“Capoeira me mandou
dizer que já chegou
chegou para lutar”
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=FWU29T5O6s0[/youtube]
“Berimbau”, Vinicius de Moraes / Baden Powell
“Capoeira me mandou
dizer que já chegou
chegou para lutar”
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=FWU29T5O6s0[/youtube]
“Berimbau”, Vinicius de Moraes / Baden Powell
Há 18 anos o Brasil perdia o maestro soberano, Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, que, não obstante, continua por aqui.
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=Dcds_qtAN1c[/youtube]
“Sem você” (Tom Jobim/Vinicius de Moraes)
Rubem Braga e Vinícius de Moraes sentados;
José Carlos de Oliveira entre os dois;
atrás, Paulo Mendes Campos e Sérgio Porto;
ao lado, com a mão no ombro de Vinicius, Fernando Sabino.
Que encontro, Deus meu!
(Creio que no jardim cultivado por Rubem Braga na cobertura em que morava)
“Meu caro Vinicius de Moraes
Escrevo-lhe aqui de Ipanema para lhe dar uma notícia grave: a primavera chegou.
Você partiu antes. É a primeira primavera, de 1913 para cá, sem a sua participação.
Seu nome virou placa de rua e nessa rua que tem seu nome na placa vi ontem 3 garotas de Ipanema que usavam mini-saias. Parece que a moda voltou nessa primavera. Acho que você aprovaria.
O mar anda virado. Houve uma lestada muito forte, depois veio um sudoeste com chuva e frio. E daqui de minha casa vejo uma vaga de espuma galgar o costão sul da Ilha das Palmas. São violências primaveris.
O tempo vai passando poeta, chega a primavera nesta Ipanema, toda cheia de sua música e de seus versos. Eu ainda vou ficando um pouco por aqui — a vigiar, em seu nome, as ondas, os tico-ticos e as moças em flor.”
Rubem Braga
Para Regina e Calato, mestres da arte de juntar cacos e corações
Com o coração despedaçado, levou a vida inteira juntando os cacos.
Deixou a família, a casa, o emprego, os amigos, e se foi catando os cacos por ruas, vielas, becos, jardins, dia e noite.
Um caco aqui, outro acolá, ia vivendo aos cacos.
Pouco a pouco ficou um caco, o cabelo e a barba desgrenhados, as roupas rotas, os sapatos furados, mas ele seguiu catando os cacos.
Tornou-se a figura folclórica da cidade. Sabiam que era incapaz de fazer mal a alguém, mas as mães ameaçavam os filhos rebeldes:
— Se você não comer tudo, eu chamo o catador de cacos para te levar no saco.
E as crianças logo devoravam os brócolis, as vagens, os quiabos, os espinafres e os jilós.
Já muito velho e carcomido, com o saco cheio, um dia o coração partido espatifou de vez.
Até então não havia conferido os cacos catados. Acostumara-se a catá-los simplesmente.
De joelhos, antes de desfalecer, juntou as últimas forças e despejou o saco, mas não percebeu que de lá caíam estrelas, luares, raios de sol, entardeceres, alvoreceres, flores, borboletas e pássaros, sorrisos e olhares em meio aos cacos.
Com os olhos baços, só viu que à frente de si tinha um cacófato (que lhe serviu de sarcófago).
[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=izmVLk6eh6c]
Veja no link abaixo alguns cacos dos trabalhos da Regina e do Calato
http://www.arteoficiomosaicos.com.br/
[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=6DPl-hh1GzI]
Soneto do Corifeu
São demais os perigos desta vida
Para quem tem paixão, principalmente
Quando uma lua surge de repente
E se deixa no céu, como esquecida.
E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher.
Deve andar perto uma mulher que é feita
De música, luar e sentimento
E que a vida não quer, de tão perfeita.
Uma mulher que é como a própria Lua:
Tão linda que só espalha sofrimento
Tão cheia de pudor que vive nua.
Este poema de Vinicius integra a peça “Orfeu da Conceição”. É a primeira fala, e quem a diz é o Corifeu. Em razão disso, quando recolheu este texto no seu “Livro de Sonetos”, Vinicius deu-lhe o título de “Soneto do Corifeu”.
Mais tarde, o poema foi musicado por Toquinho, e a canção recebeu o título de “São demais os perigos desta vida”, que deu nome ao disco homônimo (1972) da dupla.
Vinicius de Moraes, sempre tão generoso e afável, tinha lá seus humanos deslizes.
Antes de cometer a célebre frase — de que se arrependeria publicamente mais tarde — “São Paulo é o túmulo do samba”, havia criticado em um artigo os erros de português de “Samba do Arnesto”.
Adoniran Barbosa nunca se importou com isso, seguiu fazendo seus sambas paulistanos com um idioma típico, roseano (antes do próprio), suas marchinhas e canções, além das sacadas como o “Charutinho”, cujo phisyque du role incorporou ao compositor.
Até que um dia, de repente, não mais do que de repente, Aracy de Almeida, então morando e trabalhando em São Paulo na TV Record, passou ao colega Adoniran um papel que recebera de Vinicius com um poema e atribuições plenipotenciárias: “faça o que quiser com ele”.
O poema — na esteira da onda existencialista e do livro de Françoise Sagan — se tornou a letra do antológico samba-canção “Bom dia, tristeza”, composto por Adoniran inteiramente fora do padrão melódico dos seus sambas paulistanos, como a dar a resposta do seu imenso talento.
O diplomata Vinicius estava em Paris, integrando a delegação brasileira na Unesco, e de lá acompanhou o repentino e estrondoso sucesso da canção, gravada inicialmente por Aracy Cardoso e em seguida por outras cantoras consagradas, como Elizeth Cardoso e Maysa (esta encarnava como ninguém a personagem do poema).
Adoniran achava que a melhor gravação e interpretação de todas era a de Mauricy Moura, ele próprio gravou “Bom dia, tristeza” mais de uma vez e chegou a incluir uma introdução falada bem ao seu estilo (seria uma réplica bem-humorada a Vinicius?): “A tristeza é um bichinho que para roer está sozinho. E como rói, a bandida. Parece rato em queijo parmesão”.
Talvez tenha sido a arte do desencontro (não encontrei nenhuma foto dos dois juntos).
[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=D2dwx2QeUJI]
[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=PQM9Ied5Kc0&feature=related]
[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=-rSKyuw1KVw]
Poema Enjoadinho
Vinícius de Moraes
Filhos… Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-lo?
Se não os temos
Que de consulta
Quanto silêncio
Como os queremos!
Banho de mar
Diz que é um porrete…
Cônjuge voa
Transpõe o espaço
Engole água
Fica salgada
Se iodifica
Depois, que boa
Que morenaço
Que a esposa fica!
Resultado: filho.
E então começa
A aporrinhação:
Cocô está branco
Cocô está preto
Bebe amoníaco
Comeu botão.
Filhos? Filhos
Melhor não tê-los
Noites de insônia
Cãs prematuras
Prantos convulsos
Meu Deus, salvai-o!
Filhos são o demo
Melhor não tê-los…
Mas se não os temos
Como sabê-los?
Como saber
Que macieza
Nos seus cabelos
Que cheiro morno
Na sua carne
Que gosto doce
Na sua boca!
Chupam gilete
Bebem shampoo
Ateiam fogo
No quarteirão
Porém, que coisa
Que coisa louca
Que coisa linda
Que os filhos são!
Imagine então os netos…
Domingo no Parque (hoje)
No dia 2 de agosto de 1962, Tom Jobim, Vinícius de Moraes e João Gilberto, com a participação especial dos fenomenais Os Cariocas, e sob a direção musical de Aloysio de Oliveira, fizeram um show denominado O Encontro, no célebre Au Bon Gourmet, no Rio de Janeiro.
O então diplomata Marcus Vinitius da Cruz e Mello Moraes (a grafia “Vinitius” é a original, exigida pelo pai Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, um amante do latim) precisou de uma autorização especial do Itamaraty — conseguida a muito custo — para se apresentar numa boate, cantando e bebendo. Exigiram-lhe, porém, que fosse de terno e gravata!
O show, que ainda contou com a presença de Milton Banana na bateria e Otávio Bailly no contrabaixo, foi uma espécie de batismo, a primeira apresentação em público de canções que em pouco tempo se tornariam clássicos, como Garota de Ipanema, Samba do avião, Samba da benção e Só danço samba.
Embora obviamente tenha sido composta antes, pode-se dizer que Garota de Ipanema completa 50 anos (pelo menos do seu debut), mas continua com um corpinho de 15. Ela e Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, são as duas canções mais representativas do Brasil no exterior.
Naquela apresentação inicial, Tom, Vinicius e João fizeram uma introdução para a música. Vale a pena conferir esta versão histórica e inédita no vídeo abaixo. Na sequência, Os Cariocas emendam Devagar com a Louça, numa espécie de resposta à recém apresentada Garota de Ipanema.
Eis o repertório (ou set list, como se diz hoje) do show:
1. Os Cariocas
Só Danço Samba (Antonio Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)
2. Tom Jobim e Os Cariocas
Samba de uma Nota Só (Antonio Carlos Jobim/Newton Mendonça)
3. Joao Gilberto e Os Cariocas
Corcovado (Antonio Carlos Jobim)
4. Vinicius de Moraes
Samba da Bênção (Baden Powell/Vinicius de Moraes)
5. Joao Gilberto e Os Cariocas
Amor em Paz (Antonio Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)
6. Os Cariocas
Bossa Nova e Bossa Velha (Miguel Gustavo)
7. Tom Jobim e Os Cariocas
Samba do Avião (Antonio Carlos Jobim)
8. Vinicius de Moraes e Os Cariocas
O Astronauta (Baden Powell/Vinicius de Moraes)
9. Joao Gilberto
Samba da Minha Terra (Dorival Caymmi)
10. Joao Gilberto
Insensatez (Antonio Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)
11. Joao Gilberto, Tom Jobim e Vinicius de Moraes
Garota de Ipanema (Antonio Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)
Os Cariocas
Devagar com a Louça (Haroldo Barbosa/Luiz Reis)
12. Joao Gilberto e Os Cariocas
Só Danço Samba (Antonio Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)
13. Todos
Garota de Ipanema; Só Danço Samba; Se Todos Fossem Iguais a Você (Antonio Carlos Jobim/Vinicius de Moraes)
P.S. Minha intenção era e é a de publicar apenas uma vez por semana um post da série A arte do encontro. E de evitar repetir as personagens, pelo menos imediatamente. Mas com Vinicius e Tom isso não foi e não será possível. Eles voltarão a aparecer em muitos outros encontros, entre os dois e com outros parceiros.
[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=vbhYxhV1YrA]
Não sei bem o que se me passa (envelheço, amadureço, enterneço?), mas a cada dia que passa gosto cada vez mais de Tom Jobim, em todos os sentidos, do homem à obra.
Essa parceria dele com Dolores Duran, por exemplo, tem uma linda história.
Tom havia feito a música e dado a Vinicius para pôr a letra, mas quando Dolores ouviu a canção, pegou um papelucho (consta que um guardanapo de papel) e escreveu os versos de uma só tacada.
Alguns dias depois, Vinicius trouxe a sua letra para o Tom e este, constrangido, mostrou-lhe a que Dolores fizera. O poetinha ― sempre generoso e amigo ― ouviu, enfiou a sua no bolso sem deixar que Tom a lesse e lhe falou: “Fique com a da menina”.
A letra de Dolores é de fato muito bonita e se harmoniza perfeitamente com a canção, que se tornou um clássico, mas como seriam os versos de Vinicius?
[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=mKR746yT0Vo]