Ainda que tarde

 

 

 

                        A manhã é um feto prematuro

                        sem esperança de futuro.

                        Morrerá ao meio-dia com o sol a pino

                        sem nenhum sino que lamente o passamento breve.

 

                        Carregarás o defunto insepulto pelo resto do dia

                        e quando não mais suportares o peso e o cheiro dos restos

                        a noite lhes servirá de sepulcro interino

                        até o milagre da ressurreição.

 

                        Quando enfim a tarde couber

                        num só olhar de sossego

                        poderás enterrar o sobejo

                        ainda que tarde.

 

 

 

 

 

 

9 comentários

  1. Bela reflexão sobre a morte. A iniludível,triste e caroável.

  2. André
    03/05/13 at 11:38

    Ainda que seja tarde
    Não me cansarei de esperar
    O futuro que vem chegando
    E que parece demorar
    Mas isso não é verdade
    Pois tenho paciência
    Pra desfrutar dele o quanto quiser
    O máximo de tempo possível.

  3. André
    03/05/13 at 11:41

    Ah! E o poema de sua autoria é dilacerante e muito inspirado. O que eu escrevi acima é pra fazer um contraponto.
    Abraçaço.

  4. Brenno
    03/05/13 at 17:38

    Tenebrosamente lindo. Permita-me a inclusão de um parceiro nesse funéreo feito.
        
    IDENTIFICAÇÃO
      
    Com a frieza inalterável de um coveiro velho
    vou enterrar mais um presente morto.
    Vou descer (com cordas?) o caixão da morte
    pro fundo da sepultura do esquecimento.
      
    Com a impassividade de um coveiro velho
    vou manter-me frio ante toda lágrima,
    vou manter-me surdo pra qualquer discurso;
    sou calmo e competente em meu labor cinzento.
      
    Com a frigidez serena de um coveiro velho
    vou pegar a pá quando chegar a hora,
    vou cobrir com terra aquela coisa extinta…
    pra isso não é preciso se ter sentimento.
      
    Com a força fria de um coveiro velho
    vou erguer com esforço a laje de cimento,
    vou depositá-la sobre a obra pronta
    e assento alguns ladrilhos como acabamento.
      
    Com a serenidade de um coveiro velho
    vou sentir no ventre a fome vir chegando,
    vou lembrar qué tarde, é hora de ir pra casa
    e vou jantar calado, mastigando lento.
      
    Com a esperança opaca de um coveiro velho
    vou crer que amanhã terei novo trabalho,
    vou dormir tranquilo, sem ter pesadelos,
    nessa noite fria de um coveiro velho.
        

    • Antonio Carlos A. Gama
      03/05/13 at 22:42

      Por oportuno, já nem me surpreendo de como vemos as mesmas estrelas de navios diferentes, conforme disse Aldir sobre ele e João Bosco.

      Estrelas Binárias, caravelas unas, navegar é preciso, viver não é preciso.

  5. sonia kahawach
    03/05/13 at 17:44

    Assim fica difícil, não acham?
    Um poema lindo do Antonio Carlos, com a morte prematura da manhã, seguido de uma profunda descrição do trabalho de um coveiro velho do Brenno.
    Uma emoção realmente ler vocês. Beijos aos dois.

  6. nilton
    03/05/13 at 19:39

    Belos textos, os dois. Abcs

  7. Lúcia Helena Vieira dibo
    06/05/13 at 18:37

    Belo, parceiros!
    Belo!

  8. Célia Soares
    08/05/13 at 20:26

    Lindos os textos que se entrelaçam.

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