei a estacionar, o coração aos saltos, para ouvir com mais atenção, e ao final os olhos teimavam em vazar.

                Era o “O bêbado e a equilibrista”. Que sufoco! Queria voltar, dar um jeito de repetir a música para mostrar a ele. Mas eram outr os tempos, duros tempos de ditadura, sem celular, sem internet, sem as facilidades de hoje.

            No dia seguinte, contei-lhe o acontecido, além do título, consegui reproduzir alguns trechos esgarçados da melodia e da letra, falei do arranjo com o som do realejo no início, deixando-o ainda mais ansioso e louco da vida para conhecer a canção, até que alguns dias depois  — muitas vezes mais e até hoje — escutamos juntos.

               Outro momento precioso e parecido foi quando ouvimos juntos pela primeira vez, à porta de uma loja de discos da Guarujá das “meninas descalças”, a canção “Apesar de você”, de Chico Buarque, que acabava de ser lançada.

               E todos aqueles tantos momentos em que trocamos “um sorriso cifrado: mais uma no balaio” (que podia ser uma nova canção ou qualquer outra coisa, apenas a súbita percepção de uma sintonia plena).

               Lembra disso, Brenno?

               Feliz aniversário,  meu jovem ancião.

               Ainda temos muitas penúltimas a fazer e beber, “tanto faz, se é noite ou se é dia”

 

 

               P.S.  Pô, quando é que você vai tomar (ou perder a) vergonha e mandar aquela sua canção para o João?

 

 

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[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=qM09qTwmaJ4]

 

 

Me dá a penúltima (João Bosco e Aldir Blanc)

 

Eu gosto quando alvorece

porque parece que está anoitecendo

e gosto quando anoitece que só vendo

porque penso que alvorece

e então parece que eu pude

mais uma vez, outra noite,

reviver a juventude.

Todo boêmio é feliz

porque quanto mais triste

mais se ilude.

Esse é o segredo de quem,

como eu, vive na boemia:

colocar no mesmo barco

realidade e poesia.

Rindo da própria agonia,

vivendo em paz ou sem paz,

pra mim tanto faz

se é noite ou se é dia.

 

 

 

No tempo em que o Bianchini desfilava para a Ducal

 

 

 

 

 

            Depois de me perder pelo caminho (como costumo fazer sempre), cheguei ao sítio por volta de meio-dia e meia para o churrasquinho e o samba combinados.

            Pensava que já encontraria por lá todos os convivas, mas não. Estavam apenas o Brenno e um senhor grisalho, barriguinha cervejeira, cara boa, às voltas com a churrasqueira.

            ― Gama, esse é o meu amigo Luís, que mora aqui perto e sempre vem dar uma mãozinha pra gente, apresentou-me Brenno, o anfitrião.

            Muito prazer… Muito prazer… nos dissemos, e ele, todo cordial:

            ― Quer um uisquinho para começar? Enquanto já ia preparando e me servindo a dose generosa. 

            Em seguida, voltou à crucial operação de acendimento da churrasqueira e últimos retoques nas carnes.

            Brenno e eu ficamos ao redor, bebendo e pondo a conversa em dia.

            ― Ô Gama, pena você não ter vindo no dia em que o Virgínio estava por aqui. Cara, o Virgínio continua o mesmo, com aquela mania de discordar de tudo e ditar regras. Agora então que é dono de um bufê lá em Curitiba, ninguém aguenta. Foi muito bom.

            ― Pois é, estava em São Paulo e o meu voo de volta, pra variar, atrasou. Cheguei muito tarde e muito cansado. Não deu para vir.

            Você se lembra do Bianchini, Gama?

            Claro que lembro, trabalhava na Ducal com o Virgínio. Cara legal. Gostava dele. Chegou a fazer parte da nossa turma por uns tempos e a jogar futebol com gente…

            Isso! Ele apareceu por aqui com o Virgínio.

            É mesmo? Nossa, faz um tempão que não vejo. Como ele está? 

            Tá bem, tá bem… Só tem uma coisa muito chata que aconteceu com ele…

            O quê? Indaguei, pensando em algum problema de saúde ou familiar.

            Chato, cara! Muito chato… O Bianchini, depois de velho, virou bicha. Bichona louca!

            Ah, não me diga isso… Não acredito! Você tá me gozando… Ele era boa pinta, pegador… Andou até desfilando e fazendo comercial para a Ducal, lembra?

            É mesmo! Vai ver então que desde aquele tempo ele jogava no outro time, sem que a gente soubesse…

            A conversa se desvia, mas depois de alguns minutos Brenno volta ao assunto:

            E o Bianchini, hem? Bichona, quem diria! Mas você se lembra bem dele, Gama?

            Pera aí, conheço esse jeito inzoneiro, esse olhar dissimulado do meu velho parceiro!

            Olho com mais atenção para o tal amigo Luís, sempre de lado, ouvindo a conversa, mas se fazendo de interessado na churrasqueira e no preparo das carnes. 

            Tanto me lembro que essa bicha aí, fingindo de churrasqueiro, é o Bianchini. (Imagine se eu não gostasse dele e me pusesse a desancá-lo…)

            Gargalhadas, abraços, outra dose para comemorar.

            E pelo resto do dia foi só recordar, com muitas outras doses e alguns sambas para acompanhar.

 

P.S.      O Bianchini não virou bicha. Pelo menos foi o que ele me disse…

 

 

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