A vida é uma metáfora
do jogo estaremos fora
quando alcançarmos a meta.
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Quando decidir vir sozinha para Londres, Edimburgo e Dublin um dos meus objetivos era conhecer novas pessoas. Escolhi o roteiro por não conhecer nenhum desses lugares. Em Londres eu acabei contando com a ajuda da minha querida amiga Londoneer Cris Degani ( escrevi aqui que nos reencontramos depois de mais de 15 anos), e em Edimburgo contei com a força do meu adorado primo Felipe (foi nossa segunda viagem ao exterior juntos, mas a primeira sozinhos).
Ficar com alguém que você gosta em uma viagem é como um escudo para conhecer gente nova. Eu amei estar com os dois e além de redescobri-los, tive que descobrir toda Londres e Edimburgo e por isso não me restou muito tempo novas amizades.
Já em Dublin eu fiz reserva em um hostel (quarto individual, obviamente) porque queria conviver com pessoas de outras partes do mundo. No final, está sendo fundamental estar aqui. Sem eles, o draaaama da mala seria ainda maior.
Mas não vou falar de amizade neste post. Vou falar de uma coisa que vem antes dela: a educação. O que mais me chamou a atenção em Edimburgo e Dublin é o cavalherismo dos homens. Diferente do Brasil, aqui abrir a porta é o mínimo. Hoje passei por uma situação que só me reforçou a certeza de que eu deveria escrever esse texto.
Tirando a Aer Lingus (companhia aérea em que jamais viajarei outra vez) todas as pessoas são excepcionalmente educadas. Mas os homens são um capítulo a parte! Desculpem-me os rapazes brasileiros mas vou enumerar motivos pelos quais as garotas têm que vir para cá (quem sabe vocês não reaprendem?).
1 – Em Edimburgo eu coloquei o pé para fora do Pub e puxei um cigarro do maço e já havia um cara lá com isqueiro e um sorriso a postos.
2 – Eu dei um sorriso na beira do balcão do Pub e o bartender imediatamente veio solícito me atender. (sim, porque no Brasil muitos fingem que você não está ali).
3 – Quando fui ao aeroporto resgatar minha mala e a minha amiga australiana conseguiu recuperar a dela, pegamos um ônibus. A mala dela estava super pesada e antes que cogitássemos a hipótese de erguê-la para colocar no local destinado já surgiu um irlandês (lindo de morrer) e se antecipou. Pegou a mala, pôs no lugar e sorriu (simples assim). Antes de descer do ônibus, ele perguntou se iríamos mais adiante. Confirmamos que sim. Ele novamente tirou a mala do lugar, colocou numa posição mais próxima de nós e se desculpou (SIM, SE DESCULPOU) dizendo que teria que descer. Achou pouco?
4 – Fiquei perdida. Fui pedir informação. O cara andou 50 metros (sim, 50 metros!) para me levar até a esquina para que pudesse me explicar melhor como eu deveria chegar no lugar.
5 – Estava de bicicleta e perguntei onde era o parque. O senhor de 87 anos fez questão de me contar a história do parque e os cuidados que eu deveria ter. Amarrou minha bolsa na cestinha da bike e me desejou bom dia.
6 – Eu e Michelle (a australiana) estávamos sozinhas no bar do hostel pra o nosso tradicional drink das 17h. Em menos de 1h já estávamos com 7 caras (um irlandês, um inglês, dois australianos e três austríacos) ao nosso lado querendo saber onde iríamos e participar do programa. E durante todo o pub crawl eles cuidaram da gente sem nenhuma segunda intenção. Foi casaco emprestado, cigarro aceso, porta se abrindo, tudo que a gente merece…
7 – Ao fim do pub crawl quis vir antes para casa. Óbvio que um deles saiu na chuva, me arrumou um táxi, me colocou dentro do carro e falou com o taxista onde ele deveria me deixar.
8 – Sabe há quanto um cara não paga um drink para mim no Brasil? (Claro, exceto os amigos…) Não sei! Aqui, todos os dias que saí fui surpreendida com drinks. Mas tudo de maneira muito gentil e delicada. Por exemplo, acabou meu drink e fui no banheiro. Quando volto, tem outro já pago. O Michael foi buscar um drink para ele e a fila era enorme. Não pedi nada. Quando ele volta, tem uma vodca na mão e me entrega com um sorriso. Eu sorri sem graça e fiquei pensando como iria beber aquilo puro. Quando menos espero, ele tira do bolso de trás da calça um red bull. Isso porque o meu drink (vodca + red bull) é o mais caro em todos os bares. E muito mais caro do que o que ele estava bebendo.
9 – Todos os homens que conheci elogiaram meu inglês e disseram que pareço ter 24 anos. Enfim, coisas que meus ouvidos não ouvem há tanto tempo que nem lembrava mais que existiam. Não, os homens daqui não querem te comer (pelo menos inicialmente) e isso foi o que me chamou atenção. Aqui você pode ser feia, bonita, gorda, magra, careca ou cabeluda. Os caras vão ser educados com você.
10 – Mas a décima e última situação de cavalheirismo que eu vivi foi além do imaginado. Precisava pegar o Luas (um tipo de bonde elétrico) e estava no guichê eletrônico para comprar o bilhete (aqui não tem catraca). Fui apertando os botões do meu destino e colocando as moedas. Atrás de mim, estava um homem (uns 40 anos do tipo George Clooney) pacientemente esperando a minha trapalhada. Desisti de tentar pois o Luas estava chegando e deixei o cara comprar o bilhete dele (não ía fazer ele perder a viagem porque eu não conseguia comprar o bilhete). Ele foi lá, apertou uns botões e comprou o dele. Ao final, disse: você não está conseguindo comprar pois está colocando moedas inferiores a um euro. Toma a minha! Sim, ele me deu DINHEIRO para a passagem.
Sem mais,
Bell Gama
setembro/2012
É preciso deixar sempre um pouco de desejo na ponta dos dedos
para tocar o corpo da mulher amada quando ela se foi
mas ficaram o cheiro do seu suor nas dobras do lençol,
seu sorriso que espia do espelho, a escova e o batom na pia
esquecidos para nos lembrar.
É preciso deixar sempre um pouco de desejo na ponta dos dedos
para beliscar as cordas do violoncelo adormecido no canto da sala
e arrancar seus gemidos plangentes e outonais
que não são olvidos nunca mais.
É preciso deixar sempre um pouco de desejo na ponta dos dedos
para na ilha naufragada afagar a capa de couro do livro
levado na algibeira, cheirá-lo, repassar suas folhas uma a uma
e não ler a última jamais.
É preciso deixar sempre um pouco de desejo na ponta dos dedos
para alçar voo do chão cativo, palmilhar um pedacinho de inferno
e um pedacinho de paraíso.
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=LY08poPk7mU[/youtube]
Gilberto de Mello Kujawski
RUY BARBOSA, O VERBO EM AÇÃO
Se Ruy Barbosa fosse vivo e estivesse presente entre nós, qual seria sua reação face ao julgamento do mensalão, que empolga e arrebata a expectativa do país inteiro? Ficaria congelado na atitude do tecnojurista, como mero expectador dos acontecimentos, sem nenhum envolvimento pessoal nesta hora em que o STF decide do destino da nação?
Ruy jamais agiu como frio expectador dos acontecimentos, retirado em seu gabinete, distante do cenário tormentoso no qual está em jogo a integridade moral, política e histórica da nação. Muito pelo contrário, mais do que simples participante, seu projeto sempre foi alçar-se em protagonista do drama de construção de nossa nacionalidade. Temperamento passional, incapaz de resistir aos reclamos da hora, ele sempre tomou partido, sempre esteve na trincheira, não a reboque e sim à frente das circunstâncias.
Nunca antes, nem depois, o Brasil conheceu um fenômeno de popularidade como Ruy Barbosa. Sem nenhum dos recursos modernos de publicidade, sem rádio nem televisão, Ruy era ouvido e conhecido pela nação inteira, de norte a sul. Onde aparecia, a pequena figura do lidador baiano eletrizava as multidões, sem distinção de classes nem de cultura, nem de partido. Explicar sua acústica nacional pelo poder oratório é pouco e insuficiente. Oradores dos mais eloqüentes sempre brilharam em nosso país.
A melhor explicação talvez seja a de caráter histórico. Finda a monarquia, escorraçado o imperador para fora, começou o domínio republicano. A monarquia, aos olhos do povo, desde o primeiro até o segundo reinado, foi personificada pela figura do próprio imperador. Seria preciso colocar-se alguém no vazio do imperador destronado. Afinal, proclamada a nova ordem de coisas, quem era a República, onde estava ela, quem respondia pelo novo regime? O Estado precisa de visibilidade para legitimar-se aos olhos da população. Pois essa figura tutelar foi Ruy Barbosa. Não um jurista, não apenas um ideólogo (como Benjamim Constant, por exemplo), não um orador tonitroante com seu verbo inflamado, e sim o verbo associado à ação instauradora. Este verbo em ação foi encarnado por Ruy Barbosa. O lugar vazio deixado pelo imperador foi preenchido pela figura de um homem que não era somente um republicano, mas a própria República, ou seja, o projeto republicano ocupando o território geográfico e institucional da pátria, abalada pelo choque da transição. Afinal, conforme a frase de Aristides Lobo, “o povo assistiu bestificado à proclamação da República”.
O papel histórico de Ruy Barbosa foi corporificar a República, emprestando-lhe seu sangue e sua carne para que ela deixasse de ser uma fantasmagoria ideológica e se transformasse em realidade palpável. Ruy Barbosa, legítimo representante da classe média ascendente, o físico franzino, a cabeçorra enciclopédica, a vontade de ferro, e aquela eloqüência vernacular, torrencial, inesgotável, exprimindo todo o titanismo republicano em tensão máxima. Onde estava Ruy, ali estava a República. Ele era a República, assim como o imperador era a Monarquia, em configuração nada retórica, mas cosubstancial à história da pátria.
Este condestável da República é Ruy de corpo inteiro. Homem da lei, mas que ao mesmo tempo tomava partido, empunhava bandeiras, assumia causas com bravura e denodo, tudo em nome da lei e do império da lei. Para ele a justiça era o eixo da democracia, “eixo não abstrato, não supositício, não meramente moral, mas de uma realidade profunda” (Oração aos Moços).
O grande idealista encerra esse monumento de maturidade e sabedoria que representa sua Oração aos Moços, com aquela conclusão surpreendente: “Idealismo? Não: experiência da vida.”
Creio bem que por amor à justiça, o eixo da democracia, e nutrido na experiência da vida, Ruy estaria aplaudindo o voto dos magistrados independentes e intrépidos do Supremo. Dirigindo-se aos futuros juízes da Faculdade de Direito, proclama o ilustrado advogado das grandes causas:
“Nem receeis soberanias da terra: nem a do povo, nem a do poder. O povo é uma torrente, que rara vez se não deixa conter pelas ações magnânimas. A intrepidez do juiz, como a bravura do soldado, o arrebatam, e fascinam.”
MINISTRO CELSO DE MELLO
O ministro Celso de Mello , com seu voto, anunciado nesse dia primeiro de Outubro de 2012, ao proferir seu duro discurso contra a corrupção, protagonizou o momento de grandeza no julgamento do mensalão.
Surpreendeu quem dele esperava um foguetório de erudição jurídica, ou a análise gelada e minuciosa das provas, ou o discurso sonolento e arrastado de alguns de seus ilustres pares.
Celso de Mello foi o primeiro e o único ministro do STF a derivar do aspecto exclusivamente técnico e jurídico da causa, para ferir, com a indignação dos justos, o conteúdo escandaloso da transgressão ética e institucional que abalou o País. A linguagem do seu discurso inovou: “vergonhosos atos de corrupção governamental”, “marginais do poder” e outras expressões introduzem a mudança do estilo impassível e regimental até agora usado pelos senhores ministros.
Sob a aparência do juiz impecável e do estudioso diuturno do fenômeno jurídico, transpareceu o homem de carne e osso, capaz de justa indignação, apto a aplaudir, a condenar, a amar e repudiar. Sob sua palidez de pesquisador debruçado sobre os livros, vibraram seus nervos de homem de bem e gritou seu coração de patriota. O magistrado se humanizou, sem pudor de parecer menos isento, porque tem provado na vida e no trabalho sua imparcialidade insubornável.
O nome de Celso Lafer, citado pelo ministro, engasta-se como uma pérola no seu discurso. Lafer é militante histórico da ética, na tríplice tribuna do magistério, das relações exteriores e da imprensa.
A citação de Cícero foi, certamente, o ponto especulativo mais alto alcançado no Supremo pela palavra de algum ministro. Ressaltando-se que em Cícero a idéia de “concórdia” social não é a paz dos cemitérios, e sim uma conquista que passa por muitas dissenções até atingir o ponto de equilíbrio do povo com os poderosos. E isso graças à criação dos tribunos da plebe, saudada por Ortega como “genial irracionalidade”, da qual só os romanos eram capazes.
Conheci Celso de Mello ao tempo em que ele era modesto Promotor de Justiça, já então integralmente dedicado ao estudo jurídico. A ponto de, no rápido percurso de elevador, do térreo ao décimo andar, ser capaz de proferir uma rápida e elucidativa aula de direito. Agora, de sua tribuna no Supremo, Celso de Mello fala para o País inteiro. Mais do que isso, fala para a consciência moral de todos os brasileiros, com a sabedoria do estudo e da reflexão, e com a eloquência inspirada pela tensão do seu caráter de varão e guardião impoluto da República.
Com quantas linhas se escreve um conto?
Com quantos contos me conto?
Em que ponto dessa tortuosa linha
paralela do infinito me encontro?
Só quando saio da linha
e salto fora da pauta
é que sinto o sobressalto da vida
ao compasso de mim mesmo.
Passo a passo me repasso
traço a traço me escrevo
até que a linha se apague
e acabe o conto sem ponto final