Annibal Augusto Gama
Pensei em escrever um ensaio sobre a hipótese e o hipopótamo. O hipopótamo do Delírio de Brás Cubas. Cavalgando-o, Brás Cubas vai à origem dos tempos e depois faz a viagem de volta até o fim dos mesmos tempos, quando encontra Pandora. É uma viagem circular, que termina com um gatinho brincando com uma bola de papel. Genial, genial, ninguém escreveu nada semelhante.
Mas qual seria a hipótese, no caso? Temos um hipopótamo, mas não temos uma hipótese.
Ora, a hipótese pode ser qualquer uma. Agora sustentam os entendidos que o criacionismo não deve ser ensinado nas aulas de ciência, porque nada o sustenta, e não é científico. Pois bem: muitas coisas tidas como científicas e exatas, passados mais alguns anos, deixam de sê-lo. Einstein substituiu Newton. Há séculos, o Sol girava em torno da Terra, e era científico; atualmente, é a Terra que gira em torno do Sol, e é também científico.
Quase sempre, a ciência nasce de uma hipótese, e às vezes de hipóteses absurdas. Desta maneira, o criacionismo, que é uma hipótese, é tão científico como qualquer outra teoria.
Bem, se não consigo escrever sobre a hipótese e o hipopótamo, talvez possa escrever sobre a hipótese e a hipóstase.
Dizem os dicionários comuns (o Aurélio, por exemplo) que “hipóstase” é a ficção ou abstração falsamente considerada como real. Nos dicionários filosóficos, a coisa complica-se. Foi Plotino quem, com tal termo, denominou as três substâncias do mundo inteligível: o Uno, a Inteligência e a Alma. Nas discussões trinitárias que se seguiram, a palavra hipóstase foi preferida a “pessoa” que, por significar propriamente “máscara”, parecia evocar a imagem de algo fictício.
Estamos vendo que quase tudo é uma questão de palavras. Exceto a matemática, toda a ciência se faz com palavras, e muitas delas equívocas.
O conhecimento é possível? Há quem afirme que não. Tangenciamos a verdade, mas nunca a encontramos. Ou por outra, a verdade de hoje não será a de amanhã, ainda porque só recolhemos pedaços da verdade, e não a verdade absoluta e total.
Não vejo nenhuma razão para que o criacionismo, como uma hipótese, seja desacreditado, e a ciência não.
Vivemos de ficções, e a ciência é uma delas. Como a moda, a ciência tem o seu dia de alta costura. Todos querem vestir-se com o modelo dos ateliês mais famosos. A saia curta, que exibe deliciosamente as coxas das mulheres, logo mais é substituída pela saia comprida, que vai até os pés.
A pessoa jurídica, de que trata o Direito, o nosso Código Civil, é uma ficção. E com ela desenvolveram-se todas as implicações legislativas.
O hipopótamo certamente não é uma hipótese. Ele existe (por enquanto), como existe o ornitorrinco. E até acho que Machado de Assis não chegou a vê-lo. Mas fez do hipopótamo a cavalgadura de Brás Cubas a viajar para a origem e o fim dos tempos, quando toda ciência será desmentida por uma ciência maior e única.
Gama, essa é mais uma excelente crônica de autoria de seu pai, Dr. Annibal, para ler e apreciar sem moderação. Toda segunda-feira ele reina absoluto aqui no Estrela.
Acho que as palavras hipótese e hipopótamo pertencem à mesma família, talvez tenham a mesma etimologia, o mesmo radical, não sei.
Abraçaço.
Hipocondríaca, eu? Sem as pílulas de sabedoria e criatividade do mestre, a cada 2ª feira, não sossego?
A descoberta de nossas origens… Inquietação até o fim dos tempos, quando ainda “toda ciência será desmentida por uma ciência maior e única”.