O homem que conquistou a lua

 

 

 

 

 

 

Outrora eu era daqui, e hoje regresso estrangeiro. Forasteiro do que vejo e ouço, velho de mim. Já vi tudo, ainda o que nunca vi, nem o que nunca verei. Eu reinei no que nunca fui.

Bernardo Soares (Fernando Pessoa), “Livro do Desassossego”

  

 

 

               “Amor de praia não sobe a serra”, diziam, e eu me revoltava com tamanha insensibilidade e o mau agouro.

               “Dessa vez vai ser diferente”, pensava, tentando apaziguar meu coração descompassado de amor.

               Por duas vezes, quase foi diferente.

               Voltei a me encontrar com dois desses amores longe da praia, e chegamos a manter um breve relacionamento. Ambas moravam em São Paulo.

               Uma delas, alta, linda, loura e de família muito rica (que olhava atravessado para aquele caipira pobretão), era de outro mundo, outra estratosfera, tão distante quanto a lua. Muito difícil que desse certo. Pouco durou.

               A outra, o oposto, morena, mignon, faceira, com uma graça e um sorriso que ofuscavam a lua, era do meu mundo. Nem sei bem porque tudo acabou.

               Por uma dessas trapaças do destino, o apartamento em que morei em São Paulo por quase oito anos antes de me aposentar do Ministério Público ficava na mesma rua e muito próximo do prédio em que ela vivia com a família na época. Passava em frente todos os dias, na ida e volta do trabalho. Às vezes, de noite, olhava para o céu e via a lua.

               Naqueles tempos, São Paulo ficava muito distante, tão longe quanto a lua. A Anhanguera era quase toda de pista simples até lá. Avião, nem pensar! Internet, nem em sonho! Telefone, difícil e muito caro.

               Nunca mais vi nenhuma das duas, e provavelmente não tenha deixado marca alguma na vida delas. Continuo, porém, a ver a lua daqui de tão longe, mas com outros verdes olhos que me acompanham e aquecem há mais de trinta anos.

               Como terá sido com Neil Armstrong?

               Ele a tocou. Foi o primeiro. Nela deixou suas marcas para sempre.

               Foi um breve encontro. Logo ele voltou a pisar o chão da Terra.

               Discreto, recolheu-se e pouco falava a respeito. Achava que não tinha feito nada de mais.

               Até que o seu velho coração, que aqui pulsava, parou.

               Terá ido pulsar com ela, no infinito do universo?

               A mim me resta continuar provisoriamente por aqui, a pisar meu chão de estrelas.

 

 

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8 comentários

  1. brenno
    27/08/12 at 13:08

    Emocionante, esse mundo da lua… pra quem sabe das coisas, mais ainda. Será que o Neil não pensou em fazer uma canção? Tipo… “que será você? esses seus olhos, quase da cor do mar… ou esse olhar, que é quase um luar?” ou ter pensado que “se um dia a cegueira chegar, quero que ela me surpreenda olhando pra você…”. É… os caminhos lunares são muito estranhos… muito estranhos.

    • 27/08/12 at 13:14

      Brenno, quase sempre víamos a lua juntos, e continuamos a ver.

      “São demais os perigos desta vida, pra quem tem paixão…”

  2. André
    27/08/12 at 18:23

    Minha vida era um palco iluminado, e eu vivia vestido de dourado, palhaço das perdidas ilusões…
    Gama, parabéns pela escolha da belíssima música Chão de Estrelas, ainda mais na interpretação da Betânia, e também do poema de Fernando Pessoa!
    Abraços,
    André

  3. 27/08/12 at 23:30

    Inesquecíveis alguns amores que passam e ficam pra trás. Sutil sua declaração linda para os verdes olhos. Grande beijo, sonhador, visitante constante da lua.
    V. e Brenno são uma parada de sincronia admirável.

  4. 28/08/12 at 14:11

    Delicadeza de crônica, Antonio! Estava escrito nas estrelas que você veria todas as luas com a moça dos olhos cor de mar e teria(m) uma neta que é o sol!
    Beijocas!
    Você e Brenno são pedra 90, batatolinas (cruzes, Selminha!)… 🙂

  5. Lilian
    29/08/12 at 1:50

    “Naqueles tempos, São Paulo ficava muito distante, tão longe quanto a lua. A Anhanguera era quase toda de pista simples até lá. Avião, nem pensar! Internet, nem em sonho! Telefone, difícil e muito caro.” – E as cartas, meu amigo??? Por que não? – É, pensando bem, talvez tenha sido melhor assim. Por um bom tempo, eu recebi, e escrevia, cartas, umas duas por mês. Não as guardei e, recordando, me arrependo amargamente disso. Gostaria tanto de saber, hoje, o que havia naquelas cartas…
    Mas, voltando a pisar no meu chão, que não é de estrelas, foi impressionante a mistura de luar com um ou dois amores deixados de lado, com a distância que pode matar o que nem aconteceu, e o primeiro homem a pisar na lua…

    • Antonio Carlos A. Gama
      29/08/12 at 11:00

      Lilian, mas as cartas também demoravam muito a ir e vir…

      “Quem me dera no tempo em que escrevia
      Sem dar por isso
      Cartas de amor
      Ridículas.

      A verdade é que hoje
      As minhas memórias
      Dessas cartas de amor
      É que são
      Ridículas.”

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