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Gênesis

 

 

Anos Dourados - Minisérie 1986 3

 

 

Desde pequeno Adamastor sentia uma dor de lado, umas pontadas esquisitas, no final do arco das costelas.

Isso não o impedia de ser um menino normal, que corria pelos jardins do antigo casarão do avô paterno, trepava nas jabuticabeiras, goiabeiras e mangueiras do vasto pomar para saborear os frutos no pé ou apenas se divertir. Gostava de brincar sozinho, imitar o canto dos pássaros, conversar com bichos ou seres imaginários.

De vez em quando a dor o incomodava, mas foi se acostumando com ela, e até se aproveitava de vez em quando para aumentá-la e assim faltar da escola ou da missa.

Preocupados, os pais o levaram a vários médicos que não encontraram nada de errado.

Quem deu a palavra final e tranquilizadora foi o velho médico da família, com sua sapiente experiência: “Isso não é nada. Quando ele crescer, sara.”

Adamastor cresceu com a misteriosa dor de lado. Já rapazola, podia defini-la melhor. Não era propriamente uma dor, mas uma sensação estranha, um desconforto, parecido com aquela fisgada de estômago vazio quando se está com muita fome.

Aos 18 anos, na faculdade, Adamastor conheceu Eveline, e desde a primeira vez em que a viu se sentiu tragado pelos seus olhos de mel, enroscado nos seus cabelos longos e serpejantes.

No baile dos calouros, depois de muita troca de olhares e sorrisos, e de algumas cubas-libres para criar coragem, tirou-a para dançar um bolero, a dor de lado dardejando mais do que nunca.

Quando a tomou nos braços e colaram os rostos no meio do salão, sentiu o perfume de maçã que ela exalava e lhe lembrou o aroma do pomar da casa do avô.

Como por encanto, a dor de lado sumiu.

Falta de ar, palpitações e tonturas passariam a acompanhá-lo pela vida afora.

 

 

https://www.youtube.com/watch?v=-JV1u0txHz0

Dois pra lá, dois pra cá” (João Bosco / Aldir Blanc), com Elis Regina

 

 

 

Lugar-comum

 

 

                                               LUGAR-COMUM

 

 

                                   Dizem-me para fugir do lugar-comum,

                                   mas nada tenho de original

                                   e vivo só, se vivo estou,

                                   daquele mesmo amor

                                   lugar-comum que você deixou.

 

                                   Lugares-comuns que foram nossos,

                                   a mesma praça, a mesma rua,

                                   a mesma chuva, a mesma lua,

                                   a mesma canção dos bares de então,

                                   aquele da fotografia onde você

                                   bem que me disse que amar é tolice,

                                   que sou desafinado e saio do tom.

 

                                   Lugar-comum é o meu dom,

                                   o barquinho vai, a saudade vem,

                                   e eu aqui neste mesmo lugar

                                   a me perguntar onde anda você

                                   por toda a minha vida.

 

 

“Neste mesmo lugar” (Armando Cavalcanti / Klecius Caldas), com Elis Regina

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=TQ0COetZLkg[/youtube]

 

 

 

Tatuagem

 

 

 

Elis e César Camargo Mariano estavam apaixonados.

Vejam a troca de olhares, as mãos que se buscam.

O amor no ar, a canção maravilhosa de Chico e Ruy Guerra, a interpretação sempre deslumbrante de Elis e o arranjo refinadíssimo de César fazem do vídeo um dos mais lindos já postados no Estrela Binária.

 

 

“Tatuagem” (Chico Buarque / Ruy Guerra), com Elis Regina e César Camargo Mariano

 

 

 

 

Aprendendo a jogar

 

 

 

“Aprendendo a jogar” (Guilherme Arantes), com Elis Regina

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=Cc74HeTP_fo&hd=1[/youtube]

 

 

 

Outro retrato em branco e preto

 

 

 

“Retrato em branco e preto” (Tom Jobim / Chico Buarque), com Elis e Tom

[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=zS64Qy6774Q&hd=1[/youtube]

 

Já conheço os passos dessa estrada

Sei que não vai dar em nada

Seus segredos sei de cor

Já conheço as pedras do caminho

E sei também que ali sozinho

Eu vou ficar tanto pior

E o que é que eu posso contra o encanto

Desse amor que eu nego tanto

Evito tanto e que, no entanto,

Volta sempre a enfeitiçar

Com seus mesmos tristes, velhos fatos,

Que num álbum de retratos

Eu teimo em colecionar.

 

Lá vou eu de novo como um tolo

Procurar o desconsolo

Que cansei de conhecer

Novos dias tristes, noites claras,

Versos, cartas, minha cara,

Ainda volto a lhe escrever

Pra lhe dizer que isso é pecado

Eu trago o peito tão marcado

De lembranças do passado e você sabe a razão

Vou colecionar mais um soneto

Outro retrato em branco e preto

A maltratar meu coração.

 

 

Um samba no Bexiga

 

 

E por falar em hospital…

 

“Um Samba no Bexiga” (Adoniran Barbosa), com ele e Elis Regina se matando de rir

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=JjrrE0G03nI[/youtube]

 

Domingo nós fumo num samba no Bexiga

Na rua Major, na casa do Nicola

À mezza notte o’clock

Saiu uma baita duma briga

Era só pizza que avuava junto com as braxola 

Nóis era estranho no lugar

E não quisemo se meter

Não fumos lá pra briga, nós fumo lá pra come

Na hora “h” se enfiemo debaixo da mesa

Fiquemo ali, que beleza, vendo o Nicola brigá

Dali a pouco escutemo a patrulha chegá

E o sargento Oliveira falá:

“Não tem importânça,

Vou chamar duas ambulânça.

Carma pessoá,

A situação aqui tá muito cínica.

Os mais pior vai pras Crínica.”

 

 

O queijo

 

           Annibal Augusto Gama

Annibal

 

 

 

 

 

 

De Gaulle dizia que era impossível governar um país como a França, que tem mais cinqüenta tipos de queijo. Creio que o general pretendia que, tanto como os queijos, havia na França tipos diferentes de pessoas: o rico, o pobre, o operário, o vagabundo, o doutor, o ignorante, o revolucionário, etc., o que tornava difícil contentar a uns e outros.

No Brasil, além dos queijos de origem francesa, italiana ou portuguesa, temos o queijo mineiro, entre os quais o da Serra da Canastra. O queijo mineiro, curado, de meia cura, ou fresco, é adequado para aqueles que, como os mineiros, estão sempre com um pé atrás. O mineiro não ata nem desata, mas faz colher de pau e borda o cabo.

Quando há revolução, o mineiro fica no meio, aguardando qual a tropa que mais avança. Se percebe que é a do lado direito, adere a ela; se do lado esquerdo, opta por este lado.

A história das conjuras e de Tiradentes, enforcado e esquartejado, ensinou-lhe que mais vale um boi para não entrar na briga. O que ele não quer é que lhe levem a boiada toda. 

O mineiro não fala, cochicha. Está sempre com um pé atrás e, quando sentado, ora se apóia num pé, ora noutro. Enquanto isso, pica fumo para o cigarro de palha. 

A diversidade de tipos regionais, entre nós é muito grande, desde o baiano parlapatão, ao pernambucano de faca em punho, o gaúcho das tropelias pelos pampas, ao carioca boa vida, e ao paulista para quem tempo é dinheiro e está sempre apressado. 

Acrescente-se que esta gente toda está misturada com portugueses, espanhóis, italianos, árabes, japoneses, alemães, além dos índios que aqui já estavam. 

Andando pelas ruas, vê-se uma variedade assombrosa de mulheres: as magras, as gordas, as morenas, as loiras, as ruivas, as mulatas, as negras, as baixinhas, as de mais um metro e noventa de altura, boas para trocarem as lâmpadas queimadas na minha casa.

Muito mais do que a França, com os seus mais de cinquenta tipos de queijo, o Brasil é uma nação ingovernável.

 

 

“Sou do mundo, sou Minas Gerais”

 

ouro preto

“Para Lennon e McCartney” (Lô Borges / Márcio Borges / Fernando Brant), com Elis Regina