Posts from outubro, 2012

Braço forte, pé de barro

 

 

 

 

 

Embora não seja a única, nem a mais confiável, a versão disseminada sobre a origem da Maratona remete ao ano de 490 a.C., quando soldados atenienses marcharam até a Planície de Marathónas para combater os persas, na batalha que fazia parte das Guerras Médicas.

Os persas haviam jurado aos gregos que, caso vencessem, invadiriam Atenas, violariam suas mulheres e matariam seus filhos. Temendo tal violência, os gregos combinaram que as mulheres matariam os filhos e cometeriam suicídio, caso não tivessem noticia sobre a vitória dentro de 24 horas.

Como os atenienses venceram, após uma longa e difícil batalha, Pheidippides foi incumbido pelo comandante Milcíades de correr todo o Vale de Maratona até Atenas, numa distância aproximada de 40 km, para levar a notícia e impedir a desgraça. Ao chegar, exaurido, Pheidippides só teve fôlego para dizer uma única palavra antes de cair morto: “Vencemos”.

O esforço desumano, e fatal, de Pheidippides já se afigura muito pouco diante das novas modalidades de Ultramaratona, Ironman, Triatlo, outras extravagâncias  e exorbitâncias que ninguém haverá de me convencer que sejam benéficas à saúde e ao bem-estar dos praticantes. Os chamados atletas de ponta ou de alta perfomance excedem e desafiam os limites do corpo em busca de desempenhos sempre mais espetaculares, não raro recorrendo a variados e cada vez mais sofisticados tipos de doping. A grande maioria encerra a carreira em estado lastimável, com o físico e até a mente seriamente avariados, a negar a máxima mens sana in corpore sano.

 

 

Como é doloroso ver o grande Muhammad Ali, outrora falastrão ― a bailar pelo ringue com a graça de uma borboleta e a picar os adversários como uma abelha, segundo ele próprio dizia ―,  agora cambaleante e trêmulo, com a voz quase inaudível.

 

 

 

 

 

 

Não é menos emblemático o rumoroso desfecho do caso envolvendo o cultuado Lance Armstrong, vencedor de nada menos do que sete Tours de France, e que após superar um câncer nos testículos ainda voltou a ganhar aquela prova. A investigação empreendida concluiu não apenas que ele se dopava, mas que montara um complexo esquema de produção e uso de doping, o que resultou no seu banimento para sempre do ciclismo e a cassação dos títulos. “Armstrong”, que pode ser traduzido como “braço forte”, infelizmente tinha o pé de barro, como tantos outros heróis de dantes e de agora.

 

Esses atletas, e também os grandes astros pops ((Michael Jackson e Amy Winehouse, apenas para lembrar dois exemplos mais recentes) constituem-se na representação contemporânea dos heróis ou semi-deuses da Mitologia Grega, como Aquiles, Hércules, Teseu, Perseu, Agamenon, Ajax, Édipo, entre outros, personagens que estavam numa posição intermediária entre os homens e os deuses. Possuíam poderes especiais superiores aos dos homens comuns (força, inteligência, velocidade), porém eram mortais e apresentavam alguns dos defeitos humanos (psicológicos e corporais). Seus destinos quase sempre são trágicos, punidos impiedosamente por ousarem desafiar ou contrariar os deuses.

Tenho especial predileção pela saga do titã Prometeu, que rouba o fogo divino (para muitos, símbolo do saber), ludibriando os deuses, para proporcionar à raça humana um elemento que lhe garantiria a supremacia sobre os demais seres vivos. Em razão dessa afronta, Zeus decidiu puni-lo decretando ao ferreiro Hefesto que o prendesse em correntes no alto do monte Cáucaso, por 30 mil anos, durante os quais ele teria o fígado diariamente bicado e dilacerado por uma águia ou abutre. Como o órgão se regenerava, o ciclo de sofrimento e destruição se reiniciava a cada dia. Esse mito inspirou a célebre tragédia  “Prometeu Acorrentado”,  escrita pelo poeta grego Ésquilo, no século V a.C.

Não seremos todos nós, com todos os nós, Prometeus acorrentados?

E quantas outras tragédias ainda estarão por ser escritas sobre os grandes heróis e mitos dessa nossa sociedade do espetáculo?

 

 

Leia o poema “Prometeu” no post abaixo.

 

 

 

Prometeu

 

 

 

                                               O herói sói ser

                                               como o sol,

                                               a chama que ilumina

                                               é a mesma que

                                               destrói.

 

                                               Com o fogo divino

                                               tu libertas os homens

                                               e aos deuses os iguala,

                                               mas o dilema trágico

                                               assinala:

 

                                               ainda livre tu serias

                                               se a liberdade não usasses,

                                               posto que só a tenhas

                                               por usá-la.

 

 

 Tiziano. Prometeu Acorrentado. 1548-1549. Museo del Prado, Madrid