É preciso deixar sempre um pouco de desejo na ponta dos dedos
para tocar o corpo da mulher amada quando ela se foi
mas ficaram o cheiro do seu suor nas dobras do lençol,
seu sorriso que espia do espelho, a escova e o batom na pia
esquecidos para nos lembrar.
É preciso deixar sempre um pouco de desejo na ponta dos dedos
para beliscar as cordas do violoncelo adormecido no canto da sala
e arrancar seus gemidos plangentes e outonais
que não são olvidos nunca mais.
É preciso deixar sempre um pouco de desejo na ponta dos dedos
para na ilha naufragada afagar a capa de couro do livro
levado na algibeira, cheirá-lo, repassar suas folhas uma a uma
e não ler a última jamais.
É preciso deixar sempre um pouco de desejo na ponta dos dedos
para alçar voo do chão cativo, palmilhar um pedacinho de inferno
e um pedacinho de paraíso.
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