NOÉ
Pedro Tamen
Pronto, pronto, eu faço. Dá um trabalhão
mas faço. Corto madeira, arranjo pregos,
gasto o martelo. E o pior também:
correr o mundo a recolher os bichos,
coisas de nada como formigas magras,
os outros, os grandes, os que mordem
e rugem. E sei lá quantos são!
Em que assados me pões. Tu
gastaste seis dias, e eu nunca mais acabo.
Andar por esse mundo, a pé enxuto ainda,
a escolher os melhores, os de melhor saúde,
que o mundo que tu queres não há-de nascer torto.
Um por um, e por uma, é claro, é aos pares
― o espaço que isso ocupa.
Mas não é ser carpinteiro,
não é ser caminheiro,
não é ser marinheiro o que mais me inquieta.
Nem é poder esquecer
a pulga, o ornitorrinco.
O que mais me inquieta, Senhor,
é não ter a certeza,
ou mais ter a certeza de não valer a pena,
é partir já vencido para outro mundo igual.
(“Analogia e Dedos”, 2006)
Poema lindo e dilacerante.
Poema inquietante. Revolve nossas dúvidas e incertezas mais doídas.
Realmente a questão é: valeu a penas tanto esforço? Se olharmos para o homem e sua egocentrismo ficaremos desanimados. A única, e possível solução seria olhar para além homem, para o numinoso, aí sim encontraremos alguma resposta plausível…abçs
Sensacional! Ótimo poema!
Vale a pena!? Esta reflexão às vezes nos torna angustiados, porém o que ajuda é tentarmos fazer o melhor sempre.
“é partir já vencido para outro mundo igual”.
Brilhante mente de um grande poeta!