Eu toco a vida de ouvido…
A grumete Selma Barcellos
(by Brunno Vivas)
Em avião alterno duas atividades: dormir e rezar. Falta de ar? Que nada. Falta de terra mesmo. No mar só entro quando ele vira lago. Ainda assim, fico de olho esperando ondas gigantes. Maior respeito. E neura, eu sei.
Eis que, 2008 indo embora, domingo de sol, numa das poucas aliviadas do bom e velho São Pedro, aceito o convite de um casal amigo de meu filho para… velejar!!! Favor reler o primeiro parágrafo.
Sem explicação para tamanho ato de coragem e superação, a não ser a paixão que nutro pelo casal, lá fui eu de mala, cuia, “caniço e samburá”. E Dramin, claro.
Geeeeeente, o que esta deslumbrada (no bom sentido) marinheira de primeira velejada perdia na vida… A Baía da Guanabara, seus contornos, morros e ilhotas, por ângulos que nunca vi, fizeram-me compreender por que os franceses se acachaparam por tanto tempo e não arredavam pé; por que Estácio de Sá veio literalmente à luta, atendendo de pronto ao chamado de tio Mem; por que padre Fernão, final do século XVI, narrou que “dentro da barra tem uma baía que bem parece a pintou o supremo pintor arquiteto do mundo, Deus Nosso Senhor”…
Entendi por que Rio, eu gosto de você e minha alma canta. Tudo de bom o pit stop na Urca, sem sair do veleiro, retribuindo sorrisos aos turistas e locais sentados na mureta de pedra; delícia os pastéis de camarão sendo embarcados para acompanhar o branco geladinho no ponto; contagiante o astral e o bom humor do carioca passeando em sua minúscula e humilde traineira com um “Tô nem aí” pintado no casco, acenando para os iates luxuosos… Ponto para ele!
Sentindo a euforia desta grumete que vos escreve, um dos supercompanheiros sugeriu uma foto na proa, cena de Titanic, no que foi prontamente atendido. Preparei meu melhor sorriso. Só deu tempo de escutar a brincadeira da turma: “Dá-lhe carranca do São Francisco!”. Bando de crianças na hora do recreio. O marido da grumete soltinho, soltinho no bailado…
Na volta, nuvens escuras, cheiro de tempestade no ar. Vento forte, velas abertas, veleiro cambando. Tremi e me perguntei, já num silêncio de náufraga, o que raios (e relâmpagos) eu estava fazendo ali.
A resposta veio em forma de chuva benfazeja, daquelas que nos batizam novamente, passam a vida a limpo, depuram e celebram a união de família e amigos que se amam. Daquelas que varrem para longe as tristezas, preocupações, decepções com o ser humano e, quer saber, ainda que momentaneamente, até raiva de políticos, essa corja merecedora de todas as sapatadas.
Olhos e alma lavados, veio a calmaria e o veleiro seguiu cortando a água com destino àqueles (dois!) arco-íris de promessas mágicas que se abriram. Com potes brilhantes e tudo… Eu vi.
Vida, vento, vela… Valeu!
PS.: Divido com vocês a releitura desse post tentando encontrar uma explicação plausível – favor voltar ao primeiro parágrafo – para tempos depois ter aceitado voar (clique) no ‘teco-teco’ do nosso adorável maluco, com direito a sobrevoo por Itacoatiara, acenos para os amigos na areia… Tsc, tsc.
Adalberto de Oliveira Souza
VIGILANCE
Un spectacle prémonitoire,
somptueux ou non,
peut réduire à l’essentiel
l’illusion gâchée.
Il faut garder l’incognito,
feindre la lacheté,
retirer en douce,
pour pouvoir attaquer
à l’improviste ensuite.
Pour franchir les ponts,
les ponts infranchissables
des rêves dorés.
Pour transpercer
ce qu’on veut.
Il faut du temps
quelques fois.
Tout se contracte
Dans l’amalgame d’un cauchemar
Tout se répète au dehors de la réalité.
Tout s’alterne sans mesure prévue.
La vie s’encombre de dégâts
quand on ne la touche pas.
VIGILÂNCIA
Um espetáculo premonitório,
suntuoso ou não,
pode reduzir ao essencial
a ilusão destruída.
Permanecer incógnito,
fingir covardia,
se esquivar imperceptivelmente
para poder atacar
de improviso em seguida.
Para atravessar as pontes,
as pontes intransponíveis
dos sonhos dourados.
Para atravessar
o que se quer.
É preciso tempo,
às vezes.
Tudo se contrai,
no amálgama de um pesadelo.
Tudo se repete na periferia da realidade.
Tudo se alterna sem medida prévia.
A vida se entulha de escombros
quando não é tocada.
Foto de Wanderley Almeida
“Cem anos é uma bobagem, depois dos 70 a gente começa a se despedir dos amigos. O que vale é a vida inteira, cada minuto também, e acho que passei bem por ela.”
“A vida não é justa. E o que justifica esse nosso curto passeio é a solidariedade.”
(Oscar Niemeyer, 1907/2012)
Quem tem pressa
esvai-se pela reta
menor caminho
entre dois pontos,
aponta-se.
Mas quem decreta
que a vida é reta?
Nem me apresta
chegar de um a outro
ponto algum.
Prefiro o caminho,
com suas curvas
vagantes
seus seios
e meneios
desvios
da ida sem volta
que vida se chama.
8:00 – O despertador toca. Desligo com vontade de dormir. Não posso.
8:15 – Escovo os dentes e vejo que há um novo vazamento no banheiro. Interfono para o porteiro. “Problema no prédio todo. Estamos sem água”. Esbravejo. Fico puta. Penso em desmarcar todos os compromissos e voltar para a cama. Não posso.
8:30 – Tomo um café, fumo um cigarro.
8:30 – Ligo o computador, checo os e-mails. Revejo a lista de itens por fazer. Começo pagando o boleto da Receita Federal (preciso fazer a segunda via do passaporte). Transfiro o dinheiro para a conta de um locador de apartamentos no Rio de Janeiro (Eba! Vou ver o mar em dezembro). Dou parabéns aos aniversariantes no Facebook. Respondo a algumas pessoas…
10:00 – A massagista chega para me apertar na drenagem linfática. O batuque constante da reforma do apartamento de cima me irrita.
11:00 – Recebo um telefonema com um briefing para um roteiro.
11:30 – Recebo a proposta de um freela na próxima semana. Minha agenda está disponível (mais trabalho!).
12:00 – Ligo para o cliente do primeiro roteiro para tirar dúvidas. Acho que não vai ser difícil e marco para fazer as unhas (há mais de um mês não consigo ir). Começo o roteiro.
12:30 – Recebo por e-mail mais um roteiro a ser feito. Penso em cancelar as unhas.
12:50 – Com o roteiro semi-pronto, almoço um lanche rápido no Shopping, recuso o convite de almoçar com a irmã (tenho que trabalhar).
12:55 – Ligo para os meus pais. Estão bem. Digo que amanhã vou para Ribeirão. Preciso vê-los (não volto para lá há quase dois meses).
13:20 – Faço as unhas.
14:00 – Termino e volto para casa.
15:00 – Reviso o roteiro e envio para o cliente. Hora de começar o próximo
15:45 – Recebo um e-mail do amigo GPeteanH “Recebi esse e-mail agora e estou muito triste. Como não estou em São Paulo, resolvi repassar a triste notícia… o Violla faleceu.” Choque…
PAUSA – Marcelo Violla era um amigo. Um grande amigo dos meus amigos. Portanto, meu amigo. A última vez que nos vimos foi há duas semanas no encerramento da peça “Meio Lá, Meio Cá”. Junto com Murilo Inforsato e GPeteanH, ele participou da criação da peça durante quase dois anos. Nos encontramos várias vezes. Trabalhamos juntos. Ele foi o nosso iluminador no “Prosa Afiada Conta Vinícius de Moraes”. Era um cara talentosíssimo. Trabalhava para várias companhias teatrais. Entendia muito de luz e de toda a cena teatral. Muito querido no meio das artes. Um dos mais criativos técnicos que vi trabalhar. Junto com LosbobosBobos estava cheio de planos. Estava investindo em fazer trilhas, queria outros caminhos. Na ocasião que nos vimos pela última vez eu estava sem ingresso para a peça deles. Ele me deu um de seus ingressos destinado à sua família e me disse “você vai sentar junto com a minha família”. Eu brinquei: “hoje sou team Violla”. Vi sua mãe, sobrinhos, irmã. Acho que as últimas coisas que falei foram: “Obrigada” “Tá feliz?” e “Parabéns”.
15:46 – Ligo para o Murilo para saber como ele está, descobrir notícias. Ele não me atende.
15:47 – Ligo para o GPeteaH com o mesmo objetivo, ele também não me atende. Sinal de que as coisas não vão bem.
15:48 – Tento descobrir algo pelo Facebook. É verdade. As pessoas começam a se manifestar.
15:50 – Decido ligar para a Laura, mulher do Murilo. Ela me conta toda a história. Não se sabe a causa da morte. Violla simplesmente foi encontrado morto na rua. Choque. Murilo está bem, em choque. GPeteaH está tentando ficar bem. Os amigos estão se mobilizando para falar com a família. Nada se sabe sobre velório. O corpo dele ainda está no hospital.
16:00 – Divido a triste notícia com minha irmã.
16:10 – Ligo de novo para o Murilo. Desta vez, converso com ele. Tudo muito triste. Muito súbito. Muito difícil de descrever. Tento avisar outros amigos em comum, troco algumas mensagens. Fico sem ação.
16:20 – Tento me concentrar no segundo texto a ser entregue. Resolvo fazer somente um rascunho. Nada deve ser lido, entregue hoje. Não dá. Fumo, tomo café, volto para o computador, revejo as fotos do Violla. Fico num ciclo doido pensando no que devo pensar, pensando no que devo dizer, pensando no que devo fazer….
PAUSA
18:24 – Recebo uma mensagem de texto no celular: “Queridos, a Manu chegou. Cheia de saúde tanto que já está mamando. Estamos no hospital São Luiz. Obrigado pelo carinho, beijos da Rê, Cauê e Manu”. A filhinha da Rê nasceu!!!!!! Bem! Saudável! Linda! Quero visitar! Quero pegar no colo! Quero…
18:25 – Repasso as notícias. Checo com amigos mais próximos como está a Renata. Ela está bem, um pouco tonta, teve que fazer cesárea. Decido que é melhor não ir vê-la hoje. Muita notícia boa para ela. Precisa descansar para dar leite para a Manu.
22:45 – Penso no Violla que se foi. Na linda Manuela que chega.
Bell Gama
Outubro de 2012
Marcelo Violla (de verde) junto com a trupe do “Prosa Afiada”
OBS – Pensei muito antes de escrever esse texto. Mas, todos os amigos de Violla estão fazendo questão de homenageá-lo deixando por escrito nossa gratidão por sua existência. Essa é minha singela homenagem. Hoje não tem luz no palco. Tem estrela nova no céu. #RIPViolla
Eu também não poderia deixar passar em branco o nascimento da querida e esperada Manuela, filha da minha querida amiga Renata Ferraz e do Cauê Dias. Sou madrinha de casamento deles. Sou fã do amor deles. Sou fã de tudo que eles fazem. Com a Manu, o orgulho é ainda maior. Tudo de melhor
Cauê, Renata e Manu logo após se encontrarem pela primeira vez (roubei a foto da mamãe)
Entre o feto e o defunto
a ávida amante
se intromete
a te exigir e subtrair
cada instante.
Por conta de tanta
graça
pede um diamante
sem jaça
a viagem mais distante
o verso perfeito
as benesses do prefeito
(e sempre reclama um defeito).
Arrasta-te pelo caminho
e nunca te deixa
sozinho
só para ver
o sol se pôr
ouvir estrelas
flertar com a lua
sentir o cheiro da chuva
conversar com teus botões.
Quando exausto adormeces
invade teu sonho
ou pesadelo
rola na cama contigo
e te sacode
aflita
mal a manhã se
agita.
Estes são teus pais
teus irmãos
teus filhos
teus amigos
inimigos
teu ofício
teu vício
resoluta te aponta
(e depois te traz a conta).
Na hora derradeira
da partida
vai te deixar
enfim
e seguirá faceira
esquecida do que havia
sem sequer se importar
se foi algum dia
querida.