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Adoniran 103 anos

 

 

 Adoniran e eu 2

 

 

Se estivesse vivo, João Rubinato teria completado ontem, dia 6, 103 anos.

Morto, é a prova viva de que a profecia de Vinicius de Moraes — que perdia o amigo, mas não perdia a piada — era mesmo só um chiste: São Paulo não é, nem jamais foi o túmulo do samba.

João Rubinato não é nome de sambista. Então ele pegou o nome de um amigo e o sobrenome de outro e criou o personagem Adoniran Barbosa (em que de fato acabou se transformando), cujo tipo físico, de chapéu, paletó, gravatinha borboleta e a voz roufenha foi inspirado em outro personagem cômico que ele encarnava com muito sucesso, o Charutinho.

Como todo gênio, criou uma língua própria para expressar o sentimento da sua gente e o seu universo, um misto de italianês com paulistanês, com uma sintaxe peculiar e adorável, e expressões inefáveis, como “tiro ao álvaro”, “a situação aqui tá muito cínica”, “nóis viemo aqui pra beber ou pra conversar?”, e até uma iguaria, “torresmo à milanesa”, entre tantas outras. Com relação a esta última, da canção do mesmo nome em parceria com Carlinhos Vergueiro, este lhe indagou se existia aquele tipo de torresmo, ao que lhe respondeu que nunca tinha visto nem comido, mas que devia ser muito gostoso, além do que rimava com Tereza…

 

O enxadão da obra bateu onze hora

Vam s’embora, João!

Vam s’embora, João!

O enxadão da obra bateu onze hora

Vam s’embora, João!

Vam s’embora, João!

 

Que é que você troxe na marmita, Dito?

Troxe ovo frito, troxe ovo frito

E você beleza, o que é que você troxe?

Arroz com feijão e um torresmo à milanesa,

Da minha Tereza!

 

Vamos armoçar

Sentados na calçada

Conversar sobre isso e aquilo

Coisas que nóis não entende nada

Depois, puxá uma páia

Andar um pouco

Pra fazer o quilo

 

É dureza João!

É dureza João!

É dureza João!

É dureza João!

 

O mestre falou

Que hoje não tem vale não

Ele se esqueceu

Que lá em casa não sou só eu

 

 

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=RF480dVk_Qw[/youtube]

 

 

Como dizia Manuel Bandeira, na sua antológica Evocação ao Recife:

 

A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros 

Vinha da boca do povo na língua errada do povo

Língua certa do povo

Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil

Ao passo que nós

O que fazemos

É macaquear

A sintaxe lusíada.

 

Adoniran não teve educação formal, mas sabia o que fazia, tinha cultura e conhecia a chamada norma culta, que utilizava quando entendia necessário. Uma prova disso é a sua parceria inusitada com Vinicius de Moraes, que antes o havia criticado por estropiar a língua portuguesa em “Samba do Arnesto”.

Até que um dia, de repente, não mais do que de repente, Aracy de Almeida, então morando e trabalhando em São Paulo na TV Record, passou ao colega Adoniran um papel que recebera de Vinicius com um poema e atribuições plenipotenciárias: “faça o que quiser com ele”.

O poema — na esteira da onda existencialista e do livro de Françoise Sagan — se tornou a letra do antológico samba-canção “Bom dia, tristeza”, composto por Adoniran inteiramente fora do padrão melódico dos seus sambas paulistanos, como a dar a resposta do seu imenso talento.

O diplomata Vinicius estava em Paris, integrando a delegação brasileira na Unesco, e de lá acompanhou o repentino e estrondoso sucesso da canção, gravada inicialmente por Aracy Cardoso e em seguida por outras cantoras consagradas, como Elizeth Cardoso e Maysa (esta encarnava como ninguém a personagem do poema). Adoniran achava que a melhor gravação e interpretação de todas era a de Mauricy Moura, ele próprio gravou “Bom dia, tristeza” mais de uma vez e chegou a incluir uma introdução falada bem ao seu estilo (seria uma réplica bem-humorada a Vinicius?): “A tristeza é um bichinho que para roer está sozinho. E como rói, a bandida. Parece rato em queijo parmesão”

Além dos vários clássicos, “Trem das Onze”, “Saudosa Maloca”, “Samba do Arnesto”, quem mais teria a ousadia de fazer um impagável “Samba Italiano”?

 

Falado:

“Gioconda, pitina mia,

Vai brincar alí no mareí no fundo,

Mas atencione co os tubarone, ouvisto?

Capito meu san benedito”.

 

Piove, piove,

Fa tempo que piove qua, Gigi,

E io, sempre io,

Sotto la tua finestra

E vuoi senza me sentire

Ridere, ridere, ridere

Di questo infelice qui

 

Ti ricordi, Gioconda,

Di quella sera in Guarujá

Quando il mare ti portava via

E me chiamaste

Aiuto, Marcello!

La tua gioconda ha paura di quest’onda

 

 

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=tF4aRh5Ie4s[/youtube]

 

  

Juntamente com Paulo Vanzolini ─ que em maio deste ano foi se encontrar com Adoniran (AQUI) ─ e Germano Mathias ─ outro sambista excepcional, quase esquecido (AQUI) ─ retratam o universo da verdadeira boemia paulistana, com seus malandros e mulheres, desvalidos e trabalhadores, sonhadores e desesperançados.

 

 

 

Meninas da cidade

 

 

“Meninas da Cidade” (Fátima Guedes), com ela e Elis Regina

[youtube]http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=jZSydd5o7iQ[/youtube]

 

 

MENINAS DA CIDADE

 

São doze pancadas (doze badaladas),

sol a pino, a telha vã

esquenta o pó da minha casa,

esquenta a bilha d´água,

de tanto que ferve na minha mão

agulha e pano, armas de todo dia.

Na minha mão tesoura e fé,

e pé na mesma tábua em falso

(destino e pé descalço).

Desde manhã sentada e presa aqui

rasgando as sedas das rainhas,

os brancos das donzelas,

que no escuro da cidade alguém

há de despir.

Ninguém verá tão belas,

filhas da falsidade.

A vila é tão pequena e infeliz sem elas que…

Que são doze pancadas, são doze ruelas,

que desgraçadamente sempre vão dar

numa mesma praça seca,

de noite suspirada.

De noite, tão imensamente farta

das paixões do dia.

De noite, suficientemente larga

pras bandalharias.

Meninas que se vem chegando aqui

cinturas ainda finas, medir felicidade.

No rosto a marca dos batons

das senhoras de bem,

as damas da cidade.

No peito arfante o roxo das mordidas

mais ferozes,

filhos da mesma terra, andantes e viajores,

rapazes e senhores de mais realidade.

São doze pancadas (já são doze dadas),

A lua a pino e eu já sei

que vou entrar na madrugada

rematando bainhas,

pregando rendas que amanhã vai ser

o baile das rainhas.

Amanhã, já se sabe que elas vão fazer

a história da cidade,

são muito cinderelas.

 

(letra extraída do site oficial de Fátima Guedes)

 

 

 

Querelas do Brasil

 

 

 

“Querelas do Brasil” (Maurício Tapajós / Aldir Blanc), com Elis Regina

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=PEAADKhkMww[/youtube]

 

 

O Brazil não conhece o Brasil

O Brazil nunca foi ao Brazil

 

Tapir, jabuti, liana, alamandra, alialaúde

Piau, ururau, aqui, ataúde

Piá, carioca, porecramecrã

Jobim akarore Jobim-açu

(Oh, oh, oh)

 

Pererê, camará, tororó, olererê

Piriri, ratatá, karatê, olará

 

O Brazil não merece o Brasil

O Brazil ta matando o Brasil

 

Jereba, saci, caandrades

Cunhãs, ariranha, aranha

Sertões, Guimarães, bachianas, águas

E Marionaíma, ariraribóia,

Na aura das mãos do Jobim-açu

(Oh, oh, oh)

 

Jererê, sarará, cururu, olerê

Blablablá, bafafá, sururu, olará

 

Do Brasil, S.O.S. ao Brasil

Do Brasil, S.O.S. ao Brasil

Do Brasil, S.O.S. ao Brasil

 

Tinhorão, urutu, sucuri

O Jobim, sabiá, bem-te-vi

Cabuçu, Cordovil, Caxambi, 

Madureira, Olaria e Bangu, 

Cascadura, Água Santa, Acari, Olerê

Ipanema e Nova Iguaçu, Olará

 

Do Brasil, S.O.S. ao Brasil

Do Brasil, S.O.S. ao Brasil

 

 

 

Amor discreto…

 

 

“Mas embora agora eu te tenha perto 
Eu acho graça do meu pensamento 
A conduzir o nosso amor discreto 
Sim, amor discreto pra uma só pessoa 
Pois nem de leve sabes que eu te quero 
E me apraz essa ilusão à toa”

 

 

“Ilusão à toa” (Johnny Alf), Elis Regina

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=MvBrXgNUvCY[/youtube]