Ao completar 70 anos, Caetano Veloso divide com Chico Buarque — que há pouco fez 68 anos — a posição de artistas vivos mais importantes da MPB, segundo enquete promovida pela Folha de S. Paulo, colhendo a opinião de 70 artistas com até 40 anos, não apenas músicos, mas também escritores, diretores de cinema e de teatro, apresentadores, atores e artistas plásticos.
Isso não tem lá muita relevância (houve, por exemplo, quem apontasse Mano Brown como o grande expoente da MPB). Fosse diverso o resultado, nem por isso seria menor o peso e o valor da obra excepcional de Caetano, que transcende o âmbito da MPB para se alçar como um dos nossos maiores poetas contemporâneos, além da sua não menos importante presença na vida cultural e política do país.
O próprio Caetano sabe disso, tanto que, procurado para comentar a enquete, mandou dizer que não daria entrevistas, pois “não quer transformar seus 70 anos em um evento”.
Envelhecer não é mesmo um evento, apenas uma decorrência inexorável de viver. Mesmo porque a alternativa — dizia Millôr — é bem pior.
O poeta, porém, não está limitado ao tempo, “compositor de destinos”, e com ele faz um acordo “guardado em sigilo”, “de modo que o meu espírito / ganhe um brilho definido” e “eu espalhe benefícios”.
Talvez, por isso, o tempo tem sido generoso, até mesmo fisicamente, com Caetano, que se tornou “um senhor tão bonito”, “un caballero de fina estampa”.
Mas a recíproca também é verdadeira. Há os que envelhecem amargando-se, enclausuram-se no passado e se danam com o futuro. Em contrapartida, a maioria dos jovens vivem no futuro, desligados do passado e ignorando o presente.
Outros, porém, como Caetano, recolhem o passado para lapidar o presente e antecipar o futuro, pois “[…] quando eu tiver saído / para fora do teu círculo / tempo tempo tempo tempo / não serei nem terás sido.”
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Oração ao Tempo
Caetano Veloso
És um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Tempo tempo tempo tempo
Vou te fazer um pedido
Tempo tempo tempo tempo…
Compositor de destinos
Tambor de todos os ritmos
Tempo tempo tempo tempo
Entro num acordo contigo
Tempo tempo tempo tempo…
Por seres tão inventivo
E pareceres contínuo
Tempo tempo tempo tempo
És um dos deuses mais lindos
Tempo tempo tempo tempo…
Que sejas ainda mais vivo
No som do meu estribilho
Tempo tempo tempo tempo
Ouve bem o que te digo
Tempo tempo tempo tempo…
Peço-te o prazer legítimo
E o movimento preciso
Tempo tempo tempo tempo
Quando o tempo for propício
Tempo tempo tempo tempo…
De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido
Tempo tempo tempo tempo
E eu espalhe benefícios
Tempo tempo tempo tempo…
O que usaremos pra isso
Fica guardado em sigilo
Tempo tempo tempo tempo
Apenas contigo e comigo
Tempo tempo tempo tempo…
E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo
Tempo tempo tempo tempo
Não serei nem terás sido
Tempo tempo tempo tempo…
Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Tempo tempo tempo tempo
Num outro nível de vínculo
Tempo tempo tempo tempo…
Portanto peço-te aquilo
E te ofereço elogios
Tempo tempo tempo tempo
Nas rimas do meu estilo
Tempo tempo tempo tempo…
Gama, muito boa essa homenagem ao mestre Caetano, que comemora 70 anos hoje.
Recentemente comprei e li seu livro Verdade Tropical, é o melhor que li nos últimos tempos, viajei nele e não me dava vontade de parar de ler. Inclusive leria mais um milhão de vezes se possível.
E o Canal Viva está reprisando o programa Chico e Caetano de 1986 nos 4 sábados do mês (04, 11, 18 e 25/08) com reprise nos domingos (05, 12, 19 e 26/08) às 19 horas.
Abraços,
André
Antonio, ADOREI! O texto, as fotos do vídeo…tudo lindo, lindo, mais que demais..rs..
Un beso!
Quem compõe, além da Oração postada, Trem das Cores, Cajuína, Luz do Sol, Sampa e Menino do Rio (dois hinos!), entre outras maravilhas, já responde a “existirmos: a que será que se destina?”.
E você tem razão, Antonio: ele está envelhecendo (?) com classe e charme.
Beijocas!
“Caminhando contra o vento…” mas com o tempo a favor.