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Vinho guardado

 

 

“Vinho guardado” (Danilo Caymmi / Paulinho Tapajós), com Nana Caymmi

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=oJ0D2dRkZlU[/youtube]

 

 

 

Algum dia

 

 

                                               ALGUM DIA

 

                                               Um dia

                                               talvez do amor saibamos.

 

                                               Não a paixão do amor,

                                               que só ama a própria chama,

                                               não a ilusão do amor,

                                               esperança que se engana,

                                               mas o amor outra cosmogonia

                                               que tudo engloba e o universo transmuda.

 

                                               O amor benfazejo cativeiro

                                               daquele que não cabe só em si

                                               e só no outro vive inteiro.

                                               O amor outro idioma e outra grafia,

                                               que precisamos aprender

                                               desde as primeiras letras

                                               para só então traduzi-lo.

 

                                               O amor antropofagia,

                                               que no outro se devora,

                                               moléculas e espíritos se fundem

                                               e confundem no vasto cosmo

                                               em que um sol ou uma estrela serão

                                               um dia.

 

dia

 

“Eu sei que vou te amar” (Vinicius de Moraes / Tom Jobim), com Maria Creuza, Vinicius e Toquinho 

 

 

 

Preciso me encontrar

 

 

“Preciso me encontrar” (Candeia), com Zeca Pagodinho e Marisa Monte

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=OpSTmf4vbSo[/youtube]

 

 

 

Da arte de suportar o próximo

 

           Annibal Augusto Gama

Annibal

 

 

 

 

 

 

Você suporta o próximo e ainda tem de suportar o longínquo, porque de vez em quando vem a notícia nos jornais, ou na televisão, de que na Índia, ou na África, estão morrendo de fome milhares de crianças. O distante não é difícil de suportar, ainda que você tenha pena dele e remorso. O duro mesmo é suportar o próximo. Daí a arte de suportar o próximo, que lhe vou ensinar.

O próximo mais próximo está dentro da sua casa, se é que você tem casa. Se você mora debaixo de um viaduto ou dentro de um tonel, há sempre um próximo no mesmo viaduto ou dentro de outro tonel. Mas vocês então são mendigos, e o jeito é ir levando, já que não levam nada, mas catam nas latas de lixo.

O próximo mais próximo de você é sua mulher, que até dorme na sua cama. Ou não dorme e exige de você o que você não tem vontade, porque trabalhou o dia inteiro e está cansado. De qualquer maneira, é preciso satisfazê-la, para depois você conseguir dormir. Satisfaça-a.

Mas você também terá na sua casa os filhos e as filhas. Eles e elas estão sempre exigindo. E você tem de arcar com as despesas deles, com o colégio, com o carro que eles esbarrondam a cada ano, com o dentista, com o médico, com a roupa, com a alimentação sobre a mesa, com o televisor ligado alto, com o estrondo do som em seus quartos, com as suas brigas e palavrões. E vem também a sua sogra, e você terá de a cumprimentar, dizendo-lhe: “Como está, Dona Emerenciana?” E ela lhe faz cara de raiva, indo ainda dizer à sua mulher: “O seu marido é um traste, não sei como você foi casar com ele”. O seu sogro é que é tolerável, embora lhe dê algumas facadas de vez em quando.

Se você é velho, terá os netos e os bisnetos, e é a mesma coisa. Vá aguentando, e servindo-os. A sua vingança é que, mais tarde, eles terão também os seus próximos.

O mais próximo de você mesmo, agarrado em você mesmo noite e dia, é você mesmo, e você tem de se suportar, o que não é nada fácil. Há até dias em que você terá vontade de se enforcar.

Há ainda os cachorros, o papagaio, os bichos domésticos que você suporta.

Suporta ainda o chefe da sua repartição, que lhe passa descomposturas, suporta o Delegado de Polícia, o Juiz de Direito, e o duro, duro mesmo de suportar é o Luiz Inácio, o Sarney e outros como eles.

Também há que suportar as filas nos Bancos, as filas de ônibus, a espera nos aeroportos, as buzinadas dos carros nas ruas, o vizinho que bate prego na parede às duas horas da madrugada.

Com o tempo, você aprende a suportar os desaforos, as doenças e a canalhice geral. Suportará o Brasil, os Estados Unidos da América do Norte, a China e o Afeganistão, e até o tango argentino.

Ame o próximo, ainda que ele feda.

Suporte a coceira, o calo que dói, as caspas, o dente que dói (se é que você ainda tem dentes)

Suporte, suporte, porque a vida é suportar. E ainda por cima, você vai para o inferno e tem de suportar o Diabo que o carregue.

 

“Conversa de Botequim” (Noel Rosa / Vadico), com Ivan Lins

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=JHfPMBhoduw&hd=1[/youtube]

 

 

 

Tigresa

 

 

“e a tigresa possa mais do que o leão”

 

“Tigresa” (Caetano Veloso), com ele e Ivete Sangalo (Gil na guitarra)

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=f5F-oMR61RQ[/youtube]

 

 

 

Outro retrato em branco e preto

 

 

 

“Retrato em branco e preto” (Tom Jobim / Chico Buarque), com Elis e Tom

[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=zS64Qy6774Q&hd=1[/youtube]

 

Já conheço os passos dessa estrada

Sei que não vai dar em nada

Seus segredos sei de cor

Já conheço as pedras do caminho

E sei também que ali sozinho

Eu vou ficar tanto pior

E o que é que eu posso contra o encanto

Desse amor que eu nego tanto

Evito tanto e que, no entanto,

Volta sempre a enfeitiçar

Com seus mesmos tristes, velhos fatos,

Que num álbum de retratos

Eu teimo em colecionar.

 

Lá vou eu de novo como um tolo

Procurar o desconsolo

Que cansei de conhecer

Novos dias tristes, noites claras,

Versos, cartas, minha cara,

Ainda volto a lhe escrever

Pra lhe dizer que isso é pecado

Eu trago o peito tão marcado

De lembranças do passado e você sabe a razão

Vou colecionar mais um soneto

Outro retrato em branco e preto

A maltratar meu coração.