[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=qHjlfHqRAs8[/youtube]
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Escrevi o poema do outro post abaixo há algum tempo, mas nestes tempos de fim de ano ele sempre me atropela a mente, antropofagicamente.
Daí me lembrei daquela antiga ilustração de um velhinho de barbas brancas passando o bastão ou a ampulheta para um menino, e me saíram estes outros versos.
Nem mágico, nem trágico,
é autofágico o fim de ano.
Depois de devorar-se
(e também a nós)
regurgita atroz
o mesmo engano
(em que vamos nós).
[youtube]http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=siLn-s1WkSk[/youtube]
[youtube]https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=Di6ndDWb68c[/youtube]
Esse compacto foi oferecido pela imobiliária “Clineu Rocha” aos seus clientes, no Natal de 1967.
De um lado, a canção “Tão bom que foi o Natal” composta e interpretada por Chico Buarque. Do outro, faixas com jingles da empresa.
O brinde recebeu menção honrosa na categoria de “Melhor Cartão de Natal”, no”I Prêmio Colunistas Nacional 1968”.
Chico teve atritos com a imobiliária algum tempo depois do lançamento do disco, como se pode ver do trecho abaixo de uma entrevista dele ao COOJORNAL em junho de 1977:
Coojornal: Em compensação, aquela imobilária de São Paulo, a Clineu Rocha, usou com a maior cara de pau uma música tua como jingle…
Chico Buarque: Mas ela foi a falência como castigo (risos)
Coojornal: Como foi mesmo essa história da Clineu Rocha?
Chico Buarque: Não, foi um negócio de dez anos atrás. Eu fiz uma musiquinha, gravei com violão assim, que era para essa empresa distribuir aos sue clientes de brinde no Natal. Mas estava escrito, não era gravação comercial, não era para tocar na rádio nem nada. Agora há dois anos atrás usaram no Natal como jingle da firma. Aí fui lá e processei e eles me deram a grana porque era um abuso.
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=Z85UQwMlNK0[/youtube]
Ao longo do ano o tempo galopara tão veloz quanto um cavalo indômito e agora se detinha brevemente, como a recobrar-se, diante do último obstáculo. Não que lhe fosse difícil transpô-lo. Apenas uma pequena fenda que ele saltaria sem muito esforço para de novo se pôr a galope pelo campo verdejante do outro lado, deixando definitivamente para trás a clareira do passado.
Sentia-se assim, parado na frente do templo a observar a sua fachada majestosa, o entra e sai da multidão de fiéis, todos sorridentes e em estado de graça.
Não era um homem sem fé, achava mesmo que não se vive sem algum tipo de crença, ainda que fosse na inutilidade da fé, o que não deixa de ser uma forma de fé.
Mas pouco frequentava o templo, cuja suntuosidade o inibia. Gostava dos pequenos templos do seu tempo de menino, em que se sentia agasalhado e reconhecido. Agora, eram construções gigantescas e labirínticas, sempre lotadas, em que se perdia e angustiava.
Com a aproximação do Natal e do fim de ano, que sempre o comoviam — antes com alegria incontida, agora com inevitável melancolia — viu-se de repente defronte do templo, para onde se dirigira quase sem se dar conta.
Anoitecia e a lua já despontava, ofuscada pela iluminação feérica do templo.
Acabou entrando, a passos lentos e reverenciosos, enquanto sofria os esbarrões do borbotão de fiéis, indo e vindo.
Lá dentro, a amplitude e a claridade lhe trouxeram à lembrança o impacto que havia sentido ao entrar pela primeira vez na Basílica de São Pedro. Depois de várias semanas a viajar pela Europa, visitando inúmeras igrejas barrocas, magníficas, porém massacrantes e sombrias, o esplendor renascentista da Basílica, com suas cores e luzes, fora uma experiência de redentora humanidade.
Neste templo, entretanto, não se sentia liberto nem humano, e sim um autômato desnorteado.
Perambulou pelos corredores imensos, detendo-se vez ou outra diante dos altares laterais. No centro do templo, vislumbrou um velho de barbas brancas, cercado de criancinhas.
Começou a se sentir tonto e asfixiado, e sem fazer oferenda alguma buscou a saída, aflito.
Enquanto se afastava, olhou para trás e viu a pairar sobre a abóboda do templo a Estrela de Belém piscando, com os dizeres garrafais logo abaixo:
O SHOPPING CENTER COMPRE FÁCIL DESEJA A TODOS OS SEUS FIÉIS CLIENTES
UM SANTO NATAL E UM PRÓSPERO ANO NOVO
O poeta Lêdo Ivo
(menos lido que devido)
fez a viagem só de ida
lá em terras da Espanha
neste triste fim de ano.
Assim é a lida da vida:
sempre nos apanha em ledo engano!
[youtube]http://www.youtube.com/watch?v=mcCsoscEz8Y[/youtube]
A passagem
Lêdo Ivo
Que me deixem passar – eis o que peço
diante da porta ou diante do caminho.
E que ninguém me siga na passagem.
Não tenho companheiros de viagem
nem quero que ninguém fique ao meu lado.
Para passar,exijo estar sozinho,
somente de mim mesmo acompanhado.
Mas caso me proíbam de passar
por seu eu diferente ou indesejado
mesmo assim eu passarei.
Inventarei a porta e o caminho
passarei sozinho.
O relógio deixará de bater
e o pêndulo parado
imóvel
será a única lembrança
do tempo
que já não existe.
Um Deus único
produto de todos os deuses
subproduto de todos os medos
e de todas as angústias
descerá dos céus
para julgar
e ser julgado pelos homens.
(Esse pequeno poema escrevi lá pelos vinte anos, depois de sobreviver a um outro fim do mundo)