Uma das coisas de que mais tenho saudade da minha infância é da certeza absoluta.
Eu tinha certeza, enquanto colecionava os pôsteres do New Kids on the Block, que o Jordan gostava de mim. Eu sabia que do outro lado do mundo (não sabia nem de que lado), ele pensava em mim telepaticamente. Não importava a nossa diferença de quase 15 anos de idade, nem o fato de eu não falar inglês e ele ser o maior astro da cultura pop da época.
Quando alguém me perguntava com quantos anos eu queria casar, respondia num relance: 24. A amiga fazia um quadradinho envolta, perguntava o nome de três pretendentes e de três lugares onde eu queria passar a lua de mel (lua de mel?). Eu respondia coerentemente Estados Unidos, Guarujá e Istambul. Em cima, ela colocava 1,2,3 (número de filhos) e ao lado R,P,M (Rica, Pobre ou Milionária). A partir da idade citada, ela ía eliminando os nomes e as possibilidades. Apesar de sempre torcer para ser milionária, eu nem me importava muito com os resultados. O importante é que naquele pedaço de papel estava um decreto, uma certeza absoluta: me casaria com o X, passaria a lua-de-mel em X, teria X filhos. Era um alívio ter aquela certeza aos 11 anos.
Na época a AIDS era avassaladora. Depois do dono da floricultura, levou Cazuza e Renato Russo. Era o pior diagnóstico que alguém poderia ter. Tranquei-me dias na casa da Kel tentando descobrir a cura. Ao bebermos água na talha (filtro de barro, tá gente?) tivemos a certeza absoluta de encontrar a solução: tiraríamos o sangue todo do corpo do doente e colocaríamos litros e litros de sangue novo. Kel também tinha a certeza absoluta de que seríamos alquimistas quando crescêssemos.
Minha certeza era tão absoluta que uma vez peguei o Opala Comodoro escondido do meu pai e bati a lateral inteira. Para disfarçar, colei lama na lataria do carro e achei que ele nunca veria!
E aí um dia o pai vê, no outro você se estrepa, no seguinte toma um chute na bunda e depois do quinto ou sexto tombo vê que cresceu e que nenhuma certeza é absoluta.
Bell Gama
Outubro 2012
(Dedico esse texto a Kel, amiga que me deixou um recado lindo no Facebook nesta semana. Depois de ler, tive a certeza que mesmo sem nos vermos há décadas, nossas lembranças são absolutas)