É preciso deixar sempre um pouco de desejo

 

 

 

 

 

            É preciso deixar sempre um pouco de desejo na ponta dos dedos

            para tocar o corpo da mulher amada quando ela se foi

            mas ficaram o cheiro do seu suor nas dobras do lençol,

            seu sorriso que espia do espelho, a escova e o batom na pia

            esquecidos para nos lembrar.

 

            É preciso deixar sempre um pouco de desejo na ponta dos dedos

            para beliscar as cordas do violoncelo adormecido no canto da sala

            e arrancar seus gemidos plangentes e outonais

            que não são olvidos nunca mais.

 

            É preciso deixar sempre um pouco de desejo na ponta dos dedos

            para na ilha naufragada afagar a capa de couro do livro

            levado na algibeira, cheirá-lo, repassar suas folhas uma a uma

            e não ler a última jamais.

 

            É preciso deixar sempre um pouco de desejo na ponta dos dedos

            para alçar voo do chão cativo, palmilhar um pedacinho de inferno

            e um pedacinho de paraíso.

 

 

[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=LY08poPk7mU[/youtube]

 

 

6 comentários

  1. André
    04/10/12 at 19:16

    Gama, realmente é preciso deixar sempre um pouco de desejo em tudo que fazemos.
    E a música Último Desejo é das mais belas que conheço em toda minha vida. Conheço várias versões dela, com Gal, Betânia, Nana Caymmi, Nei Matogrosso, Nélson Gonçalves, Rosa Passos, Elisete Cardoso, Joana… se vc ou os frequentadores lembrarem de mais nomes expressivos que gravaram essa pérola, por favor coloquem aqui.
    Abraço,
    André

    • Antonio Carlos A. Gama
      04/10/12 at 19:21

      André, você tem razão, há gravações e interpretações maravilhosas de “Último Desejo”.

      A que postei é a cena final do filme “Noel, poeta da Vila”, e quem canta é o mestre Wilson das Neves.

      Abração.

  2. Lilian Tanajura
    04/10/12 at 21:00

    Mais um poema incrivelmente maravilhoso, apto para frequentar as listas dos vestibulares.
    Muito bom, naquele sufoco todo, o aluno se deparar com um refrigério como este, tirando-o do inferno para o céu, de repente, como se a felicidade fosse possível.
    E, sei lá porque, “Último Desejo” me fez lembrar Ä flor e o espinho”…
    http://www.youtube.com/watch?v=XXLSAgCSlUU&feature=related

  3. Érika Gentile
    05/10/12 at 8:52

    Gama, uma das poesias mais lindas que já li. Prorrogar a vida, sem ler a última jamais.

  4. Brenno
    05/10/12 at 12:31

    Ótimo! deixar sempre a oportunidade do “up grade”… cultivar o penúltimo… o último chute não precisa ser dado… a última canção da serenata fica para a próxima. Para que sempre hajam as próximas, as seguintes, as sem fim. Para que o fim não o seja. Para que o maior amor da vida não seja o último… mas o próximo.

  5. 05/10/12 at 20:41

    Antonio, seu poema merecia um vídeo da Tom Gama Produções… O terceto é lindo! Vinicius tremeu.

    Beijocas! 

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