Os politicamente chatos ou chatamente corretos

 

 

 

                        A palavra “chato”, no sentido aqui tomado, é politicamente incorreta ou pejorativa, porquanto remonta ao inseto anopluro (Phthirus pubis) que geralmente infesta a região pubiana do homem (no significado de  ser humano, o que também é incorreto), produzindo prurido e grande desconforto.

                        Já manifestei neste blog inúmeras vezes a minha quase obsessão pelas palavras, pela força e o poder que encerram, dando sentido ao que somos e ao mundo em que vivemos, sendo capazes até mesmo de criar ou alterar realidades.

                        Como bem anota Jorge Larrosa Bondía, colocando nos seus devidos termos a velha, repetida, porém mal compreendida definição de Aristóteles, “O homem é um vivente com palavra. E isto não significa que o homem tenha a palavra ou a linguagem como uma coisa, ou uma faculdade, ou uma ferramenta, mas que o homem é palavra, que o homem é enquanto palavra, que todo humano tem a ver com a palavra, se dá em palavra, está tecido de palavras, que o modo de viver próprio desse vivente, que é o homem, se dá na palavra e como palavra.”

                        Tenho, pois, sobradas razões  para reconhecer a importância de nomear pessoas e coisas de modo a não as qualificar ou desqualificá-las pela origem, pelo que têm ou carecem, sobrepondo essa condição acessória ao que lhes é essencial.

                        Mas tudo o que é levado ao extremo, à radicalização, ao paroxismo torna-se uma afecção em vez de solução.

                        É nesse estágio em que estamos, quando se modifica a letra da cantiga infantil “Atirei o pau no gato” porque é politicamente incorreto maltratar os animais, quando não se admite anedotas tidas como discriminatórias (não existe humor que seja politicamente correto, e é na sua incorreção que critica e educa), quando é terminantemente proibido o uso de expressões populares consagradas, por ferirem suscetibilidades exacerbadas, quando se cunham eufemismos tolos e ridículos como “melhor idade” para se referir aos velhos (oops… idosos), ou “afrodescendentes” para designar os negros (aliás, somos todos afrodescendentes já que se acha demonstrado que os primeiros homens, digo, seres humanos, ou talvez terráqueos, surgiram no continente africano).

                        Tenho grande dificuldade em conviver com um casal de conhecidos dada a absoluta intolerância da mulher — ou parceira, ou companheira ou representante do sexo feminino — com alguns dos meus chistes (propositais) ou até mesmo descuidos vocabulares durante nossas conversas. Quando estamos reunidos na companhia de outros mais, sinto-me pisando em ovos (será que posso dizer isso ou se trata de crueldade com os pintainhos?)

                        Tal maldição (quem sabe devesse dizer desdita ou infortúnio) prospera também de modo alarmante no futebol, retirando-lhe a natural espontaneidade, o caráter lúdico e travesso que é toda a sua graça. Tornou-se politicamente incorreto gozar o adversário, aplicar dribles “humilhantes”, pedalar, festejar gols, dar “paradinha” ao bater pênalti!

                        Isso apenas beneficia os brucutus e cabeças de bagre, que agora se empenham numa cruzada contra as diabruras e molecagens dos “meninos da Vila”, que vieram tirar o nosso futebol do marasmo, da mesmice e da falta de talento em que vivíamos.

                        É lamentável saber que jogadores e dirigentes do Palmeiras e do Corinthians, pondo de lado sua  proverbial rivalidade, uniram-se nessa santa e purificadora inquisição. Declarações recentes do  trôpego presidente corintiano, do técnico Mano Menezes (que pensava fosse um sujeito ponderado, mas que a bem de ver sempre foi adepto do futebol força, gauchesco), do botinudo Chicão e do amarelento e  choramingueiro  Diego Souza são características daqueles que  se locupletam do esporte bretão, mas odeiam o futebol-arte, talvez pela incapacidade de praticá-lo.

                        Domingo passado, o meu querido Santos perdeu em plena Vila Belmiro para o Palmeiras, cujos jogadores festejaram os gols rebolando e gozando os santistas. Como apreciador do futebol (e não um torcedor estupidificado), não me senti nem um pouco ofendido. Muito pelo contrário, achei tudo muito divertido, e nem me doeu a derrota, numa grande partida, com jogadas sensacionais, viradas e um placar final de 4 a 3, como nos velhos tempos!

                        No meio da semana, os 10 a zero aplicados pelos “meninos da Vila” no jogo da Copa do Brasil foram um verdadeiro deleite para quem ama verdadeiramente o futebol.

                        Pobre Garrincha,  que era de  Pau Grande,  com seu futebol chapliniano e sua fileira de  joões, se jogasse atualmente com essa mentalidade reinante.

 

 

2 comentários

  1. Annibal Augusto Gama
    17/03/10 at 12:11

    Meu caro Antônio-Carlos: – Você tem absoluta razão. O Mundo está se tornando, ou já se tornou, paulificante. E ao usar este advérbio, não sei se estou ofendendo o pau, a madeira, ou a árvore. É uma judiação (e eis aí outra palavra politicamente incorreta, porque ofende os judeus; aliás, dizer “judeu” não será também politicamente incorreto?). Os chatos, e chatíssimos, fiscais das palavras estão emudecendo os homens e as mulheres. E eles (e elas) são principalmente as palavras. Não estou excluindo os mudos, porque eles também podem falar, por exemplo, dando uma banana para os politicamente corretos. A palavra deve ser contundente ou acariciante. Se se contorna, ou se contorce para agradar a gregos e troianos, o que se faz é ficar em cima do muro. Ora, o muro é lugar dos gatos que pode ser que logo também não poderão mais miar. E dentro de pouco tempo se excluirão os dicionários, já censurados, porque se expurgou deles o palavrão. O que não impede que os canalhas continuem sendo canalhas, ainda que canalhas politicamente corretos. E acho que o que se deve fazer é sair por aí esbordoando esses chatos de galocha, antes que eles nos amordacem.

  2. Lilian
    17/03/10 at 21:27

    O tal jogo deve ter sido bão demais mesmo, porque a minha cabeleireira (corinthiana) está até pensando em assinar aquele plus do pacote básico da tv a cabo (pay per vew, sei lá) para assistir tooooodos os jogos. Comentou inclusive a dancinha (ou sei lá o que dos jogadores) que fizeram a festa, além de uma grande partida. Já o meu colega do lado (palmeirense roxo????) se queixou de todo o nervoso que passou enquanto assistia ao tal jogo. Eu, do alto do meu São Paulo, recomendei-lhe que faça como eu: em vez de assistir aos jogos do seu próprio time (no caso dele, o Palmeiras) assista aos jogos dos outros times, que aí ele não estará sujeito a tantas emoções.
    Eu gosto de assistir aos jogos do Corinthians para ver o cabelo (e o resto) do Felipe, o grande Ronaldo e as pernas do Roberto Carlos com seus terríveis, quase mortais, carrinhos. Se vier o Zé Roberto, então, aí sim será um frenesi. Podendo apreciar tudo isto no time dos outros eu vou correr o risco de ver o meu São Paulo ser, mais uma vez, injustiçado???? – Nunca!
    Quanto às palavras… também as amo, embora não com tanta devoção quanto o senhor. Imagino um céu totalmente estrelado, mas no lugar de estrelas, letras, coloridas. Já pensou???? – Se as “simples” estrelas já proporcionam grande inspiração, um céu brilhante de letras seria… mágico!

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