Posts from junho, 2013

Todas as cartas de amor são ridículas…

 

 

Fernando Pessoa e Ofélia de Queiroz 2

 

Por artes de Cupido ─ ou quem sabe de Santo Antônio, meu santo xará e casamenteiro ─ chega-me exatamente no “Dia dos Namorados” — e na véspera dos 125 anos de Fernando Pessoa, que também era Antônio e nasceu em 13 de junho de 1888 — o livro que encomendara à Livraria Cultura, “Fernando Pessoa & Ofélia Queiroz”, pelo qual havia sido capturado desde a entrevista a que assisti com a escritora e jornalista Bia Corrêa do Lago, umas das organizadoras da edição (veja AQUI)

O livro é primoroso, em todos os sentidos, edição, conteúdo, material iconográfico. Pela primeira vez se tem a correspondência completa trocada entre Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz ao longo do seu relacionamento conturbado, de 1919 a 1935. São 348 cartas transcritas integralmente, das quais 156 inéditas, e no final a reprodução de excelente qualidade dos manuscritos de Pessoa.

Bia e o marido, Pedro Corrêa do Lago, arremataram num leilão em Londres, no ano de 2002, sem disputa alguma, as 48 cartas de Fernando Pessoa dirigidas a Ofélia, e depois, já apaixonados pela história dos dois, arremataram a outra parte da correspondência amorosa, constituída pelas cartas de Ofélia, em número muito maior, quase 300!

Dou-lhes a palavra, na ótima introdução que assinam em conjunto, “Memória viva de um passado morto”:

 

“A leitura da correspondência agora completa revela plenamente tanto a ansiedade amorosa da jovem lisboeta quanto a distância crescente que vai se estabelecendo por parte de Pessoa, numa relação que talvez só pode ser realmente tida como namoro na chamada “primeira fase” do romance, que dura um ano (novembro de 1919 a dezembro de 1920). Seguem-se quase nove anos de afastamento quando ocorre o reencontro em 1929. O relacionamento, agora requentado, evidencia desde a retomada que nenhuma das partes guarda as mesmas ilusões da década anterior. Muitos contatos são feitos agora por telefone e, a partir de janeiro de 1930, o diálogo epistolar — já desigual — é rompido por Pessoa e torna-se praticamente um monólogo de Ofélia.

Quando começam sua relação, em 1919, Fernando Pessoa tem 31 anos e Ofélia 19 para 20. Alegre e viva, além de graciosa e elegante, Ofélia revela-se nas cartas como uma típica moça romântica de sua época, iludida pela vida que ainda não conhece. Apesar de inteligente e articulada, partilha da desinformação e de preconceitos característicos de moças de classe média portuguesa no começo do século. Seu sonho é óbvio. Casar e constituir família, e manter com o eleito a relação privilegiada que lhe parece o único caminho seguro para a felicidade.

A postura de Fernando é muito diferente. É possível que se iluda, ainda jovem, com a hipótese de formar um par tradicional com uma moça virgem e casadoira, que lhe traga não apenas a satisfação sexual que imagina como uma bem regrada vida doméstica, semelhante à que de certa forma conheceu em sua própria família. Verdadeiramente atraído pelo frescor de uma moça ingênua, conserva esperança de adequação a um relacionamento amoroso como aqueles que pensa que os outros têm.

Não cabe aqui estender-se novamente em especulações — como muitas vezes ocorrido — sobre as preferências sexuais ou as fantasias do poeta, exercício inútil após todo tipo de afirmação ter sido aventada nas últimas décadas a partir dos mais tênues indícios. Um fato parece, no entanto, incontestável: o da extrema timidez de Fernando Pessoa com mulheres fora de sua família. O fato de seus poucos íntimos não lhe terem conhecido nenhuma outra senão Ofélia demonstra, no mínimo, que, com raiz num possível interesse reduzido por mulheres ou ainda uma timidez causada por variados complexos, Fernando Pessoa não parece ter devotado muito tempo e energia à procura amorosa. Tampouco são conhecidas quaisquer ligações homessexuais, e muitos supõem que tenha morrido virgem aos 47 anos.”

 

A arte e os heterônimos de Pessoa interferem no relacionamento. Álvaro de Campos — que assinaria depois o célebre poema “Todas as cartas de amor são ridículas”, escrito em 1935, apenas um mês antes da morte de Fernando Pessoa, e cujo recorte da publicação em jornal, no ano 1937, foi conservado por Ofélia junto com suas cartas — não gostava de Ofélia. E ela, entrando no jogo, diz que também não gostava do engenheiro e não o queria frequentando-lhes a casa depois que Fernando e ela se casassem!

Quando rompem definitivamente, é Ricardo Reis quem liga para Ofélia para lhe comunicar, em nome do Sr. Fernando Pessoa, que este estará incomunicável durante algum tempo.

Sempre achei Bia Corrêa do Lago uma mulher fascinante. Inteligente, simpática, graciosa, como revelam as entrevistas literárias que conduz com grande brilho no canal “Futura”.

Numa delas, o galante António Lobo Antunes lhe disse no encerramento que era encantadora e que o marido dela devia ser um homem feliz.

Disso não tenho nenhuma dúvida.

“(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)”