Dígito 9

 

 

 

 

  

               Conforme amplamente noticiado, a partir de domingo passado (29) implantou-se a inclusão do dígito 9 à frente de todos os números de telefones celulares da área 11, que engloba 64 municípios de São Paulo, incluindo a capital. Com isso, a capacidade de numeração de celular da região vai passar dos atuais 44 milhões para 90 milhões!

               Atualmente, já são utilizados mais de 42 milhões de números, o que estava próximo do limite da capacidade. Dentro de pouco tempo deverá ocorrer o mesmo no Rio de Janeiro.

               É gente demais telefonando, falando, e não se entendendo.

               No seu primeiro livro de prosa, Confissões de Minas, publicado originalmente em 1944 — a respeito do qual Cyro dos Anjos comentou à época do lançamento: “não acredito que se encontrem páginas mais belas na língua portuguesa” — Carlos Drummond de Andrade discorre sobre suas origens e a paisagem humana de sua época, marcada pela transformação do Brasil rural em urbano-industrial, pelas crises políticas, econômicas e ideológicas mundiais que culminaram na Segunda Grande Guerra.

               Na quinta e última parte de Confissões de Minas, intitulada Caderno de Notas, Drummond diz a certa altura:

 

“Às vezes tenho vontade de discar o número dez mil.

O número dez mil, como a hora H, existe, mas ninguém o conhece. Não consta da lista telefônica; os tratados de matemática não o registram; os mais perfeitos contabilistas o ignoram. Entretanto, o número dez mil é aquele que, uma vez discado, oferece a você a voz mais harmoniosa que já se ouviu desde a aurora do mundo; voz que você pressentia devesse andar por aí perdida numa garganta, como certas vezes pressentimos que um anjo passou no ar: em sigilo, sem que os melhores de nós chegassem a vislumbrar-lhe a ponta dos vestidos.”

 

               É sabido que Drummond gostava de telefonar e até mesmo de passar trotes em amigos. Sua última entrevista, pouco antes de morrer, foi por telefone, a Geneton Moraes Neto.

               No trecho acima, ele fala em “discar”, mas da minha infância de muito tempo depois, ainda me lembram os telefones com manivela das casas de meus avós, cujas ligações eram feitas com a intervenção da telefonista, a quem se dizia o número pretendido.

               O que diria o poeta agora?

               De minha parte, e por causa dele, às vezes ainda tenho vontade de discar o número dez mil…

 

 

 

Um comentário

  1. 03/08/12 at 11:16

    Antonio, na casa de eu jovem, telefone movido a batidas do coração, para ouvir logo a “voz mais harmoniosa desde a aurora do mundo” eu acelerava o retorno do disco de números!!! O amor urgente dos versos do mestre…
    Belo excerto do “Caderno de Notas”. Adorei.

    Beijocas!

Deixe um comentário

Yay! You have decided to leave a comment. That is fantastic! Please keep in mind that comments are moderated. Thanks for dropping by!