Posts from março, 2012

Absíntico

 

 

 

 

  

                                        Se o amor extinto

                                        amargo assinto

                                        absinto muito.

 

 

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=fsBm2UTZaS4]

                            

 

 

Eu passarinho

 

 

 

            Na terça-feira, por volta das 22h, à toa, à toa, como a andorinha de Bandeira, entrei no site do Millôr e fiquei por longo tempo a passear por suas frases lapidares, seus haicais lampejantes, seus poemas e suas charges inigualáveis.

            Na manhã seguinte, logo que me levanto, sou abatido pela notícia de sua morte e verifico, com um arrepio, que exatamente no horário em que navegava no seu site ele morria em Ipanema.

            Dias antes, como já contei aqui, Bell e eu havíamos antecipado a capa do jornal “O Dia” sobre a morte de Chico Anysio.

            Entre os pensamentos que me assomaram ao saber da morte de Millôr — e interligando-a com a de Chico Anysio —, ocorreu-me que a morte anda de mau humor, à caça de seus desafetos, ou então que o paraíso esteja a precisar de mais alegria. Pensei também, e andei dizendo por aí, que sem Millôr o Brasil emburreceu mais um pouco.

            Eis que acabo de ler no Painel do Leitor da Folha de S. Paulo uma carta do meu querido Gilberto Kujawski dizendo isso, muito melhor do que eu diria: “A morte anda de mau humor. Numa só tacada, roubou-nos os dois maiores humoristas brasileiros vivos. Quem sofre com isso é a inteligência nacional. Millôr Fernandes, ágil e criativo na redação, tradutor de Shakespeare, não se sabe como não entrou para a Academia Brasileiro de Letras. Millôr foi um intelectual brilhante. Chico Anysio não era intelectual, mas era inteligente, alerta, ligado, sobretudo com a maneira de ser do brasileiro”.

            O matreiro Sinhô (que Manuel Bandeira muito admirava), ao se justificar das canções que tomava para si, dizia que “samba é como passarinho, está no ar, é de quem pegar”.

            Há os que não acreditam em coincidências, e os que só creem nelas.

            Eu, fico a ver e ouvir passarinhos.

 

 

 

 

Millôr

 

 

 

 

            Millôr foi único, até no nome.

 

 

Sempre me benzo — e se em vez de Millôr Fernandes eu me chamasse Bulbo Raquidiano?

Claro, sabemos muito bem que VOCÊ, aí de cima, não tem mais como evitar o nascimento e a morte. Mas não pode, pelo menos, melhorar um pouco o intervalo?

O cadáver é que é o produto final. Nós somos apenas a matéria prima.

Todo homem nasce original e morre plágio.

Morte súbita é aquela em que a pessoa morre sem o auxílio dos médicos.

Morrer é uma coisa que se deve deixar sempre pra depois.

 

 

http://mais.uol.com.br/view/3368910

(clique no link acima para assistir a uma entrevista de Millôr falando sobre a vida) 

 

 

 

O italiano de Lisboa

 

 

 

  

 

          O escritor italiano Antonio Tabucchi, que afirmava sonhar em português, língua que amava e na qual escreveu grande parte de sua obra, morreu ontem na sua Lisboa, onde vivia nos últimos anos.

            Quando as pessoas morrem, principalmente se são famosas, só se dizem trivialidades.

            Prefiro ficar então com o Requiem que o próprio Tabucchi escreveu para Pessoa, sua outra grande paixão:

 

[…]

 Em rigor, um Requiem teria de ser escrito em latim, pelo menos é o que prescreve a tradição. Ora, acontece que eu, infelizmente, não me dou bem com o latim. Seja como for, percebi que não podia escrever um Requiem na minha língua e que precisava de uma língua diferente, uma língua que fosse um lugar de afeto e reflexão.

Este Requiem, além de uma “sonata”, é também um sonho, durante o qual a minha personagem vai encontrar vivos e mortos no mesmo plano: pessoas, coisas e lugares que precisavam talvez de uma oração, oração que a minha personagem só soube fazer à sua maneira, através de um romance. Mas, acima de tudo, este livro é uma homenagem a um país que eu adotei e que também me adotou, a uma gente que gostou de mim e de quem eu também gostei.

Se alguém observar que este Requiem não foi executado com a solenidade que convém a um Requiem, não posso deixar de concordar. Mas a verdade é que preferi tocar a minha música não num órgão, que é um instrumento próprio das catedrais, mas numa gaita de beiços, que se pode levar no bolso, ou num realejo, que se pode levar pelas ruas. Como Drummond de Andrade, sempre gostei de música barata, e como ele dizia, não quero Haendel para meu amigo, nem ouço a matinada dos arcanjos. Basta-me o que veio da rua, sem mensagem, e, como nos perdemos, se perdeu.

 

            A vantagem do escritor ─ se alguma vantagem há na morte ─ é que mesmo depois de morto ele permanece por aqui nos seus livros, como Tabucchi agora se acha aqui comigo no seu livro que tenho em mãos:

 

A quinta estava mergulhada o silêncio, tinha-se levantado uma brisa fresca que acariciava as folhas da amoreira. Boa noite, disse, ou melhor: adeus. A quem ou a quê estava a dizer adeus? Não sabia bem, mas era o que me apetecia dizer em voz alta. Adeus e boa noite a todos, repeti. Encostei a cabeça para trás e pus-me a olhar para a lua.

 

 

 

É mentira, Bell?

 

 

 

            Estava em São Paulo quando soube da morte de Chico Anysio.

            Comentei então com minha filha Bell que não fora uma, mas várias mortes. Ela, com seu faro jornalístico e espírito criativo, logo me desafiou a dar a manchete disso.

            Depois de duas ou três tentativas, sugeri: “Chico Anysio morreram”. Ela adorou e logo emendou: “E com as fotinhos dos personagens em volta”.

            Hoje, quando vi a capa do jornal “O Dia”, caiu-me o queixo.

            Mais impressionante ainda é que a Bell trabalhou durante um ano no jornal “Meia Hora”, que é do mesmo grupo de “O Dia”.

 

 

 

 

A casinha amarela

 

 

 

  

            Morávamos na pequenina Pedregulho, quase na divisa com Minas Gerais, numa casinha amarela.

            A rua não tinha calçamento e uma das minhas tarefas cotidianas era, com uma longa mangueira, molhar a terra batida defronte de casa para baixar um pouco a poeira vermelha levantada pelo vento e pelos raros automóveis e caminhões que passavam. Aproveitava para me fingir de bombeiro.

            À falta de geladeira (uma raridade então), a manteiga fresca ficava mergulhada num pote d’água junto da talha de barro. O leite vinha todos os dias de um curral muito próximo, onde de vez em quando ia bebê-lo espumoso e quente, tirado na hora.

            Televisão nem pensar, a nossa janela para o mundo era o rádio, em que minha mãe ouvia novelas e programas de auditório.

            Havia racionamento de energia, ao longo de vários meses as luzes apagavam-se ao cair da noite e só voltavam lá pelas 21 horas, quando já era quase hora de eu ir para a cama. Não raro me atrasava jogando futebol e era obrigado a tomar banho frio ou esperar que a eletricidade voltasse. Enquanto não vinha, havia a lua e as estrelas, que não furavam nosso teto de telha-vã, mas ficávamos a vê-las da varanda.

            Meu pai, com seus trinta e poucos anos (hoje, sou bem mais velho do que aquele moço), era ensimesmado, mas também novidadeiro.

            Ao regressar de uma viagem a São Paulo, trouxe um aparelho estranho, com grandes carretéis de fita, microfone e outros apetrechos. Era um “gravador”, como logo nos explicou e passou a demonstrar gravando-nos as vozes e reproduzindo em seguida.

            O gravador Phillips tornou-se a grande atração familiar. Minha mãe era musical e sempre a ouvia cantarolar afinada, mas meu pai, com a surpreendente e bela voz de barítono grave, foi uma revelação ao cantar e gravar em dupla com a mulher velhas marchinhas de carnaval (“Se você fosse sincera /Oh, oh, oh, Aurora”) e algumas das lindas canções de Caymmi que passei a conhecer e amar: “É doce morrer no mar / Nas ondas verdes do mar”.

            Naqueles dias ainda, graças ao prodigioso gravador, a poesia começou a se entranhar em mim, enquanto ouvia repetidamente meu pai dizer poemas de Bandeira, Drummond, Vicente de Carvalho (“Só a leve esperança, em toda vida, / Disfarça a pena de viver, mais nada;”) e alguns dele mesmo.        

            Além dessas surpresas, meu pai gostava de me provocar com planos fantasiosos que fazia para mim, desencadeando-me aflições e receios que ele talvez não percebesse. Só muito mais tarde — e ainda bem que não foi tarde — compreendi que era aquele o seu jeito transverso (daí também seus versos) de demonstrar carinho, interesse e amor por mim, já que sempre teve grande dificuldade de expressar seus sentimentos com beijos, abraços, afagos e elogios  (“manifestações epidérmicas”, como tantas vezes definiu).

            Anunciava, por exemplo, com terrificante assiduidade, que ia me internar no Caraça, exibindo-me fotos e gravuras do velho mosteiro em que o pobre menino ficaria trancafiado, aprendendo latim, grego e filosofia com os padres.

            Vivia a repetir também que falaria com o pároco da cidade para me aceitar como coroinha, e essa ideia até que não me desagradava de todo, ao ver os rapazinhos, mais velhos do que eu, com seus vistosos paramentos ajudando a rezar a missa de domingo.

            Um dia, mostrou-me uma página de jornal (clique para ver a reprodução no acervo da Folha de S. Paulo) com a figura de um menino mais ou menos da minha idade que produtores da célebre Vera Cruz buscavam para interpretar um garoto que se tornaria padre.

            Não bastassem as ladainhas do Caraça e de me fazer coroinha, passei a ouvi-lo dizer que ia enviar uma foto minha e me inscrever para o papel.

            — Já pensou que maravilha participar de um filme? Você pode se tornar ator e fazer carreira no cinema e no teatro! Não seria uma coisa ótima?

            Até podia ser, mas eu queria mesmo era ficar por ali, no aconchego do meu pequeno vasto mundo, e andei angustiado por largo período com a íntima certeza de que seria o escolhido para o filme (segundo assegurava meu pai) e teria de partir para a vida afora.

            Foi há muito tempo…

            O filme, a que assisti alguns anos depois (e não é que me achei algo parecido com o menino ator?), era “A Primeira Missa”, última realização de Lima Barreto, que extraiu o roteiro do conto ‘‘Nhá Colaquinha Cheia de Graça”, de Nair Lacerda. Eis a sinopse que colhi nesse prodígio de agora, a internet:

 

“Na data da primeira missa do Padre Bento, a mãe, Nhá Coloquinha, apelido de D. Escolástica, relembra do passado do filho na cidade de Remanso. Quando criança, ele entregava a roupa que a mãe lavava e passava. A amizade de Mestre Zuza, velho amigo da família e sábio local. As injustiças sofridas: no Circo Teatro Santa Terezinha, quando vendia balas, Bentinho é expulso; na escola, ao ajudar um colega quase cego, ele é expulso pela professora. Ao pedir a ajuda do Mestre Zuza contra a expulsão, Bentinho descobre a vocação sacerdotal. O velho Zuza, apesar de ateu e anticlerical, incentiva a vocação. A entrada no seminário com a ajuda do Padre José, o pároco de Remanso. Durante a sua estada no seminário, acontecem a crise de 1929 e a Revolução de 1930. A ordenação do padre Bentinho e a sua partida para Louvain, Bélgica, para doutorar-se em teologia. O nazismo e a II Guerra Mundial, na Europa, forçam o Padre a voltar ao Brasil. Em Remanso, ele pretende rezar a sua primeira missa. O último sermão do Padre José, agora substituído pelo Padre Bento. O filho prostra-se diante da mãe, que tem os olhos agradecidos à Virgem Maria.”

 

            Segundo consta ainda, a Igreja Católica foi uma das patrocinadoras do filme, que, além de indicado para representar o Brasil no Festival de Cannes, recebeu por aqui diversos prêmios, entre os quais os de melhor roteiro, edição, cenografia, ator (Dionísio de Azevedo, o “Mestre Zuza”) e de revelação (José Marianno Filho, o menino Bentinho).

            Sem uma Capitu que à época me salvasse (ou danasse), quem sabe meu destino depois de coroinha e do Caraça tivesse sido o sacerdócio? Ou o estrelato como talentoso ator?

            As madeleines desse jorro de lembranças  foram a comovente crônica de José do Carmo publicada no Blog da Selma Barcellos e o comercial que logo após vi, produzido pela Igreja Católica na Espanha, oferecendo emprego fixo para os jovens que quiserem ser padre, aos quais promete “uma vida apaixonante”. Quanto à remuneração, a propaganda exime-se de ser enganosa: “não te prometo luxo, mas tua riqueza será eterna”.

            Fosse eu menino, lá viria meu pai a me mandar para as terras de Espanha.

 

 

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=k1pY_IugQfY&feature=player_embedded]

 

 

 

 

O Inferno de Dante

 

 

 

 Lasciate ogne speranza, voi chentrate

 

 

            A notícia é de alguns dias atrás, mas só agora tenho tempo de meter minha colher de pau (ops!), ainda porque custou-me acreditar diante de tanta maluquice que rola pela internet. Mas é vero, cáspite!

            Uma ONG (ÓINC, ÓINC, ÓINC) italiana, que atende pelo nome de Gherush92, integrada por intelectuais(?) e que presta assessoria especial(?) ao Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, quer banir A Divina Comédia das escolas da Itália, por apresentar conteúdo ofensivo e discriminatório contra homossexuais, islâmicos e judeus.

            Afirma a zelosa presidenta da entidade, Valentina Sereni, que “Nós não defendemos a censura (defendem o quê então?), mas queremos que se reconheça, de forma clara, sem ambiguidade, que, na Divina Comédia, há um conteúdo racista, islamofóbico e antissemita. A arte não pode estar acima da crítica. Mesmo que haja diferentes níveis de interpretação — simbólica, metafórica, iconográfica, estética —, não se deve ignorar o significado textual: o conteúdo é claramente depreciativo e contribui, hoje como ontem, para divulgar acusações falsas, que custaram, ao longo dos séculos, milhões e milhões de mortos […] “É nosso dever alertar as autoridades competentes e o Poder Judiciário que a Divina Comédia apresenta conteúdo ofensivo e racista […]. Pedimos, pois, que a Divina Comédia seja retirada dos programas escolares ou que, ao menos, se faça acompanhar das devidas explicações”.

            Como Dante Alighieri foi simplesmente o fundador da língua italiana, por que não propor de uma vez por todas o banimento dessa fonte de iniquidades e determinar que os italianos tornem ao latim? Ou talvez que adotem o esperanto, o mais politicamente correto dos idiomas? Ou ainda que passem apenas a grunhir (ÓINC, ÓINC, ÓINC …)?

            Te cuida Shakeaspere, com teus mouros, mercadores, sicários, meretrizes, adúlteros e quejandos!

 

 

 

 

 

Atestado de Bamba

 

 

 

 

            Um dos fundadores da gloriosa Estação Primeira de Mangueira, mestre Cartola teria dedicado o primoroso samba “Fiz por você o que pude” a Nelson Sargento, filho adotivo de Alfredo Português, também fundador da Escola, ambos, pai e filho, parceiros de Cartola.

            Rei incontestável da ala dos compositores da Mangueira, Cartola via em Nelson Sargento, a quem com apenas 12 anos de idade havia ensinado os primeiros acordes de violão, potencial para se tornar seu príncipe herdeiro.

            Mais do que isso, porém, Cartola cantava a extraordinária cadeia de compositores das velhas Escolas que não deixavam o samba morrer: “Surge outro compositor com mesmo sangue na veia”.

            Consta que Nelson Sargento somente soube que a canção era dedicada a ele depois da morte de Cartola, quando Dona Zica lhe contou. Mesmo antes de saber, porém, Nelson já havia de certa forma respondido a Cartola ao dizer em outra antológica composição que “o samba agoniza mas não morre”.

            Quando “Fiz por você o que pude” foi lançada, vários críticos imbecis apontaram com seus dedinhos horrorizados o imperdoável erro de português no verso “Eis que Jesus me premeia”, dizendo que Cartola forçara a barra para rimar com “veia”.

            Cartola, na sua humilde majestade (ele estudou apenas até a quarta ano do primário), ficou chateado e envergonhado, e até mesmo deixou de cantar o samba. Justificou-se depois explicando que no momento da composição ficara em dúvida, mas que havia lido nos sermões de Vieira, que provavelmente seus críticos nem mesmo folhearam: “Assim castiga, ou premeia Deus”.

            O novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (que pelo menos para isso serviu) atestou definitivamente o acerto de Cartola. Embora pouco usada por aqui, a forma “premeia” é comum em outros países da comunidade lusófona. A partir do acordo, portanto, não há dúvida quanto à correção das formas “negocio” ou “negoceio”, “noticio” ou “noticeio”, “calunio” ou “caluneio”, e “premio” ou “premeio”.

            Abaixo, uma gravação do antológico samba em que foram mescladas as interpretações do próprio Cartola e de Paulinho da Viola, que — apesar de portelense — é para mim, com todo o respeito e carinho ao imenso Nelson Sargento, o mais perfeito sucessor de Cartola na história do samba, não apenas pelo estilo refinado das composições, mas sobretudo pelo jeito de ser ao mesmo tempo simples e fidalgo, que só os de sangue bom têm.

            Em seguida, a não menos antológica canção de Nelson Sargento, “Agoniza mas não morre”, cantada por ele e a maravilhosa Teresa Cristina.

 

 

Fiz por você o que pude

(Cartola)

 

Todo o tempo que eu viver

Só me fascina você, Mangueira

Guerreei na juventude

Fiz por você o que pude, Mangueira

Continuam nossas lutas

Podam-se os galhos, colhem-se as frutas

E outra vez se semeia

E no fim desse labor

Surge outro compositor

Com o mesmo sangue na veia.

 

Sonhava desde menino

Tinha o desejo felino

De contar toda a tua história

Este sonho realizei

Um dia a lira empunhei

E cantei todas tuas glórias

Perdoa-me a comparação

Mas fiz uma transfusão

Eis que Jesus me ‘premeia’

Surge outro compositor

Jovem de grande valor

Com o mesmo sangue na veia.

 

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=vQQ2eebwhGI]

 

 

 

Agoniza mas não morre

(Nelson Sargento)

 

Samba, agoniza mas não morre,

Alguém sempre te socorre,

Antes do suspiro derradeiro.

 

Samba, negro, forte, destemido,

Foi duramente perseguido,

Na esquina, no botequim, no terreiro.

 

Samba, inocente, pé-no-chão,

A fidalguia do salão,

Te abraçou, te envolveu,

 

Mudaram toda a sua estrutura,

Te impuseram outra cultura,

E você nem percebeu.

 

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=KC4XGs9To5M]

 

 

 

 

Paradoxo VII

 

 

 

              o impossível

                                       (porque que é)

                                       será infindo

                                       em nunca ser

 

              o possível

                                       (quando é)

                                       findar-se-á

                                       ao vir a ser

 

 

 

Nós, os foliões

 

 

 

            Sidney Miller, carioca de Santa Teresa, um dos maiores talentos da MPB, morto com apenas 35 anos, deixou uma obra de imensa qualidade e absolutamente atual, grande parte inédita em disco.

            Basta dizer que no Festival da Record de 1967 (de que participaram, entre outras feras, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil) recebeu o prêmio de melhor letra com a canção “A estrada e o violeiro”, interpretada por Nara Leão e ele.

            São dele também as antológicas “Pois é, pra quê?” (clique no link e veja um post anterior a respeito), “O Circo”, “Alô, Fevereiro”.

            Aqui um registro raríssimo, de 1976, em que Sidney Miller canta uma das muitas joias de seu repertório, “Nós, os foliões”, relato docemente amargo, ternamente irônico (a começar pelo título) de um amor que se foi, como um carnaval qualquer. 

            Ele se foi em 1980, como uma brisa matinal que nos ameniza, mas não resiste à implosão solar de uma tristeza infinda.

 

 

                                            Nós, os foliões

 

                                   Nosso amor passou eu sei

                                   No principio eu não quis acreditar

                                   Chorei

                                   Mas, depois eu tive que me conformar

                                   Me conformei

                                   A realidade foi maior

                                   Aprendi nessa dor

                                   A mágoa não compensa

                                   E o orgulho é mais cruel

                                   Que toda a indiferença

                                   Pode acreditar, mulher

                                   Nosso amor foi lindo

                                   Como um carnaval qualquer

                                   Que se acaba

                                   E faz um novo dia a dia acontecer

                                   Tão difícil assim como viver

                                   Até um dia em que vem

                                   reacender alegrias e salões

                                   Nós, os foliões

                                   Nossas alegorias

                                    Tão esperado e se foi

                                   Tão colorido e lá vai

                                   Perdendo a cor o carnaval do nosso amor.

 

 

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=EtJCRE0vP9M]